Valor Econômico
Cenário macroeconômico deve permanecer
nebuloso para a maioria, com poucos sinais positivos para o país
O editor de Brasil do Valor, Marcos de Moura e Souza,
propôs um desafio ao colunista: que tal uma visão otimista para o novo ano
neste último texto de 2021, só uma, em meio à maré de pessimismo prevista em
várias frentes da economia?
Desafio aceito, o colunista transferiu a
pergunta a 14 economistas não ortodoxos, chamados ora de heterodoxos, ora de
progressistas, estruturalistas ou keynesianos. Dez responderam. A maioria deles
aparece pouco na grande mídia. Quase todos são acadêmicos e não ligados ao
mercado financeiro, mas costumam ser os mais críticos da atual política
econômica. Por isso, pareceu interessante descobrir se enxergam algo de
positivo para o ano que começa sábado.
A pergunta foi direta: Poderia fazer
previsão de uma coisa boa que deverá acontecer na economia brasileira em 2022?
José Luiz Oreiro, da UnB, crítico feroz da política econômica neoliberal,
respondeu de pronto, mas fugiu da macroeconomia. Disse que não deve haver
racionamento de energia elétrica em 2022, porque as chuvas até o fim de
novembro vieram quase 50% acima da média histórica. Isso deve levar a uma
redução da bandeira tarifária. “É a única coisa boa que consigo esperar com
algum grau de confiança. Todo o resto é chute”, disse.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda e professor da FGV, preferiu enfoque político: “A melhor coisa prevista para 2022 na área econômica é a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições”. Além disso, sugeriu que seria ótimo que os empresários brasileiros de ponta, como Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e Pedro Passos, repensassem o Brasil. Compreendessem que o neoliberalismo, dominante no mundo desde 1980, começou a morrer em 2008 e morreu com a covid-19 e o governo Joe Biden. E que a alternativa é o desenvolvimentismo com o controle fiscal e a rejeição dos déficits em conta corrente que apreciam o câmbio e inviabilizam a indústria.
André Lara Resende, ex- BNDES, declinou da
tarefa: “Já não gosto de fazer previsões, mas prever alguma coisa boa, com
tanta incompetência na economia e irresponsabilidade na política, fica
difícil”. Carmem Feijó, da UFF, também disse não conseguir antecipar nada de
bom. “Não nos recuperamos da recessão de 2015-2016 pela insistência no
receituário neoliberal, hoje anacrônico. Sem recuperação econômica, o conflito
distributivo se acirra. E ainda estamos aumentando o desmatamento, que pode
chegar a um nível irreversível. Num horizonte curto ou longo de tempo, estou
pessimista.”
Luis Carlos Magalhães, do Ipea, fez um
e-mail com quatro pontos, mas não previu nada de bom. Apenas relatou condições
adversas para sugerir que a economia brasileira “continuará em coma no ano que
vem”: pandemia, pressão inflacionária, alta de juros aqui e nos EUA, elevação
da dívida pública, deterioração fiscal e redução de exportações. “Keynes, se
ressuscitado, iria ficar estarrecido com o grau de incerteza do mundo atual”,
observou.
Fernando Ferrari, professor da UFRGS, disse
que as exportações líquidas, variável de “fôlego” do PIB, devem ser a notícia
“boa” do ano se o cenário internacional for favorável e o agronegócio não tiver
outro revés. Mas sua visão geral é pessimista, com desemprego elevado, juros
altos, incerteza política, ociosidade do capital e postergação de
investimentos. “Enquanto perdurarem a agenda de Estado mínimo, reformas
pró-mercado e o modus operandi da ‘austeridade fiscal expansionista’, é pouco
provável que saiamos da estagnação que há muito tempo nos acompanha.”
Lauro Gonzales, da FGV-SP, disse que o
provável arrefecimento da inflação pode ser um fato positivo, porque afeta
diretamente o bolso dos pobres. A inflação vai cair, segundo ele, porque serão
menores os descompassos entre oferta e demanda e a desorganização das cadeias
produtivas.
Adalmir Marquetti, da PUC-RS, bem-humorado,
observou que uma boa notícia para 2022 é “o Valor estar aberto para
economistas não ortodoxos em uma das maiores crises da história do Brasil”.
Lembrou que a economia brasileira completou quatro décadas de quase estagnação:
a taxa anual de crescimento caiu de 7,3%, entre 1950 e 1980, para 2,2% de 1980
a 2020; o poder de compra do PIB per capita real em 2021 será similar ao de
2010. Um ponto positivo de 2022, previu, é que a eleição deve promover um
debate fundamental sobre a retomada do crescimento brasileiro e possibilitar
políticas públicas que se oponham a medidas de caráter neoliberal. Além disso,
disse, devemos ter o fim da pandemia com a retomada da economia no modo usual,
havendo redução da pressão inflacionária e aumento do emprego no setor de
serviços. O pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400 também ajudará no combate à
pobreza, afirmou.
Luiz Fernando de Paula, da UFRJ, disse que
a melhor coisa que pode acontecer em 2022 é Bolsonaro perder a eleição, porque
mudará o comando econômico que tem “visão completamente ultrapassada”, sem
agenda para crescimento, estabilidade de preços e distribuição de renda.
“Acredita-se que a simples manutenção do teto dos gastos combinada com reformas
liberais vai despertar a ‘fada da confiança’, acelerando investimentos privados
e crescimento.” Ele entende que vivemos um “thatcherismo tupiniquim” que não
está entregando nada em termos econômicos. E acha “impressionante” como a elite
empresarial tem uma visão tão curtoprazista ao apoiar essa política. Porque o
resultado é desindustrialização, queda da parcela de salários na renda e
precarização no mercado de trabalho com aumento da informalidade e baixa
produtividade. “É um projeto de o Brasil se tornar uma grande fazenda, destino
trágico para o país.”
Rosa Maria Marques, da PUC-SP, jurou ter
procurado com lupa e não ter visto nenhuma perspectiva de melhora. Disse que
vão persistir os problemas de desemprego, inflação e queda da renda. E que a
recessão técnica e a alta dos juros vão inibir fortemente a atividade
produtiva, favorecendo os detentores da dívida pública. “A isso se somam as
incertezas com relação à evolução da covid-19. Embora a vacinação tenha
avançado, registra enormes desigualdades entre os Estados, o que pode favorecer
o surgimento de outras variantes e comprometer a imunização alcançada.”
Dito isso, o único consolo é que economistas, de todas as tendências, erram muito. Feliz ano novo.
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