EDITORIAIS
O pior corporativismo
Folha de S. Paulo
Bolsonaro favorece militares e policiais,
mas sem respeitar o serviço público
Em sua carreira parlamentar, Jair Bolsonaro
foi um líder sindical de militares e policiais. Em seu mandato como presidente,
procurou intervir nas Forças Armadas e na Polícia Federal, o que ficou evidente
em atritos de motivação política indevida e em decorrentes trocas de comando
nessas instituições.
Não deixou, no Planalto, de ser
representante dos interesses dessas corporações —que, no entanto, tenta aliciar
ou subjugar.
Esse jogo entre mandonismo e militância
explica o desejo presidencial de conceder benefícios salariais para a PF
—Bolsonaro se empenhou em conseguir recursos para tanto no Orçamento de 2022,
oficialmente solicitados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Não se sustenta a leitura de que tal benesse tenha motivação eleitoral, uma vez que as categorias favorecidas somam poucos milhares de integrantes. O mandatário quer, o que é pior, a fidelidade de boa parte da tropa, por motivos entre obscuros e espúrios.
Um inquérito no Supremo Tribunal Federal
investiga se o presidente tentou intervir na PF para proteger filhos e amigos,
conforme acusação de Sergio Moro, ex-ministro da Justiça. O órgão já teve três
diretores-gerais desde 2019, além de muitas outras trocas de comando em
diretorias e superintendências.
Comandantes das Forças Armadas foram
demitidos quando acharam excessivas as exigências de submissão. Por ocasião da
reforma previdenciária, entretanto, os militares receberam gordos aumentos, o
generalato em particular.
Os favorecimentos salariais, a desordem na
política de pessoal e as intervenções indevidas na burocracia federal acabaram
por suscitar revolta ampla
no funcionalismo.
A promessa de benefícios para os policiais
federais levou centenas de chefes de
serviço da Receita Federal a entregarem seus cargos; o sindicato da
categoria convocou greve. Outras corporações preparam mais protestos.
Bolsonaro não raro toma atitudes por
capricho pessoal —alguns bizarros, como a redução de impostos sobre motos
náuticas e barcos. Sem dispor de planos, anunciou em novembro que daria
reajuste a todos os servidores, o que foi negado até pela liderança governista
no Congresso.
Costuma decretar ou alardear providências
para satisfazer apoiadores, grupos de interesse e falanges ideológicas, sem
consideração pelo interesse geral. Em vastos setores do Executivo federal,
substituiu pessoal qualificado por militantes fanáticos, amigos despreparados
ou militares cooptáveis.
Com o corporativismo sem respeito ao
serviço público, a ideia de administração racional empalidece —e os dados vão
muito além de reajustes salariais despropositados.
Cenas violadas
Folha de S. Paulo
Alteração de locais de homicídios alimenta
impunidade, em especial de policiais
A prática ilegal de alterar cenas de
crimes, deploravelmente, disseminou-se. Ela contribui para dificultar a já
escassa elucidação de casos e, sobretudo, para evitar a responsabilização da
própria polícia por mortes em suas operações.
Não são poucos os exemplos recentes.
Segundo denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro apresentada neste mês,
quatro policiais militares acrescentaram 12 cartuchos calibre 9 mm e um
carregador de fuzil à cena em que a jovem grávida Kathlen de Oliveira foi morta
em 8 de junho, no Rio, alegadamente para simular confronto.
Também neste ano, em maio, a Defensoria
Pública do Rio afirmou que foram desfeitas cenas da operação em que 28 pessoas
foram mortas na favela do Jacarezinho. Segundo relatos, algumas das vítimas
foram retiradas dos locais.
Alterações do tipo podem ser enquadradas em
diversos tipos penais, notadamente o de fraude processual —o que, conforme
estabelece o Código Penal, consiste em "inovar artificiosamente, na
pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou
de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito".
A pena é de detenção de três meses a dois
anos e multa, sendo aplicada em dobro em processo penal.
Policiais podem ainda ser enquadrados em falso testemunho, uma vez que, sem
provas materiais que advenham das cenas dos crimes, sua palavra tende a se
tornar a única verdade referendada nos autos.
