O Globo
A Lava-Jato, embora tenha sido liquidada
por uma manobra jurídica e política, voltará à cena nas próximas eleições.
Primeiro, porque seus principais nomes, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, disputarão votos.
Segundo, porque políticos condenados cujos processos foram cancelados, Lula à
frente, também estarão nas urnas.
E quer saber? Será um bom momento. Haverá,
é claro, um debate jurídico sobre o modo de atuação da Lava-Jato, mas também
dos tribunais que anularam os processos. Isso é importante, mas não parece um
tema que desperte as paixões do público.
Desconfio, entretanto, que restará uma
questão central, esta sim de fácil entendimento: roubaram ou não roubaram?
Houve ou não a construção de um sistema de assalto à Petrobras, em particular,
e aos governos, em geral?
O primeiro debate favorece os condenados e ex-condenados. Estes poderão apresentar decisões jurídicas de várias instâncias, inclusive do Supremo, tornando nulas as sentenças emitidas pela Lava-Jato. Aqui está o terreno dos garantistas, do grupo de advogados dos réus, o Prerrogativas, derrotados nos primeiros momentos, vitoriosos ao final. E vitoriosos ao velho estilo: adiando, procrastinando, embananando os processos.
Segundo um levantamento do jornal O Estado
de S.Paulo, nada menos que “221 anos e 11 meses de condenações ligadas à
Lava-Jato foram canceladas por irregularidades processuais” (ou supostas irregularidades,
acrescentamos nós).
Depois de cinco anos aceitando que os
processos de Lula e de outros corressem na Vara Federal de Curitiba, sede da
Lava-Jato, o Supremo de repente decidiu que aquele não era o foro adequado.
Todos os processos voltaram ao início, em outros varas, abrindo as condições
para a prescrição.
A rigor, não interessa a discussão jurídica
sobre o foro adequado. A súbita virada de posição do STF foi determinada pelo
ambiente político. Assim como a mudança que cancelou a prisão após a condenação
em segunda instância.
Vale lembrar: no auge da Lava-Jato, em
fevereiro de 2016, o STF, por 7 a 4, aceitou a prisão em segunda instância, que
não era admitida desde 2009. Depois, em novembro de 2019, por apertadíssimo
placar de 6 a 5, voltou a rejeitá-la. Em dez anos, portanto, o STF deu três
cavalos de pau — o que não é normal numa Corte estritamente jurídica.
As duas viradas abriram caminho para a
anulação de processos e recolocaram no páreo centenas de políticos. Não
inocentados, mas, digamos, liberados para voltar. De todo modo, poderão dizer:
aqui estamos.
O segundo tema da variante Lava-Jato
coloca, entretanto, um óbvio embaraço para os ex-condenados: roubaram ou não
roubaram? Houve corrupção, dinheiro surrupiado de cofres públicos?
A resposta é simples: houve, de maneira
ampla e sistemática. Qual a melhor prova? Não a confissão de réus que fizeram
delação premiada — que até pode ser contestada —, mas o dinheiro devolvido.
Dois casos bem documentados. Primeiro, até
dezembro passado, a Petrobras havia registrado em seus balanços a entrada de R$
6,17 bilhões, resultado de diversos acordos de leniência e colaboração com
empresas e pessoas. Segundo, Odebrecht e Braskem registram em seus documentos
os acordos feitos com a Justiça dos EUA, do Brasil e da Suíça, pelos quais
aceitaram pagar US$ 3,5 bilhões como reparações por conduta criminosa. Trata-se
simplesmente do maior acordo já feito na História mundial em caso de corrupção.
Diante disso, a reforma feita pelo
Odebrecht no sítio de Atibaia é dinheiro de troco. Mas vai para o debate, que
afinal poderá ser resumido assim: qual a tolerância dos brasileiros com a
corrupção?
Muitos dizem que esse é mais um problema
moral, menos relevante para as grandes questões estruturais que envolvem o
país. Errado. Já está mais que demonstrado que um sistema de corrupção política
destrói a economia, ao eliminar a legítima competição e premiar os amigos do
presidente ou do pastor.
A ver o que o eleitor dirá.
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