terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O pior corporativismo

Folha de S. Paulo

Bolsonaro favorece militares e policiais, mas sem respeitar o serviço público

Em sua carreira parlamentar, Jair Bolsonaro foi um líder sindical de militares e policiais. Em seu mandato como presidente, procurou intervir nas Forças Armadas e na Polícia Federal, o que ficou evidente em atritos de motivação política indevida e em decorrentes trocas de comando nessas instituições.

Não deixou, no Planalto, de ser representante dos interesses dessas corporações —que, no entanto, tenta aliciar ou subjugar.

Esse jogo entre mandonismo e militância explica o desejo presidencial de conceder benefícios salariais para a PF —Bolsonaro se empenhou em conseguir recursos para tanto no Orçamento de 2022, oficialmente solicitados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Não se sustenta a leitura de que tal benesse tenha motivação eleitoral, uma vez que as categorias favorecidas somam poucos milhares de integrantes. O mandatário quer, o que é pior, a fidelidade de boa parte da tropa, por motivos entre obscuros e espúrios.

Um inquérito no Supremo Tribunal Federal investiga se o presidente tentou intervir na PF para proteger filhos e amigos, conforme acusação de Sergio Moro, ex-ministro da Justiça. O órgão já teve três diretores-gerais desde 2019, além de muitas outras trocas de comando em diretorias e superintendências.

Comandantes das Forças Armadas foram demitidos quando acharam excessivas as exigências de submissão. Por ocasião da reforma previdenciária, entretanto, os militares receberam gordos aumentos, o generalato em particular.

Os favorecimentos salariais, a desordem na política de pessoal e as intervenções indevidas na burocracia federal acabaram por suscitar revolta ampla no funcionalismo.

A promessa de benefícios para os policiais federais levou centenas de chefes de serviço da Receita Federal a entregarem seus cargos; o sindicato da categoria convocou greve. Outras corporações preparam mais protestos.

Bolsonaro não raro toma atitudes por capricho pessoal —alguns bizarros, como a redução de impostos sobre motos náuticas e barcos. Sem dispor de planos, anunciou em novembro que daria reajuste a todos os servidores, o que foi negado até pela liderança governista no Congresso.

Costuma decretar ou alardear providências para satisfazer apoiadores, grupos de interesse e falanges ideológicas, sem consideração pelo interesse geral. Em vastos setores do Executivo federal, substituiu pessoal qualificado por militantes fanáticos, amigos despreparados ou militares cooptáveis.

Com o corporativismo sem respeito ao serviço público, a ideia de administração racional empalidece —e os dados vão muito além de reajustes salariais despropositados.

Cenas violadas

Folha de S. Paulo

Alteração de locais de homicídios alimenta impunidade, em especial de policiais

A prática ilegal de alterar cenas de crimes, deploravelmente, disseminou-se. Ela contribui para dificultar a já escassa elucidação de casos e, sobretudo, para evitar a responsabilização da própria polícia por mortes em suas operações.

Não são poucos os exemplos recentes. Segundo denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro apresentada neste mês, quatro policiais militares acrescentaram 12 cartuchos calibre 9 mm e um carregador de fuzil à cena em que a jovem grávida Kathlen de Oliveira foi morta em 8 de junho, no Rio, alegadamente para simular confronto.

Também neste ano, em maio, a Defensoria Pública do Rio afirmou que foram desfeitas cenas da operação em que 28 pessoas foram mortas na favela do Jacarezinho. Segundo relatos, algumas das vítimas foram retiradas dos locais.

Alterações do tipo podem ser enquadradas em diversos tipos penais, notadamente o de fraude processual —o que, conforme estabelece o Código Penal, consiste em "inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito".

A pena é de detenção de três meses a dois anos e multa, sendo aplicada em dobro em processo penal.
Policiais podem ainda ser enquadrados em falso testemunho, uma vez que, sem provas materiais que advenham das cenas dos crimes, sua palavra tende a se tornar a única verdade referendada nos autos.

