Valor Econômico
Agenda ambiental não é preocupação dos
eleitores das capitais na Amazônia nem prioridade das Assembleias Legislativas
Embora a floresta amazônica seja o lado do
Brasil que mais está sob os holofotes globais nos últimos anos, as Assembleias
Legislativas dos nove Estados da Amazônia Legal não priorizam a proteção do
território, as estratégias de desenvolvimento sustentável e a agenda ambiental
em suas propostas de leis. Os grandes partidos políticos patinam na maioria dos
Estados e municípios enquanto a região assiste a uma grande ampliação da
direita e do apoio a grêmios políticos nanicos. A questão ambiental não está no
horizonte das preocupações dos eleitores das capitais. Eles não demonstram ter
identidade amazônica.
“É uma região que tem que ser politicamente entendida. Que morfologia social é esta que torna inóspito o terreno para os partidos tradicionais e a esquerda?” questiona o cientista político Fabiano Guilherme Mendes Santos, hoje um dos pesquisadores que mais mergulham no entendimento do espectro político da maior floresta tropical do mundo, território que é metade do Brasil.
Em outubro, Santos e 36 cientistas
políticos e cientistas políticas de universidades públicas dos nove Estados da
Amazônia Legal -todos os do Norte mais Mato Grosso e o Maranhão- criaram o
Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, o LEGAL. Dos 40
pesquisadores, o único de fora da região é Santos, que coordena o laboratório.
O vice é Ivan Silva, professor em ciência política da Universidade Federal do
Amapá, Estado que abriga a sede do centro. As afirmações do primeiro parágrafo
são os resultados iniciais de pesquisas do grupo.
Os pesquisadores do LEGAL pretendem se
debruçar sobre a realidade política dos Estados da Amazônia Legal, a evolução
dos cenários, as tendências, e fomentar o debate público. “Queremos mostrar o
que está sendo feito nas Assembleias. Identificar o que o eleitor local está
pensando, o que está na agenda política”, diz Santos. Na Amazônia é difícil
entender claramente quais forças e interesses estão atuando sobre os eleitores.
Os amazônidas costumam dizer que a pauta ambiental elege políticos no Sudeste,
mas não na Amazônia. “É o que está sendo delineado”, confirma Santos, um dos
criadores do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), fundado em 2017 e
que faz análise sistemática da Câmara dos Deputados.
A hipótese de partida das análises do LEGAL
é a mudança significativa na dinâmica socioeconômica que ocorre na região com a
expansão do agronegócio. “São regiões que estão sendo integradas a circuitos
econômicos mais intensos, ligados à exportação e ao mundo financeiro. E é uma
parte do país que não era tão integrada assim. Esse Brasil do Centro-Oeste e do
Norte é um Brasil mais recente, a economia e a política brasileiras giravam em
torno do litoral. O esforço que o Estado Brasileiro tem feito de
interiorização, busca da fronteira e ocupação do Centro-Oeste com a
agroindústria e a pecuária tem produzido mudanças não só econômicas e sociais,
mas transformações políticas importantes. É o que queremos observar”, explica
Santos.
O desmatamento é decorrência dessa mudança,
na hipótese levantada pelos pesquisadores. “A questão do lucro e do sucesso
econômico têm implicações muito importantes para o ambiente e os povos que ali
habitam”, registra.
A falta de hegemonia dos grandes partidos
políticos brasileiros -com poucas exceções- chama a atenção dos pesquisadores
que analisam os resultados das eleições para todos os cargos desde 1994. A
região tem bolsões da direita mais radical do país. Rondônia é um reduto
bolsonarista importante, em Mato Grosso a esquerda nunca conseguiu se
viabilizar e ser vitoriosa desde os governos de Dante de Oliveira, que era do
PSDB. O Acre fez uma guinada forte na eleição de 2018 e abandonou duas décadas
de gestão petista sinalizando que quer mais a pecuária que desmatou Rondônia do
que a florestania que tentou preservar o Estado. O Pará é mais integrado à vida
político-partidária do País e onde a esquerda consegue se sair relativamente
bem.
O LEGAL terá site e boletins lançados no
início de abril. Um dos desafios é entender melhor o que pensam os eleitores do
interior. É nas zonas rurais e de floresta onde os índices de violência letal têm
crescido - um crescimento de 9,2% entre 2018 e 2020. O dado faz oposição ao que
aconteceu no resto dos municípios rurais brasileiros, que registraram queda de
6,1% no período, segundo dados iniciais da Cartografia das Violências na Região
Amazônica, estudo elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com
outros parceiros.
Saída por decreto
Há quem deseje sair do desenho da Amazônia
Legal por decreto, como se diz. Em Mato Grosso, não é de hoje, há um movimento
para que o Estado saia da Amazônia Legal, conceito instituído pelo governo
brasileiro como forma de planejar o desenvolvimento social e econômico dos
Estados da região. É um desenho sociopolítico e não geográfico - engloba o
bioma Amazônia e também 20% do Cerrado e parte do Pantanal matogrossense.
Agora o PL 337/2022, do deputado Juarez
Costa (MDB-MT) avança na Câmara. A justificativa é direta: os imóveis rurais
localizados na Amazônia Legal têm que manter 80% da propriedade como reserva
legal se estiver em área de florestas, 35% no imóvel situado em área de Cerrado
e 20% em área de campos gerais. O texto vem com os valores do constante aumento
nos índices de produtividade da agricultura do Estado, a importância do
agronegócio na economia matogrossense e brasileira e outros números pujantes. É
tudo verdade. Como também é verdade que o Estado que se tornou o maior produtor
agrícola do país é o Estado com maior percentual de desmatamento acumulado na
Amazônia desde 1985, segundo o MapBiomas. O texto do PL deixa claro que o que
se quer é desmatar mais - e, se possível, continuar com os incentivos da Sudam
que isentam em 75% de Imposto de Renda indústrias que se instalarem ali. Já há
quem diga que o PL é inconstitucional, que o Código Florestal seria impactado e
outros argumentos. É preciso avisar o pessoal que há uma emergência climática
em curso, que a floresta está perto de virar outro ecossistema e não produzir
mais tanta água. Sem água, não tem agricultura, nem números pujantes, nem nada.
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