Entretanto não basta que a prática seja
criminalizada pela lei, como se vê. Alteração ilegal de cenas de crime somente
é possível num país que despreza a investigação.
Estima-se que apenas 4 em cada 10 casos de
homicídio sejam esclarecidos no Brasil. No Rio, a taxa não passa de vexatórios
12%, revela pesquisa do Instituto Sou da Paz.
Outro fato preocupante no país é a presença
marcante da Polícia Civil, que deveria ter atuação investigativa, em operações
com mortes.
Percebe-se, por fim, uma rede de impunidade
permitida pelas instituições responsáveis pelo controle das polícias. Em
descumprimento de ordens do Supremo Tribunal Federal, as forças fluminenses
deixaram de comunicar ao Ministério Público quase metade das operações entre
junho e novembro de 2020, segundo estudo.
São vícios que contaminam as políticas de
segurança pública no país —e só sanáveis com vigilância permanente da sociedade
e atuação incisiva das instituições.
Apesar de tudo, a educação avançou
O Estado de S. Paulo.
A última geração fez muito para democratizar o ensino básico. A atual tem o desafio de elevá-lo à excelência
A última geração fez muito pelo ensino
básico. Desafio é elevá-lo à excelência.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais, mais de 70% dos estudantes do ensino médio não têm
conhecimento suficiente em português e matemática. No último Pisa, a principal
avaliação escolar do mundo, entre 79 países, o Brasil foi o 57.º em leitura, o
66.º em ciências e o 70.º em matemática. A educação básica no País é ruim. Mas
já foi muito pior. As conquistas desde a Constituição de 88 foram expressivas.
Em nota técnica – Fim de uma Era. Desafios para a atuação federal na Educação
Básica –, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) traçou os últimos
30 anos de evolução, insuficiências e desafios das políticas educacionais.
Em 1988, o Brasil tinha os piores
indicadores entre seus pares nas Américas. A média de anos de estudo dos
brasileiros de 25 a 65 anos era de 5,1 anos – no Chile, Paraguai e Peru eram,
respectivamente, 8,9, 8,8 e 8,2. Só 33% das crianças completavam o primário –
no Uruguai e Panamá eram 95% e 91%. Menos de 18% dos jovens cursavam o
secundário – no México e Argentina eram 83% e 95%.
Havia falta de vagas nas escolas; os
professores tinham baixa escolaridade, não recebiam formação específica e
ganhavam salários irrisórios; o financiamento era escasso e mal distribuído;
faltavam parâmetros mínimos para as redes escolares; inexistia um sistema de
avaliação; e a falta de clareza na sociedade sobre a importância da educação
era generalizada.
De lá para cá, o Brasil construiu um dos
melhores sistemas de avaliação entre os países em desenvolvimento, as
competências do governo federal, Estados e municípios foram detalhadas, a
formação e remuneração dos professores melhoraram substancialmente e os
recursos cresceram e passaram a ser fiscalizados com mais rigor. Hoje, o
financiamento por aluno é cinco vezes maior, quase todas as crianças têm acesso
a uma escola e a taxa de término do primário saltou de 33% para 80%.
Mas, apesar desses avanços quantitativos,
qualitativamente os resultados estão bem aquém do desejável. “O Brasil se
empenhou em organizar e fortalecer o ensino público”, resumem os pesquisadores
do Ipea, “e o resultado foi esse: a criança começa aprendendo em níveis
razoáveis e termina o ensino médio com uma inaptidão irrazoável.”
O desafio de uma evolução nacional passa
necessariamente pela articulação federativa. No Brasil o ensino fundamental é
primordialmente de responsabilidade dos municípios; o médio, dos Estados; e o
superior, da União. O governo federal não atua diretamente sobre os resultados
da educação básica, mas pode aprimorá-los por meio da coordenação,
financiamento e avaliação.