Entretanto não basta que a prática seja criminalizada pela lei, como se vê. Alteração ilegal de cenas de crime somente é possível num país que despreza a investigação.

Estima-se que apenas 4 em cada 10 casos de homicídio sejam esclarecidos no Brasil. No Rio, a taxa não passa de vexatórios 12%, revela pesquisa do Instituto Sou da Paz.

Outro fato preocupante no país é a presença marcante da Polícia Civil, que deveria ter atuação investigativa, em operações com mortes.

Percebe-se, por fim, uma rede de impunidade permitida pelas instituições responsáveis pelo controle das polícias. Em descumprimento de ordens do Supremo Tribunal Federal, as forças fluminenses deixaram de comunicar ao Ministério Público quase metade das operações entre junho e novembro de 2020, segundo estudo.

São vícios que contaminam as políticas de segurança pública no país —e só sanáveis com vigilância permanente da sociedade e atuação incisiva das instituições.

Apesar de tudo, a educação avançou

O Estado de S. Paulo.

A última geração fez muito para democratizar o ensino básico. A atual tem o desafio de elevá-lo à excelência

A última geração fez muito pelo ensino básico. Desafio é elevá-lo à excelência.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, mais de 70% dos estudantes do ensino médio não têm conhecimento suficiente em português e matemática. No último Pisa, a principal avaliação escolar do mundo, entre 79 países, o Brasil foi o 57.º em leitura, o 66.º em ciências e o 70.º em matemática. A educação básica no País é ruim. Mas já foi muito pior. As conquistas desde a Constituição de 88 foram expressivas. Em nota técnica – Fim de uma Era. Desafios para a atuação federal na Educação Básica –, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) traçou os últimos 30 anos de evolução, insuficiências e desafios das políticas educacionais.

Em 1988, o Brasil tinha os piores indicadores entre seus pares nas Américas. A média de anos de estudo dos brasileiros de 25 a 65 anos era de 5,1 anos – no Chile, Paraguai e Peru eram, respectivamente, 8,9, 8,8 e 8,2. Só 33% das crianças completavam o primário – no Uruguai e Panamá eram 95% e 91%. Menos de 18% dos jovens cursavam o secundário – no México e Argentina eram 83% e 95%.

Havia falta de vagas nas escolas; os professores tinham baixa escolaridade, não recebiam formação específica e ganhavam salários irrisórios; o financiamento era escasso e mal distribuído; faltavam parâmetros mínimos para as redes escolares; inexistia um sistema de avaliação; e a falta de clareza na sociedade sobre a importância da educação era generalizada.

De lá para cá, o Brasil construiu um dos melhores sistemas de avaliação entre os países em desenvolvimento, as competências do governo federal, Estados e municípios foram detalhadas, a formação e remuneração dos professores melhoraram substancialmente e os recursos cresceram e passaram a ser fiscalizados com mais rigor. Hoje, o financiamento por aluno é cinco vezes maior, quase todas as crianças têm acesso a uma escola e a taxa de término do primário saltou de 33% para 80%.

Mas, apesar desses avanços quantitativos, qualitativamente os resultados estão bem aquém do desejável. “O Brasil se empenhou em organizar e fortalecer o ensino público”, resumem os pesquisadores do Ipea, “e o resultado foi esse: a criança começa aprendendo em níveis razoáveis e termina o ensino médio com uma inaptidão irrazoável.”

O desafio de uma evolução nacional passa necessariamente pela articulação federativa. No Brasil o ensino fundamental é primordialmente de responsabilidade dos municípios; o médio, dos Estados; e o superior, da União. O governo federal não atua diretamente sobre os resultados da educação básica, mas pode aprimorá-los por meio da coordenação, financiamento e avaliação.

