O Globo
O clima que cerca a chegada de 2022 é de
ansiedade. Viradas de ano costumavam, antes da pandemia e de Bolsonaro, ser
épocas cercadas de renovação de esperanças, um relaxamento de quem quer deixar
tudo de ruim no ano que se encerra e começar o novo com tudo zerado.
Mas não é assim desta vez. 2021 foi, no
Brasil e no mundo, a parte 2 de 2020, repetindo confinamento, mortes, incerteza
quanto à recuperação da economia, agravamento das desigualdades e a confirmação
de que vivemos uma emergência climática cada vez mais presente no dia a dia. De
novo vimos ameaçados consensos civilizatórios, como direitos individuais e
coletivos e a adesão às leis, à democracia e à razão.
E se 2022 vier para constituir uma trilogia
macabra que conspurcará para sempre a terceira década do século 21? Há
componentes que fogem ao nosso controle para definir se esse cenário distópico
vai se concretizar, mas na última coluna do ano prefiro ficar no que está ao
alcance de nós, brasileiros, para que vivamos o primeiro ano do resto de
nossas, vidas, e não o terceiro do caos.
É preciso que exijamos dos governantes
atitudes racionais, baseadas em dados e evidências, que contribuam para o bem
da maior parcela da sociedade, e não de grupos de pressão ou de afinidade
ideológica.
É necessário que a democracia seja um valor inegociável para qualquer brasileiro, independentemente de sua crença político-ideloógica, porque, à medida que ela continue a ser enfraquecida, como vem sendo de forma sistemática e deliberada pelo presidente e seus apoiadores, nenhum governo, seja de direita, de esquerda ou de centro, terá tranquilidade e segurança jurídica e institucional para administrar o país.
Por defesa incondicional da democracia se
compreende o respeito ao resultado das eleições que ocorrerão em outubro, vença
quem vencer. A compreensão madura de que ciclos políticos vêm e vão porque
contêm em si os elementos de confirmação ou de repulsa ao que produzem, e isso
é o cerne e a maior beleza dos regimes democráticos.
Para que esse entendimento seja genuíno, e
não um discurso que varia a depender das pesquisas de popularidade de governos
e políticos, é necessário que haja um comprometimento com a independência dos
Poderes e do Ministério Público e com a existência de uma imprensa que não
serve para legitimar esta ou aquela narrativa, mas para cobrar duramente quem
está no poder.
A superação do ciclo que se agravou em 20 e
22, mas que começou bem antes a nos condenar a crises sucessivas, concomitantes
e sistêmicas depende de que vencedores e vencidos de ontem e hoje deixem de
infantilmente exigir capitulação daqueles que enxergam como inimigos e passem a
construir um futuro de superação do flagelo que atualmente se abate sobre o
Brasil.
Não está escrito em nenhum livro místico
que países serão capazes de sobreviver por mais que governos sejam ineptos,
neguem a Ciência, ajam contra a vida e os mais desassistidos, defendam o
arbítrio e o uso da violência como forma de persuasão coletiva ou dizimem as
bases do amanhã em busca de confirmação de viés ideológico ou de benesses a
grupos cujos interesses são obscuros e contrários ao bem comum.
É essa a realidade do Brasil hoje, a
síntese do que é o bolsonarismo enquanto governo. Esses vetores independem de o
governo ser de direita, ou conservador, ou como se queira chamar. Eles derivam
de uma profunda incapacidade do atual mandatário para a missão de governar um
país. Para que 2022 devolva o Brasil aos trilhos é preciso mudar este rumo. A
forma com que isso será feito caberá à maioria decidir. É hora de construir
essa saída.
*
Entro em férias a partir de amanhã. A
coluna volta a ser publicada em 26 de janeiro. Desejo a todos os leitores e a
suas famílias um 2022 maravilhoso, e ao país, o que vai acima.
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