Em 2009, o Sistema Nacional de Educação foi
inserido na Constituição para articular a cooperação federativa com vistas ao
alcance das metas do Plano Nacional de Educação. Mas as atuais comissões
intergovernamentais ou têm caráter protocolar, como a que discute os parâmetros
do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb), ou não contam com a participação
de Estados e municípios, como o Conselho Deliberativo do FNDE. Falta uma
instância única com legitimidade para congregar não só os gestores da Educação,
mas os da Fazenda e Planejamento nos três níveis de governo.
Como resume o Ipea, uma boa articulação
federal entre coordenação, financiamento e avaliação pode estabelecer bases
curriculares flexíveis, adaptáveis às inovações pedagógicas e demandas do
mercado de trabalho; diminuir iniquidades salariais dos professores por meio de
uma complementação mais equitativa via Fundeb; construir processos formativos
direcionados às lacunas de aprendizado e aptos a mensurar as competências
desenvolvidas pelos estudantes; e estimular trocas das melhores práticas entre
municípios e Estados.
As conquistas da última geração, sobretudo
no acesso e fluxo escolares, mostram que os preceitos constitucionais sobre
educação estão no caminho certo. Mas a geração presente precisará de muito
esforço para capitalizar esses ganhos e materializar esses preceitos não só em
uma educação aberta a todos, mas de excelência para cada um.
Estratégia à custa das aflições alheias
O Estado de S. Paulo.
Bolsonaro não dará um minuto de trégua ao
País sempre que seus interesses eleitorais estiverem em jogo. Dificultar a
vacinação de crianças é cálculo
Neste fim de ano, a paz dos brasileiros,
sobretudo de milhões de mães, pais e responsáveis por menores de idade, foi
perturbada mais uma vez pelas ações do governo para dificultar a vacinação de
crianças de 5 a 11 anos contra a covid-19. Nada menos.
Desde que a Anvisa aprovou a aplicação da
vacina da Pfizer na população daquela faixa etária, no dia 16 de dezembro, o
presidente Jair Bolsonaro pôs-se a atacar não apenas a vacinação dos menores,
como também os servidores da Anvisa que, com base em estudos científicos,
tomaram a decisão de autorizar o uso do imunizante em crianças. Atiçados pelos
discursos do presidente contra essa vacinação, bolsonaristas passaram a ameaçar
esses servidores, inclusive de morte. O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu
do diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, um relatório com o teor
dessas ameaças.
Bolsonaro não dará um minuto de trégua ao
País sempre que seus interesses eleitorais estiverem em jogo. A um só tempo, o
ataque desabrido contra a vacinação de crianças em meio a uma tragédia sanitária
sem precedentes mostra que, primeiro, o presidente não tem qualquer tipo de
freio moral; e, segundo, que Bolsonaro age orientado apenas por sua estratégia
para se manter no poder, mesmo que isso implique causar ainda mais aflições aos
brasileiros.
Assim como ocorreu quando do início da
vacinação dos adultos, a campanha de Bolsonaro contra a vacinação de crianças,
a pretexto de supostamente protegê-las, faz parte da estratégia do presidente
para excitar uma base mais radical de seus apoiadores e, assim, tentar se
manter competitivo para a disputa da eleição de 2022. O ano que termina aos
sobressaltos, portanto, prenuncia o que está por vir, à medida que Bolsonaro se
depara com dificuldades em sua campanha pela reeleição.
Fingindo preocupação com a saúde das
crianças, Bolsonaro e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, têm dificultado
tanto quanto podem o início da vacinação de crianças de 5 a 11 anos no País. A
pretexto de “dividir responsabilidades”, o Ministério da Saúde criou uma
esdrúxula enquete virtual sobre a vacinação das crianças, que ademais trazia
perguntas absolutamente enviesadas. O Ministério também decidiu exigir
prescrição médica para aplicação da vacina, algo que não é feito com nenhum
outro imunizante. Obviamente, muitos Estados já anunciaram que não vão adotar a
medida.
Não têm sido poucas as vozes, inclusive no
próprio governo federal, que se erguem contra a insanidade de Bolsonaro e
Queiroga de dificultar a vacinação de crianças, a despeito de sua comprovada
segurança. Em nota técnica, a chefe da Secretaria Extraordinária de
Enfrentamento da Covid-19, Rosana Leite de Melo, contrariou o próprio chefe e
afirmou que a vacina da Pfizer é, sim, segura para crianças de 5 a 11 anos.