Em 2009, o Sistema Nacional de Educação foi inserido na Constituição para articular a cooperação federativa com vistas ao alcance das metas do Plano Nacional de Educação. Mas as atuais comissões intergovernamentais ou têm caráter protocolar, como a que discute os parâmetros do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb), ou não contam com a participação de Estados e municípios, como o Conselho Deliberativo do FNDE. Falta uma instância única com legitimidade para congregar não só os gestores da Educação, mas os da Fazenda e Planejamento nos três níveis de governo.

Como resume o Ipea, uma boa articulação federal entre coordenação, financiamento e avaliação pode estabelecer bases curriculares flexíveis, adaptáveis às inovações pedagógicas e demandas do mercado de trabalho; diminuir iniquidades salariais dos professores por meio de uma complementação mais equitativa via Fundeb; construir processos formativos direcionados às lacunas de aprendizado e aptos a mensurar as competências desenvolvidas pelos estudantes; e estimular trocas das melhores práticas entre municípios e Estados.

As conquistas da última geração, sobretudo no acesso e fluxo escolares, mostram que os preceitos constitucionais sobre educação estão no caminho certo. Mas a geração presente precisará de muito esforço para capitalizar esses ganhos e materializar esses preceitos não só em uma educação aberta a todos, mas de excelência para cada um.

Estratégia à custa das aflições alheias

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro não dará um minuto de trégua ao País sempre que seus interesses eleitorais estiverem em jogo. Dificultar a vacinação de crianças é cálculo

Neste fim de ano, a paz dos brasileiros, sobretudo de milhões de mães, pais e responsáveis por menores de idade, foi perturbada mais uma vez pelas ações do governo para dificultar a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a covid-19. Nada menos.

Desde que a Anvisa aprovou a aplicação da vacina da Pfizer na população daquela faixa etária, no dia 16 de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro pôs-se a atacar não apenas a vacinação dos menores, como também os servidores da Anvisa que, com base em estudos científicos, tomaram a decisão de autorizar o uso do imunizante em crianças. Atiçados pelos discursos do presidente contra essa vacinação, bolsonaristas passaram a ameaçar esses servidores, inclusive de morte. O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu do diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, um relatório com o teor dessas ameaças.

Bolsonaro não dará um minuto de trégua ao País sempre que seus interesses eleitorais estiverem em jogo. A um só tempo, o ataque desabrido contra a vacinação de crianças em meio a uma tragédia sanitária sem precedentes mostra que, primeiro, o presidente não tem qualquer tipo de freio moral; e, segundo, que Bolsonaro age orientado apenas por sua estratégia para se manter no poder, mesmo que isso implique causar ainda mais aflições aos brasileiros.

Assim como ocorreu quando do início da vacinação dos adultos, a campanha de Bolsonaro contra a vacinação de crianças, a pretexto de supostamente protegê-las, faz parte da estratégia do presidente para excitar uma base mais radical de seus apoiadores e, assim, tentar se manter competitivo para a disputa da eleição de 2022. O ano que termina aos sobressaltos, portanto, prenuncia o que está por vir, à medida que Bolsonaro se depara com dificuldades em sua campanha pela reeleição.

Fingindo preocupação com a saúde das crianças, Bolsonaro e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, têm dificultado tanto quanto podem o início da vacinação de crianças de 5 a 11 anos no País. A pretexto de “dividir responsabilidades”, o Ministério da Saúde criou uma esdrúxula enquete virtual sobre a vacinação das crianças, que ademais trazia perguntas absolutamente enviesadas. O Ministério também decidiu exigir prescrição médica para aplicação da vacina, algo que não é feito com nenhum outro imunizante. Obviamente, muitos Estados já anunciaram que não vão adotar a medida.

