O Globo
O ultraje e a infâmia que o mundo tem
visto, com tropas russas na Ucrânia, trouxeram a sensação de que o presente
havia sido tragado pelo passado, para as cenas de horror como a dos tanques
soviéticos ocupando Praga, em 1968, ou o tempo ainda mais primitivo das guerras
medievais de conquistas de território. O que aconteceu tem efeitos concretos
para o mundo e para o Brasil, na política e na economia. O péssimo governo
brasileiro se refletiu no vexame de uma diplomacia que levou dois dias para
acertar o tom.
No curto prazo, a crise criada pela Rússia piora muito a conjuntura, segundo o economista José Roberto Mendonça de Barros. A guerra vai elevar os custos de vários produtos. De fertilizantes a combustíveis, de trigo a alumínio. E se a Ucrânia não puder plantar a próxima safra, que se inicia ao fim do degelo? Se o país estiver desorganizado, pela guerra imerecida e indesejada, cairá a oferta de milho e trigo. A Rússia sob sanções também terá mais dificuldades de vender seu trigo. Bielorrússia, de onde partiram os ataques a Kiev, é fornecedora de fertilizante, como Rússia e Ucrânia. Não haverá boa safra sem os três países.
— No curto prazo o estrago é gigantesco.
Primeiro porque o conflito ocorre quando ainda não se chegou ao fim da
pandemia. As cadeias produtivas globais já estavam desorganizadas e agora devem
piorar. Os preços de todas as commodities subirão: grãos, metais, petróleo e
gás. Isso será uma pressão significativa na inflação que já estava alta.
Teremos menos comércio e menos PIB no mundo — resume José Roberto.
Arminio Fraga também alerta para a
fragilidade do momento.
— Isso tudo está pegando o mercado
financeiro meio numa bolha. A bolha do dinheiro de graça. Essa conjuntura
estava começando a mudar. O mercado está numa fase de transição perigosa.
Existia uma anestesia diante da ideia de que os juros ficariam baixos para
sempre, e o mundo se alavancou muito — diz Fraga.
Na pandemia, a demanda de alimentos aumentou pelas transferências de renda para
as famílias. Isso diminuiu os estoques. As sanções à Rússia vão afetar parte da
oferta. Grandes países produtores têm tido problemas.
— A estiagem afetou a produção de soja no
Paraguai, Argentina e Sul do Brasil. A seca foi muito mais forte do que o
previsto e pelo menos 10% da safra brasileira foi perdida. Isso significa que a
safra no Hemisfério Norte, que vai ser plantada agora, não pode dar errado —
diz José Roberto.
O preço do trigo será certamente afetado. O
Brasil consome 11 milhões de toneladas e só produz metade disso. Mesmo nas
commodities que o Brasil exporta, a pressão de preços encontrará uma inflação
já elevada. O mundo está com inflação alta, e a nossa é mais alta ainda.
André Travassos, sócio da Lampert
Advogados, e que tem empresas de fertilizantes entre os clientes, explicou ao
jornalista Álvaro Gribel que o setor acompanha a guerra com o cabelo em pé.
— Nós somos totalmente dependentes de
importação, produzimos muito pouco, muito aquém do que a gente precisa, e somos
grandes produtores do agronegócio. Para se ter ideia, importamos 80% dos
fertilizantes usados na produção agrícola. Nos fertilizantes com potássio, a
dependência chega a quase 96%. Da Rússia vem quase 30%. E o agronegócio é o
carro-chefe da nossa balança comercial.
Escrevi aqui sobre os erros da expansão da
OTAN, mas nada do que acontece é aceitável. O que ficou claro é que Putin
preparou friamente esse ataque à soberania da Ucrânia, sabendo que há pouco que
o Ocidente possa fazer. Arminio acha que é possível — apesar das dificuldades
operacionais — desligar a Rússia do sistema Swift de pagamento. E, de certa
forma, Putin se preparou para esse isolamento, melhorando os indicadores
macroeconômicos e neutralizando, em parte, as sanções financeiras.
— O comércio Rússia-China há oito anos era
90% em dólar e agora é apenas um terço — diz Arminio.
A diplomacia brasileira ficou dois dias sem
condenar a invasão, posição imposta por Jair Bolsonaro ao Itamaraty e que, se
fosse mantida, colocaria o país de costas para o Direito Internacional e para a
Carta da ONU. Os problemas se espalham na política internacional e na economia.
O momento continua sendo de extremo perigo.
As horas de dramática resistência dos ucranianos na Batalha de Kiev tornavam
real a letra do hino nacional. “A Ucrânia ainda não morreu, nem a glória, nem a
liberdade.”
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