“Antes de recomendar a vacinação contra a covid-19 para crianças, os cientistas
realizaram testes clínicos com milhares de crianças e nenhuma preocupação séria
de segurança foi identificada”, diz trecho da nota assinada pela secretária,
que tem sido uma ilha de sensatez no Ministério da Saúde.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
também divulgou manifesto em que defende a vacinação do público infantojuvenil
como forma de reduzir o número de internações e mortes por covid-19 nesse
segmento da população. Contrariando a infame declaração de Queiroga, segundo a
qual “os óbitos de crianças estão absolutamente dentro de um patamar que não
implica em decisões emergenciais”, a SBP afirmou que as mortes de crianças e
adolescentes em decorrência do coronavírus não estão em patamares aceitáveis no
Brasil.
Que fique claro: para Bolsonaro, que não
honra a faixa presidencial, e Queiroga, que não honra o diploma de Medicina, é
irrelevante se a vacina será aplicada ou não; o que importa é criar tumulto
para se apresentarem como defensores da “liberdade” e, agora, de crianças indefesas.
Cedo ou tarde, essa impostura bolsonarista será finalmente vencida, mas, até
lá, haja paciência.
Tragédia da chuva na Bahia é alerta para
todo o Brasil
O Globo
Não se pode dizer que a enxurrada que matou
20 pessoas e deixou mais de 62 mil desalojados e desabrigados no sul da Bahia
neste fim de semana tenha pegado as autoridades de surpresa. Temporais
arrasadores no verão são tão previsíveis quanto o Natal e o Réveillon, e o fato
de ter sido a maior enxurrada em 32 anos só confirma os alertas dos
ambientalistas sobre a ocorrência de eventos climáticos extremos. Às pressas,
quase nada se pode fazer para conter a fúria das águas, mas seria possível
amenizar o drama, não fosse o populismo de políticos que fazem vista grossa a
ocupações irregulares e não cumprem a obrigação de remover os que estão em
áreas vulneráveis a deslizamentos e enchentes ou de impedir que ali se
instalem, seja em favelas ou mesmo moradias regulares.
A tragédia na Bahia poderá se repetir noutros
estados. Só o município de São Paulo tem 175 mil moradias em áreas sob perigo
iminente de deslizamento ou solapamento de margens de córregos. A maior cidade
do país está há seis anos sem Plano Municipal de Redução de Riscos. Temporais
devastadores estão na memória de toda cidade grande. É o caso das enchentes que
mataram centenas no Rio em 1966 e 1988. Com a maior frequência de eventos
climáticos extremos, elas se agravarão.
As águas que alagaram as ruas baianas só
comprovam quão criminosa é a omissão dos governantes diante das áreas mais
vulneráveis, como moradias à beira de rios que transbordam regularmente ou que
podem ser soterradas com facilidade. O Centro Nacional de Monitoramento e
Alertas de Desastres Naturais — do Ministério da Ciência e Tecnologia — e o
IBGE estimaram, para 872 municípios avaliados, que 8.270.127 pessoas e
2.471.349 domicílios estavam expostos a riscos de desastres de “origem
hidrometeorológica”. A Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, divulgada no
início de dezembro, destacou que, entre 2017 e 2018, havia em 10,3% dos
domicílios um morador que considerava viver em área sujeita a inundação e, em
2,9%, em encostas ou áreas sujeitas a deslizamento.
Segundo o IBGE, as favelas no Brasil
passaram de 6.329 a 13.151 na última década. Os municípios com ocupações
irregulares foram de 323 para 734 entre 2010 e 2019. Um levantamento do Projeto
MapBiomas divulgado em novembro confirmou o crescimento das habitações
precárias. Com base em imagens de satélite, mostrou que, de 1985 a 2020, a área
ocupada por favelas no país dobrou.
