O Globo
O título de um dos meus livros é “Da favela
para o mundo”. Trato nele das barreiras e preconceitos que enfrentei enquanto
jovem favelado e da minha tentativa de vencer a pobreza e expandir horizontes.
Muito do que aparece no livro como sonho ou projeto virou realidade nos últimos
anos: pude visitar outros países, palestrar em centros universitários de
renome, conhecer grandes empreendedores e filantropos.
Essa vivência me convence cada vez mais da importância da inovação para as iniciativas de combate à pobreza e à desigualdade. Por isso levo — e continuo levando — minha experiência das periferias brasileiras por onde passo, mas creio que hoje escreveria um livro diferente, chamado “Do mundo para a favela”.
Estou em Austin, no Texas, participando do
SXSW (South by Southwest). Mistura de festival de arte com ciclo de
conferências, o SXSW é o maior evento de inovação do planeta. Minha missão aqui
é entender o que as melhores mentes, das mais variadas nacionalidades e origens
sociais, enxergam para o futuro. Já acompanhei debates sobre emergência
climática global, agenda ESG, NFTs (tokens não fungíveis) e impressão de casas
em 3-D.
Vim também na condição de palestrante.
Dividi o palco com Eco Moliterno, diretor de criação da Accenture Interactive
para a América Latina, e falei sobre o trabalho da Gerando Falcões. Apresentei
ao mundo nossas tecnologias de combate à pobreza, como o Favela 3D (Digna,
Digital, Desenvolvida), o programa Decolagem, o Bazar Social e, principalmente,
nossa rede de milhares de lideranças comunitárias.
A favela entende de inovação. Desde muito
cedo, observei minha mãe encontrar as soluções mais criativas — hoje diríamos
“disruptivas” — para fazer com que menos de um salário mínimo fosse o
suficiente para nos alimentar por um mês inteiro. Cresci vendo exemplos
parecidos. A inovação do favelado é o que faz uma panela amassada virar um
chuveiro, é o que transforma lona e madeira velha num lar.
Por isso digo que a favela é a maior
startup brasileira, fonte inesgotável de gente talentosa e origem de nossos
produtos culturais mais bem-sucedidos. Acontece que essa startup precisa de
investimento e atenção global para prosperar, e não venceremos os problemas do
presente com métodos do século XIX ou XX.
Essa foi a principal mensagem que tentei
passar aqui no SXSW, diante de alguns dos melhores cérebros do mundo: o combate
à pobreza precisa de um salto qualitativo que depende da inovação. Não se trata
simplesmente de aperfeiçoar estratégias já existentes ou de investir mais
recursos na área social, mas de criar alternativas mais eficientes para o
enfrentamento de nossas velhas mazelas sociais.
Daí a necessidade de entendermos como cada
conhecimento novo — um app, um algoritmo, um dispositivo ou ferramenta, uma
teoria, não importa — pode ser útil para resolver os problemas da periferia.
Esse deve ser o compromisso do mundo com a favela.
Há décadas, a humanidade tem recursos
suficientes para erradicar a pobreza. Nos faltam estratégias e pactos coletivos
que permitam destinar corretamente esses recursos. A inovação social é a chave
para que, ainda neste século, coloquemos a pobreza em seu devido lugar: atrás
da vitrine de um museu.
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