Não têm sido poucas as vozes, inclusive no próprio governo federal, que se erguem contra a insanidade de Bolsonaro e Queiroga de dificultar a vacinação de crianças, a despeito de sua comprovada segurança. Em nota técnica, a chefe da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento da Covid-19, Rosana Leite de Melo, contrariou o próprio chefe e afirmou que a vacina da Pfizer é, sim, segura para crianças de 5 a 11 anos. “Antes de recomendar a vacinação contra a covid-19 para crianças, os cientistas realizaram testes clínicos com milhares de crianças e nenhuma preocupação séria de segurança foi identificada”, diz trecho da nota assinada pela secretária, que tem sido uma ilha de sensatez no Ministério da Saúde.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) também divulgou manifesto em que defende a vacinação do público infantojuvenil como forma de reduzir o número de internações e mortes por covid-19 nesse segmento da população. Contrariando a infame declaração de Queiroga, segundo a qual “os óbitos de crianças estão absolutamente dentro de um patamar que não implica em decisões emergenciais”, a SBP afirmou que as mortes de crianças e adolescentes em decorrência do coronavírus não estão em patamares aceitáveis no Brasil.

Que fique claro: para Bolsonaro, que não honra a faixa presidencial, e Queiroga, que não honra o diploma de Medicina, é irrelevante se a vacina será aplicada ou não; o que importa é criar tumulto para se apresentarem como defensores da “liberdade” e, agora, de crianças indefesas. Cedo ou tarde, essa impostura bolsonarista será finalmente vencida, mas, até lá, haja paciência.

Tragédia da chuva na Bahia é alerta para todo o Brasil

O Globo

Não se pode dizer que a enxurrada que matou 20 pessoas e deixou mais de 62 mil desalojados e desabrigados no sul da Bahia neste fim de semana tenha pegado as autoridades de surpresa. Temporais arrasadores no verão são tão previsíveis quanto o Natal e o Réveillon, e o fato de ter sido a maior enxurrada em 32 anos só confirma os alertas dos ambientalistas sobre a ocorrência de eventos climáticos extremos. Às pressas, quase nada se pode fazer para conter a fúria das águas, mas seria possível amenizar o drama, não fosse o populismo de políticos que fazem vista grossa a ocupações irregulares e não cumprem a obrigação de remover os que estão em áreas vulneráveis a deslizamentos e enchentes ou de impedir que ali se instalem, seja em favelas ou mesmo moradias regulares.

A tragédia na Bahia poderá se repetir noutros estados. Só o município de São Paulo tem 175 mil moradias em áreas sob perigo iminente de deslizamento ou solapamento de margens de córregos. A maior cidade do país está há seis anos sem Plano Municipal de Redução de Riscos. Temporais devastadores estão na memória de toda cidade grande. É o caso das enchentes que mataram centenas no Rio em 1966 e 1988. Com a maior frequência de eventos climáticos extremos, elas se agravarão.

As águas que alagaram as ruas baianas só comprovam quão criminosa é a omissão dos governantes diante das áreas mais vulneráveis, como moradias à beira de rios que transbordam regularmente ou que podem ser soterradas com facilidade. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais — do Ministério da Ciência e Tecnologia — e o IBGE estimaram, para 872 municípios avaliados, que 8.270.127 pessoas e 2.471.349 domicílios estavam expostos a riscos de desastres de “origem hidrometeorológica”. A Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, divulgada no início de dezembro, destacou que, entre 2017 e 2018, havia em 10,3% dos domicílios um morador que considerava viver em área sujeita a inundação e, em 2,9%, em encostas ou áreas sujeitas a deslizamento.

Segundo o IBGE, as favelas no Brasil passaram de 6.329 a 13.151 na última década. Os municípios com ocupações irregulares foram de 323 para 734 entre 2010 e 2019. Um levantamento do Projeto MapBiomas divulgado em novembro confirmou o crescimento das habitações precárias. Com base em imagens de satélite, mostrou que, de 1985 a 2020, a área ocupada por favelas no país dobrou.

Culpar o déficit de moradias é fácil para os governantes. Se favelas se formam porque a população de baixa renda quer viver — não importa como — perto do local de trabalho, é consenso entre urbanistas que o Centro das grandes cidades tem áreas ociosas que poderiam ser transformadas em moradias. São espaços com infraestrutura disponível, exigindo apenas adaptação.

