terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Merval Pereira: Votos (in)úteis

O Globo

Nunca o voto útil terá tanta importância quanto na eleição presidencial do ano que vem. Isso porque serão vários votos úteis, à esquerda e à direita, que podem decidir a votação logo no primeiro turno, a favor do ex-presidente Lula, ou fortalecer o presidente Bolsonaro para que chegue ao segundo turno com mais chances. Ou mesmo substituir Bolsonaro por um candidato da terceira via (no momento o ex-juiz Sergio Moro parece o mais provável nesse caso).

À medida que surge, segundo as pesquisas de opinião, a possibilidade de Lula vir a ser eleito ainda no primeiro turno, abrem-se dois caminhos. No primeiro, o ex-presidente pode assustar os que temem sua vitória e reforçar os candidatos alternativos. Ou os eleitores podem abandonar Moro e outros menos votados no momento para fortalecer Bolsonaro contra Lula. Os que não querem a continuação de Bolsonaro podem, por outro lado, decidir votar em Lula ainda no primeiro turno, para resolver logo a eleição e evitar que o atual presidente tenha chance de vencer no segundo.


Pode, no entanto, acontecer o contrário. Moro pode ser desidratado no decorrer da campanha, se Bolsonaro se mostrar resiliente, mantendo a esperança de poder enfrentar Lula no segundo turno. A situação mais desconfortável é a de Ciro Gomes, que tem uma história ligada à esquerda e, por isso, encontra um caminho difícil para enfrentar Lula em seu campo. Agora então, que Lula e todo o PT prestaram solidariedade a ele e a sua família pela ação da Polícia Federal contra eles, por suspeita de corrupção, Ciro perdeu o élan para combater Lula.

Mais difícil para Ciro será encarnar uma alternativa de terceira via pela direita. Para vencer Lula, o ex-ministro terá de tirar votos da esquerda e ainda ser visto pelos eleitores de centro-direita como alternativa viável para derrotar Lula e Bolsonaro. Se, o que parece inviável hoje, Ciro chegar em terceiro lugar na reta final, fungando no cangote de Bolsonaro, pode vir a ser um voto útil contra Bolsonaro e Lula.

Mais fácil será Moro encarnar esse papel. Muitos eleitores que hoje apostam em Lula, mas não são petistas, podem virar-se para Moro se ele demonstrar nas pesquisas de opinião que tem condições de superar Bolsonaro para assumir o papel de anti-Lula. Os eleitores de centro-direita, que continuam rejeitando o ex-presidente Lula, podem aderir a Moro, tirando as chances de candidatos do mesmo grupo, como o governador de São Paulo, João Doria, ou outros menos votados.

Caso, no entanto, Doria se recupere ainda no primeiro semestre de 2022, como acredita, ele pode se transformar no voto útil contra Bolsonaro e Moro. Além de estar fazendo um governo muito bom em São Paulo, o que espera ver reconhecido pelos eleitores paulistas à medida que entregar diversas obras públicas já programadas, Doria tem uma estrutura partidária mais forte que Moro, por enquanto.

Se o apoio do União Brasil a Moro se concretizar, essa situação muda de figura, pois o ex-juiz terá uma condição ímpar de tempo de propaganda eleitoral e financiamento partidário. Mas a insistência de Luciano Bivar, presidente do novo partido, em ser vice de Moro está emperrando as negociações. Bivar não tem o perfil ideal para uma chapa que quer representar uma novidade na política e enfraquecerá a imagem de Moro.

A votação em São Paulo é crucial para qualquer candidato à Presidência da República. Bolsonaro em 2018 encarnou os candidatos do PSDB nas eleições anteriores e saiu de lá com uma margem de 10 milhões de votos sobre Fernando Haddad, do PT. Foi a maior margem de vitória de um candidato presidencial em São Paulo. Anteriormente, Fernando Henrique havia saído do estado com cerca de 6 milhões de votos, e Aécio Neves teve cerca de 7 milhões de diferença para Dilma Rousseff. Desta vez, o Estado de São Paulo está mais dividido entre os candidatos, e será difícil que algum deles saia com diferença semelhante em 2022.

Mas Lula mantém larga diferença para Bolsonaro, de 48% a 22%, segundo o último Datafolha. O governador João Doria provavelmente melhorará sua performance no estado que governa. Se confirmar essa vantagem, que teve em 2002 e 2006, quando ganhou as eleições presidenciais, o ex-presidente Lula poderá consolidar sua vitória e abrir espaço para eleger Fernando Haddad governador.

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