O Globo
A PEC dos Precatórios – que está mais para
PEC dos Pesadelos – abarca muitos “jabutis”, temas alheios ao seu objeto
principal. Oportunistas se aproveitam da fraqueza do governo para obter
benesses, colocando a culpa na pandemia, como se esta não tivesse exigido
sacrifícios da maioria.
É o caso de mais uma ajuda a municípios,
que só fazem procrastinar o ajuste de suas finanças. A PEC prevê o parcelamento
em até 240 meses da dívida previdenciária, que totaliza R$126,5 bilhões, bem
como a redução em R$36,3 bilhões com a redução de juros de mora, multas e
outros encargos, segundo a CNM (Confederação Nacional dos Municípios).
Como agravante, abre-se exceção a uma regra constitucional, promulgada há apenas dois anos, que proibiu parcelamentos superiores a 60 meses.
O único aspecto positivo é a exigência de
os municípios ajustarem suas regras previdenciárias nos moldes da reforma da
Previdência de 2019. Havia sido estabelecido um prazo de dois anos para estados
e municípios fazerem suas reformas, o que não foi cumprido por muitos, e sem
definir parâmetros.
Como resultado, há uma grande
heterogeneidade de regras para a aposentadoria do funcionalismo, que poderá ser
contida.
Outras medidas já haviam beneficiado os
municípios: a emenda constitucional que elevou a alíquota do Fundo de
Participação dos Municípios em 1 ponto percentual e a lei que permite que
municípios inadimplentes de até 50 mil habitantes (88% do total) tenham acesso
a transferências voluntárias.
Ironicamente, os municípios estão no seleto
grupo dos ganhadores com a crise da pandemia. De acordo com o Banco Central,
seus haveres financeiros (caixa ou equivalente) atingiram R$10,9 bilhões ao
final de 2020 ante R$1,8 bilhão em 2019, o que revela que o socorro da União
não apenas foi suficiente para custear os gastos extras com saúde, como mais do
que compensou a modesta perda de arrecadação.
As transferências superaram R$ 56,5 bilhões
no cômputo geral (auxílio financeiro e despesas adicionais dos ministérios da
Saúde e demais), segundo o Tesouro, fora o alívio de caixa de ao menos R$ 13,3
bilhões relativos à suspensão de pagamento de dívidas diversas, segundo Marcos
Mendes. Enquanto isso, as despesas correntes cresceram menos, R$45 bilhões
(7,3%).
A arrecadação tributária foi preservada
pela rápida recuperação da economia – em boa medida decorrente dos estímulos
federais –, e da elevada inflação de produtos industrializados inflando a
arrecadação de impostos (como o ICMS) que beneficiam indiretamente os
municípios, por meio das transferências constitucionais. Essas receitas somadas
subiram 1,4% em 2020.
Tudo somado, a receita corrente total, que
inclui as transferências da União, aumentou 8,5% (R$ 58,6 bilhões a mais).
Vale acrescentar que os municípios não
vinham de um quadro de penúria. Segundo o Ipea, a arrecadação e as receitas
totais dos municípios tiveram picos históricos em 2019 (já descontado o efeito
da inflação), superando inclusive o patamar pré-crise de 2015-2016.
Completa esse quadro o fato de o
parcelamento agora pretendido ser mais um na lista. O mais recente foi outro
dia, em 2017. Os seguidos programas de refinanciamento de dívida, e sem
contrapartidas, premiam a má gestão e estimulam o oportunismo, acumulando-se
dívidas (eram apenas R$ 22 bilhões em 2009) diante da expectativa de futura
renegociação.
A propósito, é nítido o problema de gestão
desses entes, a julgar pelo crescimento expressivo de funcionários públicos
municipais entre 2001-13, mesmo depois de superado o período de adaptação às
mudanças da Constituição de 1988, que aumentou as obrigações dos entes
subnacionais e estimulou a criação de municípios.
Em 2000, os funcionários municipais
representavam 43% do total e hoje são 60%, segundo o Ipea. Ainda que o número
tenha se estabilizado desde 2014, é clara a necessidade de reformas estruturais
para conter o crescimento da folha – nas capitais, a despesa bruta com pessoal
consome algo como 60% da receita corrente líquida.
A falta de compromisso com a saúde das
finanças públicas e o oportunismo de muitos contribuem para a fraqueza da
economia, que sequer se recuperou da recessão de 2015-16, e pesam nos ombros do
setor privado. A intenção de Bolsonaro de utilizar a “folga” da PEC dos
precatórios para dar reajuste a categorias de servidores só engrossa esse
caldo.
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