Sem uma política habitacional eficaz, de nada adiantará o país se chocar a cada verão com o drama dos mortos nos temporais. Campanhas de donativos mobilizarão a população, governantes prometerão pagar o aluguel social dos desabrigados, e prefeituras anunciarão medidas emergenciais que, a História mostra, são meros paliativos.

Censura judicial também se torna preocupante nos Estados Unidos

O Globo

O uso da Justiça para censurar a imprensa é a cada dia mais preocupante. E não só no Brasil. O GLOBO, entre outros veículos, foi alvo recente de duas decisões judiciais impedindo a publicação de reportagens. No Brasil, tais decisões costumam cair nas instâncias superiores, em virtude da proibição constitucional expressa à censura; mesmo assim são usadas em tentativas de intimidar a atividade jornalística. O mesmo expediente começa a ser aplicado até em países em que a liberdade de imprensa é um valor consolidado, como os Estados Unidos.

Na véspera do Natal, o New York Times foi surpreendido pela decisão de um juiz que não apenas o proíbe de publicar documentos, mas também o obriga a destruí-los. Trata-se de ordem inédita no sistema judicial americano, onde a liberdade de imprensa é protegida de modo quase absoluto pela Primeira Emenda à Constituição. “A Primeira Emenda não tolera a ideia de que o discurso possa ser censurado antecipadamente, mesmo que possa ser punido depois [da publicação]”, escreveram Stephen Adler e Bruce Brown, do Comitê de Repórteres pela Liberdade de Imprensa, no Washington Post, principal concorrente do Times.

No célebre caso dos Documentos do Pentágono, de 1971, a Suprema Corte vetou a censura prévia estabelecendo critérios praticamente intransponíveis para autorizá-la. A exceção é admissível apenas em situações que ponham em risco iminente a segurança nacional, como divulgar movimentos de tropas durante uma guerra. Não se trata, obviamente, do caso em que o juiz de Nova York Charles Wood impediu o Times de publicar documentos da organização conservadora Project Veritas.

A Project Veritas se autoproclama uma iniciativa jornalística, mas é investigada pela suspeita de ter furtado diários da filha do presidente Joe Biden, pela tentativa de grampear policiais do FBI e por usar aplicativos de paquera para se aproximar de funcionários do governo. Em 2020, o Times noticiou seu envolvimento numa campanha de desinformação que alegava fraudes em massa no estado de Minnesota nas eleições de 2018. A Project Veritas processou o jornal por difamação.

Os repórteres do Times obtiveram documentos, anteriores a esse processo, em que os advogados da organização transmitiam recomendações sobre práticas que poderiam violar a lei, como uso de identidades falsas ou câmeras ocultas. São esses os documentos que Woods impediu o Times de publicar, sob a alegação de que isso violaria a comunicação privada entre advogados e clientes num processo em que o jornal é parte interessada.

A decisão abre um precedente absurdo, pois permitiria a qualquer atingido por uma reportagem que processasse os autores, depois incluísse as informações incômodas no processo e alegasse que são dados sigilosos. Que esse tipo de manobra sem cabimento prospere num país em que a liberdade de expressão é tida como direito sagrado só demonstra quanto ela precisa ser protegida com diligência no mundo todo.

Governo segue dificultando enfrentamento da pandemia

Valor Econômico

A desvalorização sistemática de medidas preventivas e a criação de um clima de descrédito e desconfiança em relação às vacinas dificultam o enfrentamento da pandemia

Depois de ter começado 2021 lutando bravamente com o governo para receber as vacinas contra a covid-19 que começavam a surgir no mercado, o brasileiro jamais conseguiria imaginar que chegaria ao fim do ano exatamente com a mesmo problema, desta vez para fazer chegar a imunização às crianças de 5 a 11 anos.

