Folha de S. Paulo
Canhões são uma metáfora, mas não muito
longe da realidade. Quem vai sair da frente para o outro atirar?
A familiaridade com que discutimos se haverá ou não um golpe no Brasil, antes, durante ou depois das eleições, é quase inédita. Em 1964, deu-se um golpe sob o pretexto de que o outro lado —o governo— estava preparando o seu, embora, como se constatou, ele não tivesse nenhuma condição para isso. Os vitoriosos não precisaram disparar um tiro. Agora, não. A ameaça vem de quem não apenas detém o comando efetivo da força como está há anos atiçando e munindo uma força paralela para agir a seu favor.
Munir é sinônimo de municiar, prover
munição, armar. É ao que assistimos todos os dias com as medidas de Jair Bolsonaro para facilitar a vida de quem queira
ter em casa armamento pesado. O pretexto é o de que são caçadores ou
colecionadores. Mas, no primeiro caso, pelo calibre e quantidade de armas que
possuem, são capazes de matar um elefante a quinhentos metros ou derrubar um
helicóptero que se atreva a sobrevoá-los. Se são colecionadores, como se
explica que tenham dezenas de exemplares de um mesmo tipo de arma, e de um tipo
recém-saído da fábrica, sem valor de coleção, mas bem cotado no mercado
clandestino?
Tudo isso se sabe. Sai nos jornais, dá na
televisão, discute-se no botequim, com uma naturalidade só reservada ao
noticiário esportivo ou de variedades. Sob Bolsonaro, o brasileiro pode não ter
saúde, escola ou emprego, mas conta com notável poder de fogo. Já é um dos
países com o maior número de civis engatilhados no mundo. E ninguém duvida de
que tal equipamento se destina a fuzilar as instituições.
A depender de Bolsonaro, haverá uma hora em que, depois de
contar os votos, se terá de contar canhões. Canhões são uma metáfora, mas não
muito longe da realidade. Os que legalmente têm direito a eles —as Forças
Armadas— precisarão sair da frente para que os milicianos disparem? Ou irão
atuar em conjunto?
Ou, depois de ler a Constituição, elas
cumprirão seu papel?
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