Culpar o déficit de moradias é fácil para
os governantes. Se favelas se formam porque a população de baixa renda quer
viver — não importa como — perto do local de trabalho, é consenso entre
urbanistas que o Centro das grandes cidades tem áreas ociosas que poderiam ser
transformadas em moradias. São espaços com infraestrutura disponível, exigindo
apenas adaptação.
Sem uma política habitacional eficaz, de
nada adiantará o país se chocar a cada verão com o drama dos mortos nos
temporais. Campanhas de donativos mobilizarão a população, governantes
prometerão pagar o aluguel social dos desabrigados, e prefeituras anunciarão
medidas emergenciais que, a História mostra, são meros paliativos.
Censura judicial também se torna
preocupante nos Estados Unidos
O Globo
O uso da Justiça para censurar a imprensa é
a cada dia mais preocupante. E não só no Brasil. O GLOBO, entre outros
veículos, foi alvo recente de duas decisões judiciais impedindo a publicação de
reportagens. No Brasil, tais decisões costumam cair nas instâncias superiores,
em virtude da proibição constitucional expressa à censura; mesmo assim são
usadas em tentativas de intimidar a atividade jornalística. O mesmo expediente
começa a ser aplicado até em países em que a liberdade de imprensa é um valor
consolidado, como os Estados Unidos.
Na véspera do Natal, o New York Times foi
surpreendido pela decisão de um juiz que não apenas o proíbe de publicar
documentos, mas também o obriga a destruí-los. Trata-se de ordem inédita no
sistema judicial americano, onde a liberdade de imprensa é protegida de modo
quase absoluto pela Primeira Emenda à Constituição. “A Primeira Emenda não
tolera a ideia de que o discurso possa ser censurado antecipadamente, mesmo que
possa ser punido depois [da publicação]”, escreveram Stephen Adler e Bruce
Brown, do Comitê de Repórteres pela Liberdade de Imprensa, no Washington Post,
principal concorrente do Times.
No célebre caso dos Documentos do
Pentágono, de 1971, a Suprema Corte vetou a censura prévia estabelecendo
critérios praticamente intransponíveis para autorizá-la. A exceção é admissível
apenas em situações que ponham em risco iminente a segurança nacional, como
divulgar movimentos de tropas durante uma guerra. Não se trata, obviamente, do
caso em que o juiz de Nova York Charles Wood impediu o Times de publicar
documentos da organização conservadora Project Veritas.
A Project Veritas se autoproclama uma
iniciativa jornalística, mas é investigada pela suspeita de ter furtado diários
da filha do presidente Joe Biden, pela tentativa de grampear policiais do FBI e
por usar aplicativos de paquera para se aproximar de funcionários do governo.
Em 2020, o Times noticiou seu envolvimento numa campanha de desinformação que
alegava fraudes em massa no estado de Minnesota nas eleições de 2018. A Project
Veritas processou o jornal por difamação.
Os repórteres do Times obtiveram
documentos, anteriores a esse processo, em que os advogados da organização
transmitiam recomendações sobre práticas que poderiam violar a lei, como uso de
identidades falsas ou câmeras ocultas. São esses os documentos que Woods
impediu o Times de publicar, sob a alegação de que isso violaria a comunicação
privada entre advogados e clientes num processo em que o jornal é parte
interessada.
A decisão abre um precedente absurdo, pois permitiria a qualquer atingido por uma reportagem que processasse os autores, depois incluísse as informações incômodas no processo e alegasse que são dados sigilosos. Que esse tipo de manobra sem cabimento prospere num país em que a liberdade de expressão é tida como direito sagrado só demonstra quanto ela precisa ser protegida com diligência no mundo todo.
Governo segue dificultando enfrentamento da
pandemia
Valor Econômico
A desvalorização sistemática de medidas
preventivas e a criação de um clima de descrédito e desconfiança em relação às
vacinas dificultam o enfrentamento da pandemia
Depois de ter começado 2021 lutando
bravamente com o governo para receber as vacinas contra a covid-19 que
começavam a surgir no mercado, o brasileiro jamais conseguiria imaginar que
chegaria ao fim do ano exatamente com a mesmo problema, desta vez para fazer
chegar a imunização às crianças de 5 a 11 anos.
