terça-feira, 15 de março de 2022

Daniela Chiaretti: Amazônia: decifra-me ou te devoro

Valor Econômico

Agenda ambiental não é preocupação dos eleitores das capitais na Amazônia nem prioridade das Assembleias Legislativas

Embora a floresta amazônica seja o lado do Brasil que mais está sob os holofotes globais nos últimos anos, as Assembleias Legislativas dos nove Estados da Amazônia Legal não priorizam a proteção do território, as estratégias de desenvolvimento sustentável e a agenda ambiental em suas propostas de leis. Os grandes partidos políticos patinam na maioria dos Estados e municípios enquanto a região assiste a uma grande ampliação da direita e do apoio a grêmios políticos nanicos. A questão ambiental não está no horizonte das preocupações dos eleitores das capitais. Eles não demonstram ter identidade amazônica.

“É uma região que tem que ser politicamente entendida. Que morfologia social é esta que torna inóspito o terreno para os partidos tradicionais e a esquerda?” questiona o cientista político Fabiano Guilherme Mendes Santos, hoje um dos pesquisadores que mais mergulham no entendimento do espectro político da maior floresta tropical do mundo, território que é metade do Brasil.

Em outubro, Santos e 36 cientistas políticos e cientistas políticas de universidades públicas dos nove Estados da Amazônia Legal -todos os do Norte mais Mato Grosso e o Maranhão- criaram o Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, o LEGAL. Dos 40 pesquisadores, o único de fora da região é Santos, que coordena o laboratório. O vice é Ivan Silva, professor em ciência política da Universidade Federal do Amapá, Estado que abriga a sede do centro. As afirmações do primeiro parágrafo são os resultados iniciais de pesquisas do grupo.

Os pesquisadores do LEGAL pretendem se debruçar sobre a realidade política dos Estados da Amazônia Legal, a evolução dos cenários, as tendências, e fomentar o debate público. “Queremos mostrar o que está sendo feito nas Assembleias. Identificar o que o eleitor local está pensando, o que está na agenda política”, diz Santos. Na Amazônia é difícil entender claramente quais forças e interesses estão atuando sobre os eleitores. Os amazônidas costumam dizer que a pauta ambiental elege políticos no Sudeste, mas não na Amazônia. “É o que está sendo delineado”, confirma Santos, um dos criadores do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), fundado em 2017 e que faz análise sistemática da Câmara dos Deputados.

A hipótese de partida das análises do LEGAL é a mudança significativa na dinâmica socioeconômica que ocorre na região com a expansão do agronegócio. “São regiões que estão sendo integradas a circuitos econômicos mais intensos, ligados à exportação e ao mundo financeiro. E é uma parte do país que não era tão integrada assim. Esse Brasil do Centro-Oeste e do Norte é um Brasil mais recente, a economia e a política brasileiras giravam em torno do litoral. O esforço que o Estado Brasileiro tem feito de interiorização, busca da fronteira e ocupação do Centro-Oeste com a agroindústria e a pecuária tem produzido mudanças não só econômicas e sociais, mas transformações políticas importantes. É o que queremos observar”, explica Santos.

O desmatamento é decorrência dessa mudança, na hipótese levantada pelos pesquisadores. “A questão do lucro e do sucesso econômico têm implicações muito importantes para o ambiente e os povos que ali habitam”, registra.

A falta de hegemonia dos grandes partidos políticos brasileiros -com poucas exceções- chama a atenção dos pesquisadores que analisam os resultados das eleições para todos os cargos desde 1994. A região tem bolsões da direita mais radical do país. Rondônia é um reduto bolsonarista importante, em Mato Grosso a esquerda nunca conseguiu se viabilizar e ser vitoriosa desde os governos de Dante de Oliveira, que era do PSDB. O Acre fez uma guinada forte na eleição de 2018 e abandonou duas décadas de gestão petista sinalizando que quer mais a pecuária que desmatou Rondônia do que a florestania que tentou preservar o Estado. O Pará é mais integrado à vida político-partidária do País e onde a esquerda consegue se sair relativamente bem.

O LEGAL terá site e boletins lançados no início de abril. Um dos desafios é entender melhor o que pensam os eleitores do interior. É nas zonas rurais e de floresta onde os índices de violência letal têm crescido - um crescimento de 9,2% entre 2018 e 2020. O dado faz oposição ao que aconteceu no resto dos municípios rurais brasileiros, que registraram queda de 6,1% no período, segundo dados iniciais da Cartografia das Violências na Região Amazônica, estudo elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com outros parceiros.

Saída por decreto

Há quem deseje sair do desenho da Amazônia Legal por decreto, como se diz. Em Mato Grosso, não é de hoje, há um movimento para que o Estado saia da Amazônia Legal, conceito instituído pelo governo brasileiro como forma de planejar o desenvolvimento social e econômico dos Estados da região. É um desenho sociopolítico e não geográfico - engloba o bioma Amazônia e também 20% do Cerrado e parte do Pantanal matogrossense.

Agora o PL 337/2022, do deputado Juarez Costa (MDB-MT) avança na Câmara. A justificativa é direta: os imóveis rurais localizados na Amazônia Legal têm que manter 80% da propriedade como reserva legal se estiver em área de florestas, 35% no imóvel situado em área de Cerrado e 20% em área de campos gerais. O texto vem com os valores do constante aumento nos índices de produtividade da agricultura do Estado, a importância do agronegócio na economia matogrossense e brasileira e outros números pujantes. É tudo verdade. Como também é verdade que o Estado que se tornou o maior produtor agrícola do país é o Estado com maior percentual de desmatamento acumulado na Amazônia desde 1985, segundo o MapBiomas. O texto do PL deixa claro que o que se quer é desmatar mais - e, se possível, continuar com os incentivos da Sudam que isentam em 75% de Imposto de Renda indústrias que se instalarem ali. Já há quem diga que o PL é inconstitucional, que o Código Florestal seria impactado e outros argumentos. É preciso avisar o pessoal que há uma emergência climática em curso, que a floresta está perto de virar outro ecossistema e não produzir mais tanta água. Sem água, não tem agricultura, nem números pujantes, nem nada.

 

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