Apesar de a covid-19 estar matando uma criança brasileira a cada dois dias desde o início da pandemia, a “estatística macabra”, como chamou o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, não comoveu o presidente Jair Bolsonaro nem o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que têm lançado mão de todo tipo de estratagemas para postergar a vacinação dessa faixa etária e gerar insegurança e desconfiança entre os pais.

Mais preocupado em agradar a Bolsonaro para garantir seu futuro político fora da Medicina, Queiroga chegou a dizer que o número de crianças mortas pela covid-19 não impunha pressa. Passou por cima do fato de a imunização das crianças já ter sido aprovada em 25 países, recomendada pela Anvisa, que autorizou o uso do produto da Pfizer, e do aval de especialistas da área médica, para lançar uma consulta pública a respeito da vacinação das crianças.

Com a mesma ineficiência que o fez levar 13 dias para recolocar precariamente em funcionamento seus sistemas de informação após um ataque hacker, o Ministério da Saúde elaborou a consulta pública sobre a vacinação das crianças intencionalmente mal formulada e com várias falhas. O problema de segurança mais preocupante é a ausência de barreiras para robôs.

Diante da pressão da sociedade, dos médicos, da oposição e do Supremo Tribunal Federal (STF) é bastante provável que a vacinação dos 20,5 milhões de crianças brasileiras acabe começando em algum momento no início do ano, com um atraso injustificável e após uma tensão desnecessária. Para marcar posição, o Ministério da Saúde pretende exigir prescrição médica, o que deve prejudicar as crianças mais pobres. Até o momento 15 secretarias estaduais de saúde e a do Distrito Federal afirmaram que não vão exigir a prescrição.

Estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ressalta que, assim como ocorre globalmente, as regiões mais pobres do país apresentam menores índices de imunização. A Fiocruz compara a cobertura vacinal com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que vai de zero a 1 e combina indicadores de saúde, educação e expectativa de vida. Quanto maior o IDH, mais rica é a região. Segundo o levantamento, as cidades com IDH superior a 0,71 ponto têm cobertura vacinal 20 pontos maior do que a dos municípios com IDH inferior a 0,59 ponto.

Apesar de os números médios da vacinação no país parecerem positivos, inclusive em comparação com outras regiões do mundo, a desigualdade é preocupante. Em 8 de dezembro, data de coleta dos dados em que o estudo se baseia, o Brasil tinha 64,7% da sua população imunizada com duas doses. Mas apenas 890 cidades, ou 16% do total de 5,56 mil, tinham, naquele momento, vacinado mais de 80% de suas populações com duas doses -- taxa de cobertura considerada segura para evitar novos picos da pandemia.

A desigualdade na vacinação favorece o surgimento de novas variantes, como mostra a experiência da África. Esse é um dos riscos para o enfrentamento da pandemia em 2022 apontado pelo mais recente Boletim do Observatório Covid-19 de 2021, da Fiocruz, que faz um balanço da pandemia no país neste ano.

O problema é potencializado pelas deficiências na segurança de informação do Ministério da Saúde, evidenciadas pelo ataque hacker. Segundo o boletim da Fiocruz, há “vulnerabilidades e fragilidades em todo o processo, que se inicia com o preenchimento dos formulários nos estabelecimentos de saúde e municípios". Além de o país ter sempre aplicado menos testes do que o desejável, há falhas no registro de casos e óbitos que prejudicam o acompanhamento da pandemia e a avaliação dos possíveis impactos nas medidas de flexibilização.

Como se tudo isso não bastasse, há ainda a politização das medidas sanitárias. Como se observou na intimidação feita pelo presidente Bolsonaro aos funcionários da Anvisa envolvidos na aprovação da vacinação das crianças, há a desvalorização sistemática de medidas preventivas, propagação de notícias falsas e a criação de um clima de descrédito e desconfiança em relação às vacinas, que dificultam o enfrentamento da pandemia.

 

 

 

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