Em 1987, no Núcleo de Estudos do Brasil
Contemporâneo, da Universidade de Brasília (UnB), foi elaborada e divulgada a
ideia de pagar às famílias pobres uma renda vinculada ao trabalho da mãe para
assegurar frequência dos filhos à escola. A ideia carregava a criatividade de
ao mesmo tempo mitigar a pobreza, graças à renda, e transformar a
estrutura social do país ao colocar as crianças na escola. A renda reduzia a
pobreza atual e a escola aboliria a pobreza futura quando as crianças
crescessem educadas.
Em janeiro de 1995, a ideia surgida na UnB, se transformou em política pública do Governo do Distrito Federal. Brasília inovou ao criar o programa teoricamente na UnB, e levá-lo à prática de forma pioneira pelo Governo do Distrito Federal. Servindo de inspiração à prefeitura de Campinas, em São Paulo, graças ao prefeito José Roberto Magalhães Teixeira, conhecido como Grama, e à cidade de Recife, graças ao prefeito Roberto Magalhães. Eleitos dois anos antes do governador do DF, eles começaram programas similares, embora sem o compromisso pleno de vinculação à educação: não adotaram a palavra “Escola” nem colocaram a gestão do programa nas Secretarias de Educação.
O programa Bolsa Escola do DF oferecia também
um prêmio pelo desempenho escolar do aluno, a Poupança Escola: valor depositado
em caderneta de poupança ao final do ano, se o aluno fosse aprovado, com a
retirada do depósito condicionada à conclusão do ensino médio. Se abandonasse o
estudo antes, o aluno perderia todo o valor na conta.
Depois de seis anos da implantação do programa
no Distrito Federal e em dezenas de outras cidades e alguns países, o governo
do presidente Fernando Henrique Cardoso adotou o Bolsa Escola Nacional, com o
mesmo caráter educacional, tanto no nome, quanto na gestão feita pelo
Ministério da Educação. Revistas internacionais já divulgavam o programa de
Brasília, que os organismos internacionais chamaram de “conditional cash
transfer to education” – transferência de renda condicionada à educação.
O governo do presidente Lula esperou um ano
desde sua posse e transformou o Programa Bolsa Escola Nacional no Bolsa
Família, ampliando o número de beneficiados de quatro milhões para 12 milhões
de famílias, mas descaracterizando seu papel transformador pela educação, em
razão de: a) retirar a palavra “Escola”, b) levar a gestão do programa para o
setor de assistência social e misturar os beneficiários, independentemente de
serem famílias com crianças em idade escolar, idosos, desvalidos, portadores de
deficiências.
O programa ficou mais generoso, mas perdeu sua
função de transformação estrutural. A prova é que, 20 anos depois de seu início
no Brasil, ele continua ainda necessário, diante dos imensos bolsões de pobreza
que já não deveriam existir se, desde então, todos tivessem recebido
educação de base com qualidade.
Vinte e seis anos depois de iniciado no DF, o
atual Governo Federal decidiu descaracterizar de vez a ideia transformadora
inicial, ao tirar até mesmo a palavra “Bolsa” e substituí-la por “Auxílio”.
Com o primeiro nome, as mães beneficiadas
pensavam “recebo a bolsa porque meu filho vai à escola e graças a ela sairemos
da pobreza”; com o segundo, “recebo esta bolsa porque minha família é pobre e
se sairmos da pobreza perdemos o direito de recebê-la”; agora, com o terceiro
nome, pensa: “recebo este auxílio por causa da tragédia da covid”.
Brasília formulou e implantou um programa
transformador estruturalmente, tentou que o resto do Brasil o adotasse pelo
prazo de 11 anos, tempo para que toda criança brasileira terminasse o ensino
médio, fazendo a bolsa desnecessária a partir de então. Tanto quanto deixa de
ser necessária a bolsa paga a um aluno universitário depois que ele conclui seu
curso e se forma. Mas, 25 anos depois, em um quarto de século, a proposta que
transformaria a estrutura social do país, pela educação de todas suas crianças,
foi apropriada pelo populismo e transformada em um simples programa
assistencialista.
Brasília não conseguiu, mas tentou inspirar o Brasil.
*Foi ministro da Educação, senador e governador do DF
Nenhum comentário:
Postar um comentário