Folha de S. Paulo
Governo deve, acima de tudo, proteger os
mais vulneráveis
Com a guerra na Ucrânia,
fica em risco a oferta futura de petróleo e gás. Com isso, o preço
deles aumenta desde já. E isso impacta diretamente a economia brasileira,
que depende de petróleo. Ou seja, o país fica mais pobre.
Esse custo é inevitável. A única questão é
quem pagará por ele. O Estado pode —e às vezes deve— redistribuir os custos,
mas eles não deixam de existir. Todas as medidas em discussão (inclusive não
fazer nada) têm seus ganhadores e seus perdedores. Não há uma solução em que
ninguém sofra com o aumento da gasolina no posto sem que alguém pague essa
conta.
E quem, acima de tudo, não deveria pagar a conta? Os mais pobres. Toda resposta ao petróleo mais caro deve incluir mecanismos para proteger os mais vulneráveis.
A pior tentação é mexer na política de
preços da Petrobras,
porque ela parece não ter perdedores —só um ou outro acionista, esse grande
vilão. Mas ela tem sim. Em primeiro lugar porque, se ela praticar aqui no
Brasil um preço mais baixo do que o do resto do mundo, nenhuma empresa
estrangeira quererá exportar combustível para cá.
Dado que não somos autossuficientes em
combustíveis, corremos o risco real de desabastecimento, ao mesmo tempo em que
a Petrobras se verá forçada a suprir essa demanda cobrando um preço
artificialmente baixo. É o caminho do desastre, que ela já trilhou em 2013 e
sabemos onde termina: uma empresa quase quebrada.
Além disso, se a empresa quer receber
investimentos no futuro, sua política de preços não pode estar a serviço da
conveniência política. Entre aproximar-se de uma Equinor (estatal do petróleo
norueguesa, que pratica preços de mercado e garante um fundo soberano
trilionário ao país) ou de uma PDVSA (estatal venezuelana, que vende gasolina
barata e está em avançado estado de sucateamento e corrupção), a escolha é
óbvia.
Outra ideia, menos danosa, seria o subsídio
ou o corte de impostos do setor; o que dá quase no mesmo: num caso, o governo
gasta mais; no outro, arrecada menos. Ele permite que os preços caiam.
Eu não tenho nada contra menos impostos,
mas há que se perguntar: dar subsídios aos combustíveis fósseis é uma boa
política? Do ponto de vista do foco, é péssima: beneficia tanto o pobre que
realmente precisa de ajuda quanto o cidadão de classe média e até rico que
enche o tanque de seu carro e faz as compras no mercado. Gastar dinheiro
público para que ricos consumam mais gasolina é um péssimo uso dos recursos.
O corte de impostos apenas no diesel —que
abastece ônibus e caminhões— seria menos distorcivo, mas seus benefícios também
são difusos entre todas as classes, passando os custos para os pagadores de
impostos (que, como sabemos, incidem desproporcionalmente sobre os mais
pobres).
Então o que o governo deve fazer? Acima de
tudo, proteger os mais vulneráveis. Garantir um reforço
no Auxílio Brasil; afinal, os alimentos ficarão mais caros no mercado,
assim como o botijão de gás. Negociar subsídios com as empresas de transporte
público, para que não aumentem a passagem. Graças aos dividendos
extraordinários da Petrobras, o governo terá mais recursos para essa política
social também extraordinária.
A gasolina mais cara nos exige uma mudança
inicialmente custosa de modo de vida, mas que será benéfica para a sociedade:
teremos que usar menos o carro e mais o transporte público, fazer mais trajetos
a pé e de bicicleta, buscar carros mais econômicos, deixar a manutenção em dia
para reduzir desperdício.
O resultado disso é menos poluição e menos
trânsito nas cidades. No transporte de carga, o preço do petróleo aumenta a
atratibilidade de transporte ferroviário e fluvial, além de caminhões mais
econômicos. Gastar dinheiro público para beneficiar donos de carro e impedir
essas mudanças virtuosas é um retrocesso em todas as frentes.
Se essa crise nos mostra algo, é que a
dependência dos combustíveis fósseis custa caro: ficamos vulneráveis, poluentes
e congestionados. Reduzir (não necessariamente zerar) essa dependência deveria
ser prioridade de investimentos públicos e privados. Protegidos os mais
vulneráveis, deixemos o mercado agir.
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