Blog do Noblat / Metrópoles
O brutal assassinato do jovem congolês
Moïse Kabamgabe na Barra da Tijuca é sinal de nossos tempos
Primeiro, ao lembrar que, apesar de nossa
crise, o Brasil ainda atrai milhares de pessoas que vivem em países com mais
pobreza e menos esperança no futuro. Todos os dias recebemos imigrantes
sobretudo da Venezuela e diversos países da África. O congolês Moïse Kabamgabe
veio para o Brasil fugindo de guerras e pobreza em seu país, com situação ainda
pior do que a brasileira.
Segundo, este assassinato é sinal do
tamanho da pobreza brasileira, ao constatarmos que ele cobrava dívida de
salário duzentos reais não pagos por dois dias de trabalho.
Terceiro, sinal da violência e da impunidade que levam pessoas jovens a participar do assassinato de um trabalhador, da mesma forma como se fazia nos tempos da escravidão. Em pleno século XXI, Moíse morreu no pelourinho que caracterizou quatro séculos de nossa história, que ainda não se livrou da escravidão, apesar de mais de cem anos depois da Abolição. A violência é um estudo geral da sociedade brasileira, desde seu início. Moïses é uma das milhões de vítimas que todos os dias sucumbem por algum tipo de arma, muitas delas invisíveis, por serem abstratas, sou por serem tão naturais que não são percebíveis.
Não é por acaso que um quarto sinal é a
indicação do racismo por trás do assassinato. Dificilmente ele aconteceria se
fosse um trabalhador branco. Além disto, é sinal de que o mundo inteiro
atravessa um tempo de xenofobia: os brasileiros pobres são maltratados no
exterior e o Brasil maltrata os pobres que vieram do exterior.
Um sexto sinal é a característica do
trabalho servil, que se mantém quase 150 anos depois da Lei Áurea: milhares de
trabalhadores não mais escravos servindo às classes médias e altas, não mais
donos dos escravos, mas beneficiados por baixíssima remuneração e trabalho
precário.
O assassinato de Moïses é também sinal da
insensibilidade das classes médias e altas que se chocam com a notícia e
sobretudo com as asquerosas imagens do linchamento, mas toleram a desigualdade,
a exclusão, a pobreza que assassina devagar a cada minuto. Não se choca com as
milhões de crianças jogadas, todos os dias, ao mar da desescola, apenas porque
são pobres.
Moïse é sinal destes tempos, no mundo e no
Brasil.
Mas, entre tantos sinais de perversão de
nossa sociedade, Moïses trás sum sinal de esperança diante da indignação que
sua morte provocou na imprensa, na sociedade e na polícia, que rapidamente
identificou e prendeu os suspeitos. Esperemos que a morte de Moïse desperte o
Brasil para perceber a maldade que nos caracteriza e nos provoque a buscar a
paz social de que tanto carecemos.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
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