O Estado de S. Paulo.
Os problemas que têm dificultado a retomada do crescimento e a criação de empregos configuram um quadro de riscos crescentes
Como se não bastassem a pandemia, a crise
econômica e uma eleição presidencial que se afigura problemática, estamos há um
mês vivendo a agonia de uma guerra alucinada, decorrente da agressão da Rússia
à Ucrânia.
A pandemia, em particular, teve o efeito de
entorpecer nossa sociedade, e nem poderia ser diferente, em razão do caráter
altamente transmissível da covid-19. Penso que a guerra acabará causando um
efeito semelhante, quiçá pior, por seu impacto na economia mundial e, queira
Deus que não, pela ampliação da beligerância. Mas o destino não nos concede a
opção de ficarmos sentados chorando. Temos de sair do marasmo e pensar em nosso
país, em nosso futuro, externando nossas preocupações e mobilizando a sociedade
para o debate.
Esta semana a Academia Paulista de Letras divulgou um alerta oportuno e necessário, pondo em relevo as debilidades que há muitos anos se vêm acumulando. Intitulado Brasil, País Vulnerável, o documento destaca com veemência as vulnerabilidades de nosso país em diversas áreas estratégicas. Tal manifestação tem a chancela da instituição, contando, pois, com o consenso de todos os acadêmicos. Não farei, aqui, um comentário rente ao texto, mas à margem dele, ressaltando alguns pontos sobre os quais tenho me manifestado individualmente.
Os problemas que já vêm dificultando a
retomada do crescimento econômico e a criação de empregos, e outros que poderão
se agravar em razão da guerra, indiscutivelmente configuram um quadro de riscos
crescentes, tornado mais preocupante pela virtual ausência de uma visão de
médio e de longo prazos no debate público. Peço desculpas aos leitores por
martelar uma tecla que já abordei em artigos anteriores, mas, realmente,
causa-me espanto a indiferença generalizada em relação ao fato de sermos um
país aprisionado no que os economistas denominam “armadilha do baixo
crescimento”. Essa expressão designa um grupo de países, dos quais o Brasil é
um exemplo chocante, que conseguem superar até com certa facilidade a primeira
etapa do crescimento econômico, basicamente incorporando num nível algo mais
produtivo uma vasta mão de obra cuja produtividade era até então pateticamente
baixa. Nessa fase, as tecnologias necessárias são medíocres, portanto
compatíveis com o quase analfabetismo que caracterizava o referido contingente
de mão de obra. O problema é como prosseguir, assimilando tecnologias mais
difíceis de serem adquiridas e operadas, elevando o nível médio de educação e,
ao mesmo tempo, a oferta de empregos, uma vez que, sem esta, aquele não é uma
solução cabal. Este, no essencial, é o significado da expressão “armadilha de
baixo crescimento”. É, pois, imperativo robustecermos a espinha dorsal de nossa
economia – até porque a competição internacional tende a se acirrar – e ao
menos duplicarmos nossa renda anual per capita. No atual ritmo de crescimento
da economia, esse modesto objetivo pode custar-nos algo como 30 anos. Uma
geração, ou mais.
Convém lembrar que nenhum país pega no
tranco, como diz o ditado popular. Para robustecer e apressar o crescimento da
economia, devemos ter sempre em mente a lição do general De Gaulle: d’abord, la
politique, ou seja, primeiro, a política. É lógico que o presidente francês não
se referia à pequena política, àqueles espíritos gregários que adoram se
encontrar em Brasília, mas a lideranças corajosas e lúcidas, além, é claro, de
um sistema político funcional. Sabe-se lá por que, o Brasil está vivenciando um
período desastroso nesses dois aspectos, logo agora que, não tendo superado a
pandemia e o marasmo econômico, poderemos estar a cada dia mais sujeitos aos
efeitos da guerra.
No que toca a lideranças, talvez até
possamos crer na sorte, pois lideranças de calibre têm mais chance de surgir
quando os problemas se agigantam do que no remanso de um prolongado marasmo.
Observem, porém, que esse raciocínio é inútil no que toca à disfuncionalidade
de nosso sistema político. Nesse particular, a modorra a que chegamos é de tal
ordem que já ninguém se atreve a falar em reforma política, talvez para evitar
a vergonha de discursar para ouvidos moucos. Antes isso, porque tentar uma
reforma nas atuais condições, e no atual vazio de lideranças, é uma hipótese
que chega a dar calafrios.
Por último, cabe dizer algo sobre as
alternativas que as urnas nos oferecerão em outubro. Desde logo se vê que nossa
proverbial fartura de partidos não consegue sequer nos livrar da opereta que
ouvimos em 2018. O que se avizinha é, outra vez, uma polarização populista. Os
eleitores adversos a Lula serão forçados a votar em Bolsonaro. Os adversos a
Bolsonaro terão de votar em Lula. Quer dizer, representação não há mais. O
enredo é previsível. Em 2002, Lula nos brindou com a Carta ao Povo Brasileiro.
Repetir a fórmula seria inócuo, por isso a novidade, agora, será o vice, o
ex-governador Geraldo Alckmin. Bolsonaro dirá que tem uma “nova política” no
bolso da cartola, e fará o possível para nos convencer de que o Centrão é exatamente
isso. Uma nova política.
*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é
membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
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