O Globo
Jair Bolsonaro se jactou, como parece que
vem se esmerando em fazer em viagens ao exterior, de mais um legado de
retrocesso: sim, depois de três anos de desmonte do Ministério da Educação, o
Enem está deformado, a cara do governo.
Bolsonaro, é claro, falava daquela pasta
ideológica que faz as vezes de suas ideias. Segundo seu tortuoso raciocínio,
deve ser celebrado o fato de as questões da prova que deveria medir o
conhecimento apropriado pelos estudantes do ensino médio e ser um dos
passaportes desses alunos para a universidade reproduzirem essa mesma mixórdia
pseudoconservadora em que ele acredita.
Sim, desta vez Bolsonaro acertou, mesmo por
essas vias tortíssimas. O Enem tem a cara de um governo que destrói todas as
políticas públicas e todos os marcos civilizatórios em que resolve tocar.
Bolsonaro implodiu o Bolsa Família. Achou que deveria ter um programa social com a sua cara, já que o anterior, uma política consolidada, com eficácia comprovada por evidências sociais e estatísticas e institucionalizada ao longo de sucessivos governos, teria a cara do Lula. Imaginem o pavor para um presidente inseguro e paranoico ter de pagar todo mês um benefício com a cara do principal adversário.
Então Bolsonaro foi lá e imaginou um
programa a sua imagem e semelhança: provisório, improvisado, acochambrado,
eleitoreiro e com maldades desnecessárias embutidas, como desvincular o
pagamento da cobrança de vacinação infantil.
Afinal, para que o antes imitado
internacionalmente Programa Nacional de Imunizações ficasse a cara do
Bolsonaro, não bastava ter atrasado a compra de vacinas contra a Covid-19, ido
a eventos públicos pôr em xeque a eficácia da vacina, mentido numa live ao
associar a vacinação contra o novo coronavírus a um risco maior de contrair
aids. Ainda assim, não estava parecido o suficiente. Para isso, o bom mesmo é
esculhambar também todas as demais campanhas de vacinação, que, aliás, já
sofrem com a adesão cada vez menor e a divulgação cada vez mais “a cara” do
Bolsonaro.
Para colocar em prática o programa “meu
governo, minha fuça”, Bolsonaro resolveu implodir também a tal da
responsabilidade fiscal, esse edifício que veio sendo erguido a duras penas
desde Itamar Franco.
Para aprovar a PEC dos Precatórios, a maior
excrescência fiscal já votada no Congresso, uma pedalada que vai sendo aceita
bovinamente pela Câmara, pelo TCU e por outros cúmplices, vale até buscar o
apoio dos servidores públicos, prometendo um reajuste salarial eleitoreiro para
que eles pressionem os senadores, até aqui um pouco mais resistentes à
lambança. Poucas coisas poderiam ser mais a cara de Bolsonaro.
E Paulo Guedes, que a cada dia vai se
mostrando mais e mais um clone, separado no nascimento, do chefe a que escolheu
servir não importa o que lhe peça, vai topar mais essa afronta àquilo que
sempre defendeu.
“Espelho, espelho meu. Que outras áreas do
governo devem ficar tão lindas quanto eu?”, deve pensar o governante narcisista
quando avalia o saldo de seus três anos de estripulias.
Ah, o meio ambiente. Esse é a carinha do
papai. A floresta não pega fogo porque é úmida, pontifica o capitão, para
espanto de um mundo que vê a Amazônia arder e ser consumida por clareiras mês a
mês.
Poucas coisas são mais semelhantes a quem
governa o Brasil quanto o massacre dos índios ianomâmis documentado em
reportagem devastadora do “Fantástico” no último domingo, que, atendendo a um
pedido de socorro, mandou uma equipe para mostrar crianças desnutridas, um povo
consumido pela malária e a ameaça concreta do garimpo ilegal à maior reserva
indígena do país. Ninguém precisa pedir DNA de mais esse desmonte. Afinal, ele
avisou antes mesmo de ser eleito o que pensava da pauta indígena.
O Brasil que derrete, queima, sangra e
morre é a cara do Bolsonaro.
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