O Globo / Folha de S. Paulo
Outro dia, antes do início da guerra na
Ucrânia, o jornalista americano Thomas Friedman escreveu que o melhor lugar
para se acompanhar a crise é tentando entrar “na cabeça de Vladimir Putin”.
Diversas pessoas já tentaram mapear essa
cabeça, da alemã Angela Merkel à ex-secretária de Estado americana Madeleine
Albright. O presidente russo é frio como cobra.
Em dezembro de 1989 ele estava na sede da
KGB, em Dresden, na falecida Alemanha Oriental, quando uma multidão se
aproximou da casa. Ele foi para o portão, disse que era um intérprete e
recomendou que fossem embora, do contrário seus compatriotas atirariam. Deu
certo, mas não havia atiradores.
Dois anos depois a Alemanha Oriental se acabara, a União Soviética derretera e a Rússia perdera cerca da metade de seu Produto Interno. Putin havia voltado para São Petersburgo e trabalhava com o prefeito da cidade. Para fechar o orçamento familiar, fazia bicos como motorista. Lembrando essa época numa entrevista, foi breve: “É desagradável falar sobre isso, mas infelizmente foi o caso”.
Esse anônimo burocrata, que viu o fim do
império soviético e a exaustão do Estado russo, governa o país há 22 anos com
mão de ferro. Fortaleceu a economia e reequipou suas Forças Armadas. (Em 1991 o
quartel do regimento Preobrazhensky, criado no século XVIII e provado em todas
as guerras russas, estava aos pandarecos. No dia de hoje, há 105 anos, os
amotinados do regimento aderiram à Revolução Democrática de Fevereiro. Dias
depois o czar Nicolau II abdicou.)
Vendo-se a figura de Putin nos salões da
Rússia imperial, vale a pena lembrar que Vladimir já teve que trabalhar como
chofer para fechar as contas.
Mourão e 1938
A referência do vice-presidente Hamilton
Mourão ao xadrez diplomático de 1938, quando o primeiro-ministro inglês Neville
Chamberlain e muita gente do andar de cima inglês defendiam uma política de
“apaziguamento” com Hitler, ecoa um livro que saiu em 2019 nos Estados Unidos.
Chama-se “Appeasement” (“Apaziguamento”), do historiador inglês Tim Bouverie.
Magnificamente pesquisado, ele mostra friamente como e porque Chamberlain
construiu a política que o levou a Munique, onde entregou parte da
Tchecoslováquia aos alemães. Tinha o apoio da cúpula militar e dos principais
jornais ingleses.
Faltava-lhe a simpatia de um leão: Winston
Churchill. Ele assumiria o cargo de primeiro-ministro em 1940.
Com o tempo, a conta do apaziguamento foi
toda para Chamberlain. Bouverie mostra que não foi bem assim. Em julho de 1938,
Lord Halifax, ilustre conservador e ministro das Relações Exteriores, disse a
um ajudante de ordens de Hitler que gostaria de ver o Führer em Londres, sendo
aplaudido ao lado do rei George VI. Em setembro, Chamberlain foi a Munique e
acertou-se com Hitler.
Dias depois a tropa alemã ocupou parte da
Tchecoslováquia e em março de 1939 tomou o resto.
Problemas para amanhã
Na melhor das hipóteses, a invasão da
Ucrânia criou dois problemas para amanhã. Cada um para um lado da questão:
Putin deverá lidar com o movimento de
resistência dos nacionalistas ucranianos.
Os países europeus deverão lidar com
centenas de milhares, senão milhões, de refugiados em busca de fronteiras que
estiverem abertas para recebê-los.
Aqui canta o sabiá
O presidente Joe Biden ameaça transformar
Putin num “pária”.
Na terra das palmeiras, onde canta o sabiá,
o chanceler Ernesto Araújo orgulhava-se dessa condição.
