terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Raphael Di Cunto: A vez da agenda de costumes na Câmara

Valor Econômico

Plenário focará em temas que geram comoção popular

Se em 2021 a pauta econômica foi o foco da Câmara dos Deputados, em 2022 os temas setoriais dos deputados e relacionados aos costumes ganharão mais espaço, avisa o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Dois fatores devem provocar isso: o esvaziamento da agenda econômica legislativa do governo e o redirecionamento para assuntos que chamem a atenção dos eleitores e criem “marcas” para os mandatos - porque nem só de “orçamento secreto” se faz uma reeleição.

É uma mudança de foco que também interessa ao governo. O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem pouco para mostrar na economia, com as privatizações travando, a inflação disparando e o PIB crescendo pouco. Mas fideliza sua base eleitoral e evita o crescimento da “terceira via” ao fomentar o debate em torno da pauta conservadora de costumes e outras polêmicas.

Os temas exatos a serem tratados, e a forma como sairão da Câmara, ainda dependerão de negociações com os partidos ao longo do primeiro semestre, mas Lira já definiu que a liberação dos jogos de azar e a mudança na autorização de agrotóxicos (com resistência entre ambientalistas) entrarão no plenário já na primeira semana de fevereiro, quando o Congresso volta de recesso.

Lira é um antigo defensor da legalização dos jogos de azar e já tentou emplacar a proposta no governo Dilma Rousseff (PT) quando era líder do PP. Ele projeta levar um resort turístico com cassino para a região do Xingó, entre Alagoas e Sergipe, onde há um belíssimo passeio de barco pelas águas represadas do rio São Francisco para construção de uma hidrelétrica.

A legalização é um tema debatido na Câmara desde 1991, mas que ficou restrito a comissões temáticas, lobbies nos corredores e denúncias em CPIs. Lira decidiu pautar o assunto em plenário pela primeira vez desde o governo Lula (PT), o que trouxe de volta a atenção da opinião pública e deu protagonismo tanto aos deputados do setor de turismo, favoráveis à liberação, como aos da bancada evangélica, fervorosamente contrários.

A agenda do grupo no plenário estava restrita até então a interesses das cúpulas das igrejas, como anistia a impostos atrasados e isenção de IPTU dos templos, mas a temática dos jogos aproxima o discurso dos deputados de quem de fato tem os votos - o religioso preocupado com o vício, o impacto social do jogo e tudo que isso pode trazer de dano para as famílias.

Caminho idêntico devem ter outros temas polêmicos que estão parados há bastante tempo, informou Lira aos parlamentares. Exemplos do que deve ser tratado pela Câmara são a ampliação da posse e porte de armas de fogo, a regulamentação do ensino doméstico (“homeschooling”), a lei antiterrorismo e o novo Código de Mineração.

Os evangélicos também tentam aprovar a Lei Geral das Religiões e os policiais, mudanças na Lei Orgânica da Segurança Pública. Já os militares querem atualizar o Código Penal Militar.

Mas que a direita não se engane: a autorização do plantio de maconha (cannabis sativa) para uso medicinal e industrial, com o objetivo de baratear o custo de medicamentos, também será votada - e provavelmente aprovada, estima Lira. A regulação das mídias sociais e a criminalização de estruturas para propagação de notícias falsas será outro tema a ser enfrentado antes das eleições.

Ao atender também a agenda da esquerda, com o discurso de que prometeu na campanha que não haveria assunto vetado na Câmara, Lira tenta construir um caminho para viabilizar sua reeleição para a presidência da Casa mesmo se Lula sair vitorioso no próximo ano. Hoje fiel aliado de Bolsonaro, o deputado do PP ressalta em público que votou em Ciro Gomes (PDT) em 2018, como quem já demonstra que uma composição com o petista não seria, nem de longe, inviável.

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As mudanças na legislação, recentes ou não, começam a desenhar a volta das grandes bancadas à Câmara dos Deputados, deixando de lado a gigantesca fragmentação partidária. A federação da esquerda deve isolar o PDT de Ciro Gomes e unir todos os demais, do PT ao PV, sob um mesmo líder a partir de 2023. Enquanto isso, os partidos de centro-direita esperam crescimento ou manutenção do atual tamanho com fusões, filiações e até federações.

A Câmara hoje tem 24 partidos, do Rede (com uma deputada) ao PSL (com 55). Construir maiorias num cenário desses é complexo e custoso, vide o volume recorde de dinheiro destinado a emendas parlamentares, que ocuparão mais da metade dos investimentos em 2022.

Bolsonaro precisaria de aliança com pelo menos oito partidos para ter maioria entre os 513 deputados. Ele acabou beneficiado por uma Câmara de centro-direita, mais liberal, eleita na onda anti-PT e que já apoiava as ideias de redução de direitos trabalhistas e do Estado. FHC teve a mesma simpatia dos deputados à sua pauta, mas formava maiorias com apenas três partidos (PFL, PMDB e PSDB, cada um com quase 100 parlamentares).

Lula chegou a eleger 91 petistas para a Câmara de uma vez, mas precisou negociar seu ministério com o Centrão para construir maioria numa Casa que, tradicionalmente, tem grande fatia de eleitos no empresariado. O fim das coligações e a cláusula de desempenho ameaçavam isolar o PT ao desidratar siglas como PCdoB, Psol e até PSB. A construção de uma grande federação que sirva de suporte a seu governo e ajude a eleger mais deputados de esquerda se tornou vital nos planos dele. Pela regra da federação, esses partidos todos serão uma única bancada de 2023 a 2026.

Na direita, o processo é de consolidação de bancadas maiores, com fortalecimento do PL por causa da entrada de Bolsonaro, a fusão de PSL e DEM no União Brasil e a candidatura do ex-juiz Sergio Moro pelo Podemos. Já siglas menores, como o PTB e Pros, tendem a desaparecer e seus deputados devem ser incorporados por outras legendas do Centrão em março. São movimentos que tem feito MDB, PSDB e Cidadania avaliarem mais a sério formar uma federação (embora os emedebistas aliados de Lula resistam).

 

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