sábado, 26 de março de 2022

Dora Kramer: Perdas e ganhos

Revista Veja

Lula lucra no cenário local mais importante enquanto reserva a Alckmin papel secundário na cena nacional

Praticamente firmada a improvável aliança entre Luiz Inácio da Silva e Geraldo Alckmin, fica a pergunta sobre o que ganham esses até outro dia severos adversários ao se juntarem numa chapa para concorrer à Presidência da República. Dúvida pertinente para a qual não há respostas definitivas.

Podemos, no entanto, nos aventurar pelo nem sempre seguro terreno da especulação com base nas trajetórias, força política, representatividade, peso eleitoral e ambições de um e de outro.

Na perspectiva do resultado eleitoral de 2018, Geraldo Alckmin é um perdedor. Chegou com menos de 5% ao primeiro turno do certame presidencial depois de ter sido quatro vezes governador de São Paulo. O passado recente, portanto, não lhe sorri. O presente tampouco se desenha como garantia de êxito futuro.

Figura importante no PSDB, pelo qual concorreu duas vezes a presidente, ele saiu do partido no fim do ano passado vendo seus correligionários praticamente lhe pagarem o táxi de ida. Isso fica agora mais evidente na comparação com o atual esforço de tucanos para manter em suas fileiras o governador do Rio Grande do Sul.

A Eduardo Leite promete-se de tudo, até a perspectiva de um golpe de mão no governador de São Paulo, João Doria, na convenção onde deveria ser confirmada a candidatura vitoriosa nas prévias. Para Alckmin, nada houve além de lamentos formais. Ou seja, se não chegava a ser non grata já não era persona de liderança gratíssima no partido.

De alguém que foi governador durante tanto tempo esperava-se uma transição partidária a bordo de companhias robustas. Prefeitos, vereadores, deputados, talvez até dirigentes de seccionais em municípios onde, em tese, ainda teria influência. Mas Geraldo Alckmin leva ao PSB poucos aliados. Alguns que por afinidade poderiam acompanhá-lo não o fizeram alegando impossibilidade política de firmar aliança com o PT.

O ex-governador entra na nova casa desprovido de densidade pessoal, numa condição muito próxima à de cristão-novo em terreno muito diferente daquele que frequentou por 33 anos. A fim de reduzir a impressão de fragilidade, o PSB empresta a Alckmin alguma reverência ao lhe oferecer um posto na direção.

O PT, contudo, tem percepção diferente: vê o ex-governador isolado na seara petista como vice de Lula, sem a força do respaldo empresarial de José Alencar e sem o peso partidário de um Michel Temer presidente do MDB e três vezes presidente da Câmara quando entrou na chapa de Dilma Rousseff.

Além disso, os petistas enxergam a aliança como um beco sem saída para o eleitorado, que ficará órfão da terceira via caso se mantenha a dianteira de Lula e Bolsonaro nas pesquisas. “Votarão em quem, uma vez que rejeitam o atual presidente?”, indaga petista de alta patente, ministro nos governos Dilma, duvidando da opção pelo voto nulo dos eleitores de Alckmin eventualmente revoltados com a união, na visão deles, esdrúxula.

O transcorrer da campanha dirá se o ex-governador acrescenta ou subtrai votos do PT, podendo até não fazer uma coisa nem outra. O impacto do chamado “aceno ao centro” já foi reduzido desde o anúncio da aliança até agora, mas não nos parece que tenha sido o foco de Lula repetir a jogada de 2002 com Alencar. Circunstâncias, realidades, finalidades e personagens muito diferentes.

Qual, então, o ganho do petista? Cravar um pino na ferradura do campo adversário seria um. Mas o principal objetivo foi além: conseguiu a retirada da disputa do primeiro colégio eleitoral do país de um oponente potente. Sem Alckmin, o PT pode almejar com Fernando Haddad a quebra da longeva dinastia tucana, ganho expressivo para quem não tem candidaturas potencialmente vitoriosas nos outros três principais colégios: Minas, Rio e Bahia.

Jogada habilidosa. Com ela, Lula abre espaço até então interditado no mais importante cenário de disputa local. Ganhar São Paulo com a perspectiva de vitória no Brasil significa conquistar uma joia da coroa no segundo orçamento do país, derrubar uma cidadela tucana e fincar bandeira em território por longos anos inimigo.

Para Geraldo Alckmin, qual o benefício? A expectativa de ganhar ingresso ao poder central, chance que lhe foi negada pelo eleitorado. O problema é que faz isso em ambiente hostil, com papel secundário e, se tudo der certo, pela porta lateral do Palácio do Jaburu.

Publicado em VEJA de 30 de março de 2022, edição nº 2782

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