Prazo de validade
De quem já viu de tudo:
Putin tem no máximo uma semana para se
livrar do peso de suas operações militares e iniciar conversações diplomáticas,
mesmo que as conduza em segredo.
Em 1962, a crise dos mísseis soviéticos
instalados em Cuba começou no dia 22 de outubro com o presidente americano John
Kennedy anunciando o bloqueio naval de Cuba.
O mundo passou dias à beira de uma guerra e
parte da liderança soviética deixou Moscou.
No dia 27, o embaixador soviético Anatoly
Dobrynin encontrou-se com Robert Kennedy, irmão do presidente. O diplomata
ofereceu a retirada dos mísseis e pediu que os americanos tirassem seus
foguetes da Turquia (eram 15). Fecharam negócio, mas o lado turco do acerto
deveria ficar em segredo, pois o país era membro da Otan.
No dia seguinte Moscou anunciou a retirada
dos mísseis.
Shannon disse tudo
Thomas Shannon, ex-embaixador americano no
Brasil e ex-subsecretário de Estado, disse tudo na sua entrevista à repórter
Janaína Figueiredo:
— Ainda não vejo uma terceira guerra
mundial. Mas teremos enormes tensões de segurança na Europa. Os EUA e a Otan tomaram
a decisão certa de não transformar a Ucrânia num campo de batalha. Mas a Otan
deverá repensar seus propósitos, e a União Europeia também. O que estamos vendo
deve lembrar que a Rússia não pode ser esquecida e que ainda tem um poder
global significativo. Isso deve ser entendido.
Em 1965 ele estava perto do olho do furacão
quando o presidente Lyndon Johnson ordenou a invasão da República Dominicana. O
Brasil apoiou a iniciativa e mandou tropas para lá. Ao final, a intervenção foi
bem-sucedida.
Inexplicável
Está numa das gavetas de Rodrigo Pacheco,
presidente do Senado, o ato de posse do Conselho de Comunicação Social do
Congresso Nacional, eleito há dois anos.
Entre as suas atribuições, está a de
realizar estudos, pareceres e outras solicitações encaminhadas pelos
parlamentares sobre liberdade de expressão, monopólio e oligopólio dos meios de
comunicação e sobre a programação das emissoras de rádio e TV.
Seus 13 integrantes foram eleitos em março
de 2020, veio a pandemia e foi suspenso o trabalho das comissões do Congresso.
Num ano de campanha eleitoral, com a
inevitável disseminação de mentiras, o funcionamento dessa comissão teria
alguma utilidade, até porque seu congelamento é inexplicável.
Risco evangélico
Se o senador Rodrigo Pacheco acelerar a
tramitação do projeto que legaliza a jogatina, aprovado na Câmara, e se o
presidente Bolsonaro vier a sancioná-lo, vai-se embora um pedaço de sua base
eleitoral evangélica.
Ele já prometeu vetar a iniciativa, mas
tanto Bolsonaro como o ministro Paulo Guedes já flertaram com a ideia da
jogatina em cassinos apelidando-os de resorts.
Planos de saúde no STJ
As operadoras de planos de saúde cuidam tão
pouco de suas próprias imagens que podem ser acusadas de tudo e serão
carimbadas como culpadas.
Está em curso no Superior Tribunal de
Justiça um julgamento que trata da obrigatoriedade de cobertura para
tratamentos que não estão arrolados pela Agência Nacional de Saúde. Por
exemplo, um tratamento para crianças autistas.
Nada a ver. O caso dos autistas não está em
questão e, quando estiver, terá caducado.
Ademais, o que o tribunal está decidindo é
a obrigatoriedade da cobertura para tratamentos cientificamente comprovados. Se
não há a eficácia científica (como é o caso da cloroquina, que alguns planos
empurravam nos pacientes) não pode haver obrigatoriedade. E está decidindo a favor
da clientela.
O julgamento foi suspenso por um pedido de
vista. Até lá, o melhor a se fazer é brigar para que a lista da ANS reflita o
progresso da ciência.
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