domingo, 6 de fevereiro de 2022

Alvaro Gribel: O debate errado dos combustíveis

O Globo

Bolsonaro e o Congresso querem subsídios, Lula fala em acabar com a paridade internacional. Outros candidatos dizem que a solução é a privatização da Petrobras.

A disparada dos preços dos combustíveis tem levado o país a um debate sem sentido. Bolsonaro e o Congresso querem subsídio a qualquer preço. Lula, que lidera as pesquisas, fala em acabar com a paridade internacional. Outros candidatos dizem que a solução é a privatização da Petrobras. De um jeito ou de outro, as propostas terão pouco ou nenhum efeito, avalia o engenheiro David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANP. Para ele, o Brasil deveria estar empenhado em melhorar a qualidade do transporte público, com investimentos pesados em infraestrutura e logística que reduzam custos e melhorem a qualidade de vida da população. Subsídios, só se forem cirúrgicos, destinados a quem mais precisa.

— Existe um fetiche nacional pelo preço dos combustíveis. Mas a gasolina e o diesel são commodities, assim como a carne, o trigo, a soja. As pessoas estão comprando osso e passando fome no Brasil, e vamos gastar bilhões de reais para subsidiar a gasolina de quem tem carro? — questiona.

Zylbersztajn avalia que nenhuma das propostas ventiladas até agora, seja no governo, no Congresso ou por candidatos da oposição, terão efeitos duradouros. A conta dos subsídios é impagável e pode apenas atender a interesses eleitorais de Bolsonaro e de políticos do centrão. Nenhum governo conseguirá gastar de R$ 50 bi a R$ 100 bilhões por ano sem desequilibrar suas contas. Lula fala em acabar com a paridade internacional de preços, o que na prática significa minar o caixa da Petrobras. Haverá fuga de acionistas, redução de investimentos, aumento de dívida e, em última instância, a necessidade de a empresa ser socorrida pelo Tesouro.

— Alguém vai ter que pagar a conta e acho que, quando perceberem o volume de dinheiro que será gasto, para a pouca redução nas bombas, as pessoas vão acordar. Temer gastou mais de R$ 10 bilhões para subsidiar o diesel após a greve dos caminhoneiros. Esse dinheiro literalmente virou fumaça — afirma Zylbersztajn.

Morador do Rio, o ex-diretor da ANP se diz especialmente tocado pelo aumento da pobreza e da população de rua nas grandes cidades. Por isso, está convicto de que o país tem outras prioridades e defende que qualquer tipo de subsídio aconteça de forma localizada, com ênfase no transporte público, e não de forma linear, que beneficie também os mais ricos.

— Se for para subsidiar, que seja o vale-transporte da baixa renda, por exemplo. Tem gente andando a pé até o trabalho porque não tem dinheiro para passagem. É ele que precisa de ajuda da sociedade — diz.

Enquanto o mundo discute formas de reduzir as emissões de carbono, o Brasil continua sem planos efetivos de infraestrutura e políticos de todos os campos ideológicos pensam em formas de baratear os combustíveis fósseis.

Sem autossuficiência

O setor de combustíveis acumulou déficit de US$ 125 bilhões na balança comercial nos últimos 25 anos. Essa é a diferença entre o que o Brasil exportou e importou de derivados de petróleo, entre 1997 e 2021, desde o início da série histórica. No ano passado, foram US$ 6,1 bi no vermelho, resultado US$ 7,2 bilhões de exportação e US$ 13,4 bilhões de importação. Os dados mostram que o Brasil nunca foi autossuficiente na produção de combustíveis e a estratégia de construir refinarias só dará certo se o país seguir os preços internacionais. Do contrário, ninguém terá interesse em produzir derivados para vender no país a um preço mais baixo.

 

Contraste no emprego

Dados de desemprego que saíram nos EUA e na zona do euro mostram o contraste em relação ao Brasil. Se por aqui a taxa de desemprego permanece em dois dígitos, na casa dos 12%, na Europa, caiu a 7%, o menor número da série, e nos EUA se manteve em 4%. A melhora do mercado de trabalho é um dos motivos para o Fed e o BCE pensarem em subir juros porque já há pressões sobre os salários. Por aqui, o BC elevou a Selic a 10,75%, mesmo com a queda na renda.

 

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