Correio Braziliense / Estado de Minas
Número de
candidatos, fusões e federações facilitam a concentração de recursos nos atuais
mandatários, desequilibrando a disputa e obstruindo a renovação política dentro
e entre os partidos
Comecemos pelos conceitos. Segundo Max
Weber, partidos políticos são associações que visam determinado fim, seja a
realização de um plano objetivo com intuitos materiais ou ideais, seja um
projeto pessoal, “destinado a obter benefícios, poder e, consequentemente,
glória para os chefes e sequazes”, ou então tudo isso junto. Os “partidos de
notáveis” surgem na Europa e nos Estados Unidos na primeira metade do século
XIX, inicialmente na Inglaterra, que tem o parlamento mais antigo, com o Reform
Act de 1832; e os “partidos de organização de massa”, do final do século XIX,
com os partidos socialistas da Alemanha (1875), Itália (1892), Inglaterra
(1900) e França (1905). Após a Segunda Guerra Mundial, com a ampliação da
democracia representativa e os novos meios de comunicação de massa, ambos os
modelos passam a ter características de partidos eleitorais de massa, mais
preocupados em ampliar sua influência do que representar as ideias e/ou os
setores dos quais se originaram.
Com o surgimento da internet e a formação de redes sociais, na chamada sociedade pós-moderna, tudo isso foi posto em xeque, provocando uma reação das instituições da democracia representativa e dos próprios partidos. A eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, de certa forma, foi um marco dessa capacidade de assimilação dos partidos. Outro, no sentido contrário, a fragmentação partidária na Europa. Entretanto, não existe democracia representativa sem partidos políticos. Mesmo os movimentos antissistema que surgiram com a crise da democracia representativa acabam convergindo para o sistema partidário, em razão das disputas eleitorais.
Aqui no Brasil, no Império, os partidos
foram grandes protagonistas da construção do Estado moderno e da integridade
territorial; entretanto, são responsáveis também pela forte herança escravocrata
e a formação de oligarquias na República Velha. Mesmo depois da Revolução de
1930, muita coisa mudou na política para continuar como antes. A partir da
Constituição de 1988, as oligarquias encontraram um novo caminho de
sobrevivência na proliferação de partidos, decorrente da existência do fundo
partidário com recursos públicos. Entretanto, o modelo de financiamento das
campanhas eleitorais continuava sendo o secular “caixa dois”, com origem no
superfaturamento de obras e serviços, no desvio de recursos públicos e na
distribuição de propina em larga escala, que desvirtuaram as “doações
eleitorais”.
Partidocracia
A casa caiu com o escândalo da Petrobras e
a Operação Lava-Jato. A jornalista Malu Gaspar, no livro A organização, a
Odebrecht e o esquema de corrução que chocou o mundo (Companhia das Letras),
desnuda o grau de sofisticação e amplitude da corrupção na nossa política. Na
sociedade, a reação a isso se deu a partir das manifestações populares de 2013,
com a emergência de movimentos cívicos e narrativas antissistema, que
resultaram no impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2017, e na eleição
do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, um tsunami eleitoral, que gerou o
desgoverno atual e um Congresso piorado.
Com a captura da Mesa da Câmara e, depois,
do Orçamento da União pelo Centrão, PP, PL e Republicanos, principalmente,
passaram a ser o eixo de sustentação do governo Bolsonaro no Congresso. Para se
perpetuar os atuais mandatos, surgiram as bilionárias “emendas de relator”,
também chamadas de “orçamento secreto” (no ano passado, foram R$ 16,9 bilhões;
neste ano, serão R$ 16,2 bilhões em emendas), fora as emendas individuais (R$
10,5 bilhões) e de bancada (R$ 5,7 bilhões). E, também, aumentaram o fundo
eleitoral para R$ 5,7 bilhões, distribuídos de acordo com representação na
Câmara. A redução drástica do número de candidatos e a possibilidade de fusões
e formação de federações partidárias facilitam a concentração desses recursos
nos atuais mandatários, desequilibrando a disputa eleitoral e obstruindo a
renovação política dentro e entre os partidos. Até as pré-candidaturas à
Presidência são desestimuladas e esvaziadas para concentrar recursos.
Controladores das legendas e bancadas
federais promovem uma espécie de corrida do ouro, num jogo de cartas marcadas.
O ex-deputado Miro Teixeira, estudioso do sistema eleitoral, está horrorizado
com o volume de recursos utilizados no “mercado” de formação de nominatas.
“Nunca houve tanta promessa de dinheiro para os candidatos”. Surge uma
“partidocracia”, formada por chefes políticos e parlamentares que querem
monopolizar o poder político e a participação na vida política organizada da
sociedade. É uma contradição com a existência das redes sociais e a capacidade
de organização da sociedade de forma autônoma e virtual. Para isso, seria
preciso também monitorar, controlar, manipular e centralizar a relação dos
partidos nessas redes. Em síntese, a “partidocracia” promove o aggiornamento
das oligarquias tradicionais. Os exemplos estão em quase todos os nossos partidos,
basta procurá-los em Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre.
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