O Globo
Nunca o voto útil terá tanta importância
quanto na eleição presidencial do ano que vem. Isso porque serão vários votos
úteis, à esquerda e à direita, que podem decidir a votação logo no primeiro
turno, a favor do ex-presidente Lula, ou fortalecer o presidente Bolsonaro para
que chegue ao segundo turno com mais chances. Ou mesmo substituir Bolsonaro por
um candidato da terceira via (no momento o ex-juiz Sergio Moro parece o mais
provável nesse caso).
À medida que surge, segundo as pesquisas de opinião, a possibilidade de Lula
vir a ser eleito ainda no primeiro turno, abrem-se dois caminhos. No primeiro,
o ex-presidente pode assustar os que temem sua vitória e reforçar os candidatos
alternativos. Ou os eleitores podem abandonar Moro e outros menos votados no momento
para fortalecer Bolsonaro contra Lula. Os que não querem a continuação de
Bolsonaro podem, por outro lado, decidir votar em Lula ainda no primeiro turno,
para resolver logo a eleição e evitar que o atual presidente tenha chance de
vencer no segundo.
Pode, no entanto, acontecer o contrário. Moro pode ser desidratado no decorrer
da campanha, se Bolsonaro se mostrar resiliente, mantendo a esperança de poder
enfrentar Lula no segundo turno. A situação mais desconfortável é a de Ciro
Gomes, que tem uma história ligada à esquerda e, por isso, encontra um caminho
difícil para enfrentar Lula em seu campo. Agora então, que Lula e todo o PT
prestaram solidariedade a ele e a sua família pela ação da Polícia Federal
contra eles, por suspeita de corrupção, Ciro perdeu o élan para combater Lula.
Mais difícil para Ciro será encarnar uma alternativa de terceira via pela
direita. Para vencer Lula, o ex-ministro terá de tirar votos da esquerda e
ainda ser visto pelos eleitores de centro-direita como alternativa viável para
derrotar Lula e Bolsonaro. Se, o que parece inviável hoje, Ciro chegar em
terceiro lugar na reta final, fungando no cangote de Bolsonaro, pode vir a ser
um voto útil contra Bolsonaro e Lula.
Mais fácil será Moro encarnar esse papel. Muitos eleitores que hoje apostam em
Lula, mas não são petistas, podem virar-se para Moro se ele demonstrar nas
pesquisas de opinião que tem condições de superar Bolsonaro para assumir o
papel de anti-Lula. Os eleitores de centro-direita, que continuam rejeitando o
ex-presidente Lula, podem aderir a Moro, tirando as chances de candidatos do
mesmo grupo, como o governador de São Paulo, João Doria, ou outros menos
votados.
Caso, no entanto, Doria se recupere ainda no primeiro semestre de 2022, como
acredita, ele pode se transformar no voto útil contra Bolsonaro e Moro. Além de
estar fazendo um governo muito bom em São Paulo, o que espera ver reconhecido
pelos eleitores paulistas à medida que entregar diversas obras públicas já
programadas, Doria tem uma estrutura partidária mais forte que Moro, por
enquanto.
Se o apoio do União Brasil a Moro se concretizar, essa situação muda de figura,
pois o ex-juiz terá uma condição ímpar de tempo de propaganda eleitoral e
financiamento partidário. Mas a insistência de Luciano Bivar, presidente do
novo partido, em ser vice de Moro está emperrando as negociações. Bivar não tem
o perfil ideal para uma chapa que quer representar uma novidade na política e
enfraquecerá a imagem de Moro.
A votação em São Paulo é crucial para qualquer candidato à Presidência da
República. Bolsonaro em 2018 encarnou os candidatos do PSDB nas eleições
anteriores e saiu de lá com uma margem de 10 milhões de votos sobre Fernando
Haddad, do PT. Foi a maior margem de vitória de um candidato presidencial em
São Paulo. Anteriormente, Fernando Henrique havia saído do estado com cerca de
6 milhões de votos, e Aécio Neves teve cerca de 7 milhões de diferença para
Dilma Rousseff. Desta vez, o Estado de São Paulo está mais dividido entre os
candidatos, e será difícil que algum deles saia com diferença semelhante em
2022.
Mas Lula mantém larga diferença para Bolsonaro, de 48% a 22%, segundo o último
Datafolha. O governador João Doria provavelmente melhorará sua performance no
estado que governa. Se confirmar essa vantagem, que teve em 2002 e 2006, quando
ganhou as eleições presidenciais, o ex-presidente Lula poderá consolidar sua
vitória e abrir espaço para eleger Fernando Haddad governador.
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