Revista Veja
Lula lucra no cenário local mais importante
enquanto reserva a Alckmin papel secundário na cena nacional
Praticamente firmada a improvável aliança
entre Luiz Inácio
da Silva e Geraldo Alckmin, fica a pergunta sobre o que
ganham esses até outro dia severos adversários ao se juntarem numa chapa para
concorrer à Presidência da República. Dúvida pertinente para a qual não há
respostas definitivas.
Podemos, no entanto, nos aventurar pelo nem
sempre seguro terreno da especulação com base nas trajetórias, força política,
representatividade, peso eleitoral e ambições de um e de outro.
Na perspectiva do resultado eleitoral de
2018, Geraldo Alckmin é um perdedor. Chegou com menos de 5% ao primeiro turno
do certame presidencial depois de ter sido quatro vezes governador de São
Paulo. O passado recente, portanto, não lhe sorri. O presente tampouco se
desenha como garantia de êxito futuro.
Figura importante no PSDB, pelo qual
concorreu duas vezes a presidente, ele saiu do partido no fim do ano passado
vendo seus correligionários praticamente lhe pagarem o táxi de ida. Isso fica
agora mais evidente na comparação com o atual esforço de tucanos para manter em
suas fileiras o governador do Rio Grande do Sul.
A Eduardo Leite promete-se de tudo, até a perspectiva de um golpe de mão no governador de São Paulo, João Doria, na convenção onde deveria ser confirmada a candidatura vitoriosa nas prévias. Para Alckmin, nada houve além de lamentos formais. Ou seja, se não chegava a ser non grata já não era persona de liderança gratíssima no partido.
De alguém que foi governador durante tanto
tempo esperava-se uma transição partidária a bordo de companhias robustas.
Prefeitos, vereadores, deputados, talvez até dirigentes de seccionais em
municípios onde, em tese, ainda teria influência. Mas Geraldo Alckmin leva ao
PSB poucos aliados. Alguns que por afinidade poderiam acompanhá-lo não o
fizeram alegando impossibilidade política de firmar aliança com o PT.
O ex-governador entra na nova casa
desprovido de densidade pessoal, numa condição muito próxima à de cristão-novo
em terreno muito diferente daquele que frequentou por 33 anos. A fim de reduzir
a impressão de fragilidade, o PSB empresta a Alckmin alguma reverência ao lhe
oferecer um posto na direção.
O PT, contudo, tem percepção diferente: vê
o ex-governador isolado na seara petista como vice de Lula, sem a força do
respaldo empresarial de José Alencar e sem o peso partidário de um Michel Temer
presidente do MDB e três vezes presidente da Câmara quando entrou na chapa de
Dilma Rousseff.
Além disso, os petistas enxergam a aliança
como um beco sem saída para o eleitorado, que ficará órfão da terceira via caso
se mantenha a dianteira de Lula e Bolsonaro nas
pesquisas. “Votarão em quem, uma vez que rejeitam o atual presidente?”, indaga
petista de alta patente, ministro nos governos Dilma, duvidando da opção pelo
voto nulo dos eleitores de Alckmin eventualmente revoltados com a união, na
visão deles, esdrúxula.
O transcorrer da campanha dirá se o
ex-governador acrescenta ou subtrai votos do PT, podendo até não fazer uma
coisa nem outra. O impacto do chamado “aceno ao centro” já foi reduzido desde o
anúncio da aliança até agora, mas não nos parece que tenha sido o foco de Lula
repetir a jogada de 2002 com Alencar. Circunstâncias, realidades, finalidades e
personagens muito diferentes.
Qual, então, o ganho do petista? Cravar um
pino na ferradura do campo adversário seria um. Mas o principal objetivo foi
além: conseguiu a retirada da disputa do primeiro colégio eleitoral do país de
um oponente potente. Sem Alckmin, o PT pode almejar com Fernando Haddad a
quebra da longeva dinastia tucana, ganho expressivo para quem não tem
candidaturas potencialmente vitoriosas nos outros três principais colégios:
Minas, Rio e Bahia.
Jogada habilidosa. Com ela, Lula abre
espaço até então interditado no mais importante cenário de disputa local.
Ganhar São Paulo com a perspectiva de vitória no Brasil significa conquistar
uma joia da coroa no segundo orçamento do país, derrubar uma cidadela tucana e
fincar bandeira em território por longos anos inimigo.
Para Geraldo Alckmin, qual o benefício? A
expectativa de ganhar ingresso ao poder central, chance que lhe foi negada pelo
eleitorado. O problema é que faz isso em ambiente hostil, com papel secundário
e, se tudo der certo, pela porta lateral do Palácio do Jaburu.
Publicado em VEJA de 30 de março de 2022, edição nº 2782
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