terça-feira, 15 de março de 2022

Joel Pinheiro da Fonseca: O que fazer com o preço combustíveis?

Folha de S. Paulo

Governo deve, acima de tudo, proteger os mais vulneráveis

Com a guerra na Ucrânia, fica em risco a oferta futura de petróleo e gás. Com isso, o preço deles aumenta desde já. E isso impacta diretamente a economia brasileira, que depende de petróleo. Ou seja, o país fica mais pobre.

Esse custo é inevitável. A única questão é quem pagará por ele. O Estado pode —e às vezes deve— redistribuir os custos, mas eles não deixam de existir. Todas as medidas em discussão (inclusive não fazer nada) têm seus ganhadores e seus perdedores. Não há uma solução em que ninguém sofra com o aumento da gasolina no posto sem que alguém pague essa conta.

E quem, acima de tudo, não deveria pagar a conta? Os mais pobres. Toda resposta ao petróleo mais caro deve incluir mecanismos para proteger os mais vulneráveis.

A pior tentação é mexer na política de preços da Petrobras, porque ela parece não ter perdedores —só um ou outro acionista, esse grande vilão. Mas ela tem sim. Em primeiro lugar porque, se ela praticar aqui no Brasil um preço mais baixo do que o do resto do mundo, nenhuma empresa estrangeira quererá exportar combustível para cá.

Dado que não somos autossuficientes em combustíveis, corremos o risco real de desabastecimento, ao mesmo tempo em que a Petrobras se verá forçada a suprir essa demanda cobrando um preço artificialmente baixo. É o caminho do desastre, que ela já trilhou em 2013 e sabemos onde termina: uma empresa quase quebrada.

Além disso, se a empresa quer receber investimentos no futuro, sua política de preços não pode estar a serviço da conveniência política. Entre aproximar-se de uma Equinor (estatal do petróleo norueguesa, que pratica preços de mercado e garante um fundo soberano trilionário ao país) ou de uma PDVSA (estatal venezuelana, que vende gasolina barata e está em avançado estado de sucateamento e corrupção), a escolha é óbvia.

Outra ideia, menos danosa, seria o subsídio ou o corte de impostos do setor; o que dá quase no mesmo: num caso, o governo gasta mais; no outro, arrecada menos. Ele permite que os preços caiam.

Eu não tenho nada contra menos impostos, mas há que se perguntar: dar subsídios aos combustíveis fósseis é uma boa política? Do ponto de vista do foco, é péssima: beneficia tanto o pobre que realmente precisa de ajuda quanto o cidadão de classe média e até rico que enche o tanque de seu carro e faz as compras no mercado. Gastar dinheiro público para que ricos consumam mais gasolina é um péssimo uso dos recursos.

O corte de impostos apenas no diesel —que abastece ônibus e caminhões— seria menos distorcivo, mas seus benefícios também são difusos entre todas as classes, passando os custos para os pagadores de impostos (que, como sabemos, incidem desproporcionalmente sobre os mais pobres).

Então o que o governo deve fazer? Acima de tudo, proteger os mais vulneráveis. Garantir um reforço no Auxílio Brasil; afinal, os alimentos ficarão mais caros no mercado, assim como o botijão de gás. Negociar subsídios com as empresas de transporte público, para que não aumentem a passagem. Graças aos dividendos extraordinários da Petrobras, o governo terá mais recursos para essa política social também extraordinária.

A gasolina mais cara nos exige uma mudança inicialmente custosa de modo de vida, mas que será benéfica para a sociedade: teremos que usar menos o carro e mais o transporte público, fazer mais trajetos a pé e de bicicleta, buscar carros mais econômicos, deixar a manutenção em dia para reduzir desperdício.

O resultado disso é menos poluição e menos trânsito nas cidades. No transporte de carga, o preço do petróleo aumenta a atratibilidade de transporte ferroviário e fluvial, além de caminhões mais econômicos. Gastar dinheiro público para beneficiar donos de carro e impedir essas mudanças virtuosas é um retrocesso em todas as frentes.

Se essa crise nos mostra algo, é que a dependência dos combustíveis fósseis custa caro: ficamos vulneráveis, poluentes e congestionados. Reduzir (não necessariamente zerar) essa dependência deveria ser prioridade de investimentos públicos e privados. Protegidos os mais vulneráveis, deixemos o mercado agir.

 

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