O Globo
O carnaval começou mais cedo para a turma
da jogatina. Na madrugada de quinta, a Câmara aprovou um projeto que legaliza
cassinos, bingos e caça-níqueis. A folia também incluiu o jogo do bicho, cujos
chefes passaram a se aliar às milícias.
A operação foi pilotada por Arthur Lira.
Ele desengavetou um texto apresentado há 31 anos e comandou sua aprovação em
apenas três horas. O deputado defendeu a proposta com um argumento que poderia
ser usado em favor da liberação das drogas: “Todos nós sabemos que isso existe.
Mas tem que existir na clandestinidade?”.
Estudos da Polícia Federal, da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da República mostram que a questão não é tão simples. Bingos e cassinos são instrumentos poderosos para a lavagem de dinheiro do crime organizado. “Seria pueril imaginar que a legalização vai acabar com a corrupção”, alertou a PGR em 2016.
A nota técnica sustentou que a liberação
pode facilitar a lavagem de dinheiro do crime organizado. E acrescentou que o
setor continuará sob o domínio das quadrilhas que hoje operam na
clandestinidade. “O jogo não será uma atividade econômica aberta a novos
empreendedores. Ele já tem dono”, concluiu.
O lobby da jogatina alega que a proposta
arrecadará bilhões para os cofres públicos. Chutes à parte, a tese tem dois
problemas. Grande parte do que será deixado na roleta seria gasta no comércio e
em outras atividades que já recolhem impostos. E a bancada do jogo não
manifesta o mesmo interesse em aprovar a taxação de grandes fortunas ou a
tributação de dividendos.
O governo fez jogo duplo para ajudar Lira
com o rolo compressor. O presidente Jair Bolsonaro prometeu aos evangélicos que
vetaria o texto, mas seus aliados votaram em peso pela aprovação. Flávio
Bolsonaro, o primeiro-filho, nunca escondeu a simpatia pela jogatina. Em 2020,
comandou uma excursão a Las Vegas, com passagens pagas pelo Senado, para
confraternizar com donos de cassinos.
O capitão cultiva o sonho de criar uma
“Cancún brasileira” na região de Angra dos Reis. O plano inclui a extinção da Estação
Ecológica de Tamoios, onde Bolsonaro já foi multado por pesca ilegal. Após se
eleger presidente, ele conseguiu anular a autuação e mandou o Ibama exonerar o
fiscal que o flagrou.
Parlamentares que acompanharam as
negociações dizem que a construção de resorts pode encantar o presidente, mas
não é o maior objetivo do Centrão. O bloco está mais interessado em facilitar a
vida dos bicheiros, que sempre financiaram campanhas por baixo do pano.
Na noite da votação, a bancada evangélica
tentou apelar a um último argumento: os riscos à saúde mental dos idosos, que
costumam ser as presas mais fáceis do vício no jogo. O problema é real, mas não
deve sensibilizar o capitão e seus conselheiros. Na célebre reunião de abril de
2020, o ministro Paulo Guedes debochou da preocupação com os velhinhos: “Deixa
cada um se f... do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado
e bilionário. Deixa cada um se f..., pô!”.
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