O Globo
Em dois artigos recentes, a 22 de fevereiro e 1º de março, mencionei o que chamo de tripé competitivo por
meio do qual, creio, Bolsonaro chegará forte à eleição. Hoje, aprofundarei o
exame dessa sustentação.
Antes, uma nota. Embora o ímpeto tenha
arrefecido nas últimas semanas, mais torcida que projeção derivada de análise,
há ainda quem considere significativa a chance de Lula vencer no primeiro
turno; algo que não ocorreu nem quando era presidente e tinha a estrutura do
Estado a seu favor.
Com a estrutura do Estado a seu favor, vem — virá — Bolsonaro. Não pode ser subestimado o efeito do novo Bolsa Família, de R$ 400, sobre sua campanha, nem o ritmo como a Caixa — duplo de comitê de campanha bolsonarista e banco para microcrédito — multiplica agências Brasil adentro. Difícil que não cresça. Crescerá articulando o aludido tripé. A primeira das pernas, muito testada, a que nunca lhe faltou; que se expressou, fisicamente, nos eventos golpistas do Sete de Setembro — e que encarna a desestabilização permanente que caracteriza o bolsonarismo.
O presidente tentará a reeleição a partir
de uma base de apoio fiel, alimentada e radicalizada sob o discurso
antiestablishment — discurso com poderosa capacidade de mobilização.
Mobilização promovida por uma rede de canais — que compõem o que nomeei zap
profundo — em que a desinformação é ministrada, assimilada e repassada como
verdade; mas, sobretudo, como maneira de distinguir e unir. Não se pode menosprezar
— não de novo — esse modo de comunicar e fidelizar ao mesmo tempo. Um modo de
comunicar que difundiria o certo — que estaria com a verdade — apenas por não
reproduzir conteúdos da dita grande mídia.
Bolsonaro tem base social. Representa cerca
de 15% do eleitorado — mais proximamente dos 20%. Posição que coloca o
competidor, de largada, já muito perto do segundo turno. É base sólida,
experimentada, por exemplo, quando da ruptura com Sergio Moro. Evento de
potencial traumático que, na prática, em não mais que um dia — sob ordem unida
— cicatrizou-se na figura de um ex-juiz traidor, Lava-Jato ao mar. A forma
escrachada como Bolsonaro firmou sociedade com Ciro Nogueira/Arthur
Lira/Valdemar Costa Neto nem sequer balançou esse pilar.
Essa base, por óbvio, é sectária. Depende
do conflito. Da forja de inimigos artificiais. Moro virou inimigo. Há os
governadores e suas medidas — em prol da vacinação — que teriam trancado a
liberdade individual. Um combate contra tiranos — opressores do direito de ir e
vir — que se dá no plano do delírio, fabricando lockdowns imaginários, mas que
é eficiente como linguagem arregimentadora de identidades. E há o sistema
eleitoral, a urna eletrônica — o paraíso ao exercício das teorias
conspiracionistas que animam o bolsonarismo. Daí por que Bolsonaro
— persona cuja existência depende da geração de instabilidades —
nunca deixará de plantar desconfianças contra o TSE.
A segunda perna, já referida neste artigo,
é a mais recente. A parceria com PP e PL —firmada por aquele que acabaria com a
mamata, eleito sob a parolagem antipolítica de não negociar com os tipos a
quem, anos depois, entregaria o governo, entregou a Casa Civil, em posição sem
precedentes. Pacto cujo batismo foi consagrado na forma do Orçamento da União —
pervertido em orçamento corporativista e eleitoreiro — como entregue a Ciro
Nogueira, gestor último, bem aquinhoados pachecos e alcolumbres, da máquina
discricionária em que vão ocultas, enganado o Supremo, as emendas do relator.
Serão R$ 16,5 bilhões os dinheiros ao dispor do orçamento secreto no ano
eleitoral — o verdadeiro fundão eleitoral de Bolsonaro, Lira e outros sócios.
Essa é a sociedade — entregues o Planalto e
Paulo Guedes (sem resistência) a Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto — em que o
presidente aposta para ganhar campo no Nordeste e no Norte. Farão o diabo.
E que se aguarde nova sangria fiscal, à
margem do teto de gastos (se teto ainda houvesse), para segurar — com pouco
resultado nas bombas — os preços de diesel e gasolina. Teremos não apenas queda
na arrecadação, mas, mui provavelmente, a abertura de créditos extraordinários
para bancar subsídios sem foco. Aguarde-se também — desejo não abandonado — o
reajuste patrimonialista aos setores do funcionalismo público que integram a
base bolsonarista.
A terceira perna é a mais antiga, anterior
mesmo — embora decisiva — à ascensão de Bolsonaro. Perna que vai adormecida, já
com algum formigamento, e com cujo despertar (Moro ajuda nisso) o presidente
conta para pelejar no que seria um confronto violento de rejeições: o
sentimento antilulopetismo. Bolsonaro investe num futuro — num dilema — em que
seu eleitor de 2018, mesmo que muito insatisfeito com ele, ainda o preferirá,
se por alternativa tiver Lula e o PT.
Proponha a questão — e se for contra Lula?
— aos eleitores de Bolsonaro exaustos de Bolsonaro; e veja que o cansaço não
será tão absoluto assim.
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