Apesar de a covid-19 estar matando uma
criança brasileira a cada dois dias desde o início da pandemia, a “estatística
macabra”, como chamou o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, não comoveu o presidente Jair
Bolsonaro nem o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que têm lançado mão de
todo tipo de estratagemas para postergar a vacinação dessa faixa etária e gerar
insegurança e desconfiança entre os pais.
Mais preocupado em agradar a Bolsonaro para
garantir seu futuro político fora da Medicina, Queiroga chegou a dizer que o número
de crianças mortas pela covid-19 não impunha pressa. Passou por cima do fato de
a imunização das crianças já ter sido aprovada em 25 países, recomendada pela
Anvisa, que autorizou o uso do produto da Pfizer, e do aval de especialistas da
área médica, para lançar uma consulta pública a respeito da vacinação das
crianças.
Com a mesma ineficiência que o fez levar 13
dias para recolocar precariamente em funcionamento seus sistemas de informação
após um ataque hacker, o Ministério da Saúde elaborou a consulta pública sobre
a vacinação das crianças intencionalmente mal formulada e com várias falhas. O
problema de segurança mais preocupante é a ausência de barreiras para robôs.
Diante da pressão da sociedade, dos
médicos, da oposição e do Supremo Tribunal Federal (STF) é bastante provável
que a vacinação dos 20,5 milhões de crianças brasileiras acabe começando em
algum momento no início do ano, com um atraso injustificável e após uma tensão
desnecessária. Para marcar posição, o Ministério da Saúde pretende exigir
prescrição médica, o que deve prejudicar as crianças mais pobres. Até o momento
15 secretarias estaduais de saúde e a do Distrito Federal afirmaram que não vão
exigir a prescrição.
Estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
ressalta que, assim como ocorre globalmente, as regiões mais pobres do país
apresentam menores índices de imunização. A Fiocruz compara a cobertura vacinal
com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que vai de zero a 1 e combina
indicadores de saúde, educação e expectativa de vida. Quanto maior o IDH, mais
rica é a região. Segundo o levantamento, as cidades com IDH superior a 0,71
ponto têm cobertura vacinal 20 pontos maior do que a dos municípios com IDH
inferior a 0,59 ponto.
Apesar de os números médios da vacinação no
país parecerem positivos, inclusive em comparação com outras regiões do mundo,
a desigualdade é preocupante. Em 8 de dezembro, data de coleta dos dados em que
o estudo se baseia, o Brasil tinha 64,7% da sua população imunizada com duas
doses. Mas apenas 890 cidades, ou 16% do total de 5,56 mil, tinham, naquele
momento, vacinado mais de 80% de suas populações com duas doses -- taxa de
cobertura considerada segura para evitar novos picos da pandemia.
A desigualdade na vacinação favorece o
surgimento de novas variantes, como mostra a experiência da África. Esse é um
dos riscos para o enfrentamento da pandemia em 2022 apontado pelo mais recente
Boletim do Observatório Covid-19 de 2021, da Fiocruz, que faz um balanço da
pandemia no país neste ano.
O problema é potencializado pelas
deficiências na segurança de informação do Ministério da Saúde, evidenciadas
pelo ataque hacker. Segundo o boletim da Fiocruz, há “vulnerabilidades e
fragilidades em todo o processo, que se inicia com o preenchimento dos
formulários nos estabelecimentos de saúde e municípios". Além de o país
ter sempre aplicado menos testes do que o desejável, há falhas no registro de
casos e óbitos que prejudicam o acompanhamento da pandemia e a avaliação dos
possíveis impactos nas medidas de flexibilização.
Como se tudo isso não bastasse, há ainda a
politização das medidas sanitárias. Como se observou na intimidação feita pelo
presidente Bolsonaro aos funcionários da Anvisa envolvidos na aprovação da
vacinação das crianças, há a desvalorização sistemática de medidas preventivas,
propagação de notícias falsas e a criação de um clima de descrédito e
desconfiança em relação às vacinas, que dificultam o enfrentamento da pandemia.
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