EDITORIAIS
O impacto da educação é inequívoco
O Globo
Até há não muito tempo, o Brasil não fazia ideia do que se passava em suas salas de aulas. Sem medir, não havia diagnóstico possível. Uma das conquistas do país nas últimas três décadas foi a implementação de testes e índices para acompanhar a qualidade das escolas. Esse trabalho crucial acaba de ganhar uma contribuição. Um novo estudo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e do Insper criou um novo indicador, batizado Ideb-Enem, para medir a qualidade da educação do ensino fundamental ao médio. De modo pioneiro, os pesquisadores relacionaram esse índice aos indicadores sociais em nível municipal. O resultado confirma o efeito positivo dos investimentos em educação e demonstra mais uma vez por que se trata da área mais crítica para o futuro do país.
O índice é composto do percentual de alunos
que entram no ensino fundamental com 6 ou 7 anos, não abandonam os estudos, não
repetem nenhum ano e, ao concluir o ensino médio, se sentem motivados a fazer a
prova do Enem. Leva em conta ainda a nota média desses alunos na prova. Os
pesquisadores analisaram os estudantes em dois anos (2009 e 2014) e concluíram
que o país avançou em todas as regiões, principalmente no Sudeste. Entre os
estados, menção especial para Rio e Ceará. Entre as cidades de destaque, há
bons exemplos em diferentes estados, como Valinhos (SP), Santa Rita do Sapucaí
(MG), Nova Mutum (MT) ou Aracaju (SE).
Com os resultados em mãos, os pesquisadores
averiguaram o impacto no mercado de trabalho, no ensino superior e nos índices
de violência cinco anos depois do Enem. O resultado: a melhoria de um ponto
percentual no índice está associada a um aumento de 15% nas matrículas em
universidades, 200% na geração de empregos e a uma diminuição de 25% nos
homicídios de jovens. Conclusão: os municípios que implementam melhorias de
forma mais consistente elevaram a aprovação no ensino superior, criaram mais
empregos e registraram queda na violência.
Nas cidades de melhor desempenho, a busca
por avanços foi um trabalho de sucessivas administrações. Diferentes prefeitos
e governadores mantiveram a continuidade dos investimentos e projetos. Para o
país, é a lembrança de que uma boa educação espalha seus benefícios por
diferentes esferas. Para a classe política, é uma lição: as decisões precisam
ter consistência mesmo com a alternância de poder.
A reflexão baseada em experiências
internacionais é sempre bem-vinda, mas, por vezes, turva o debate. Experimentos
feitos em lugares distantes, com culturas, sindicatos de professores e níveis
de vida distintos dos nossos, nem sempre podem ser adaptados. Como mostra o
índice Ideb-Enem, porém, o Brasil conta com municípios e estados que conseguem
se destacar e podem servir de inspiração para gestores públicos nos demais.
Quando a educação se torna prioridade de Estado, independentemente da
preferência política ou partidária, os resultados são inequívocos.
Regularização fundiária em favelas é
bem-vinda, mas só titulação não basta
O Globo
A regularização fundiária de imóveis em
favelas é promessa recorrente de políticos das mais diversas colorações
partidárias. A despeito disso, tem avançado pouco ao longo das últimas décadas.
Na capital fluminense, as habitações legalizadas pelo município correspondem a
pouco mais de 1% dos 440.550 domicílios (Censo de 2010) em comunidades, como
mostrou reportagem do GLOBO. O Rio é a segunda cidade do país com maior número
absoluto de construções em favelas, atrás de São Paulo.
É bem-vinda a decisão do governo do estado
de cadastrar famílias do Jacarezinho, na Zona Norte, e da Muzema, na Zona
Oeste, por meio do Instituto de Terras do Rio de Janeiro (Iterj), como primeiro
passo para a conceder títulos de propriedade aos moradores. As duas comunidades
fazem parte do projeto Cidade Integrada, espécie de reformulação das Unidades
de Polícia Pacificadora (UPPs), que visa a aumentar a presença do Estado em
áreas controladas por quadrilhas de traficantes (como no Jacarezinho) e
milicianos (caso da Muzema). Indiretamente, a regularização afeta os negócios
das milícias, que auferem lucro no mercado imobiliário ilegal.
A regularização fundiária não é problema
que aflige só o Rio. Está em todas as grandes cidades onde se multiplicam as
habitações irregulares. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), apesar de São Paulo e Rio concentrarem o maior
número absoluto de construções nessas áreas, proporcionalmente as duas maiores
cidades do país são superadas por outras capitais. Belém, Manaus e Salvador
lideram o ranking, com 55,5%, 53,4% e 41,8%, respectivamente, dos imóveis
localizados em áreas informais.
Obviamente, fornecer títulos de propriedade
a moradores de comunidades não é questão que se resolve de uma hora para outra.
Coordenador de Regularização Fundiária do município do Rio, Bruno Queiroz
afirma que, apesar de existir legislação que facilita a titulação, é preciso
fazer longas pesquisas no Registro de Imóveis e ter certeza da desistência dos
proprietários da área — cuja propriedade foi invadida no passado e que, por
isso, precisam ser muitas vezes indenizados — antes de garantir o direito aos
moradores. A solução não cabe no tempo de um mandato. Não importa. Deveria ser
decisão de Estado, e não deste ou daquele governo com interesses eleitorais.
Regularizar habitações, desde que não
estejam em áreas de risco ou de preservação ambiental, é levar cidadania a
moradores que vivem à margem da cidade formal. Mas, evidentemente, não deve ser
um fim em si. É uma das ações destinadas a aumentar a presença do Estado em
áreas tomadas por organizações criminosas. Um título de propriedade em mãos não
livrará os moradores do jugo do tráfico e da milícia, que cobram taxas sobre
serviços essenciais e impõem o terror por meio de suas leis perversas. A
titulação só trará benefício para essas populações se vier acompanhada de
segurança, saúde, educação e outros serviços que faltam nas favelas.
Pandemia, 2
Folha de S. Paulo
Status global da Covid completa segundo ano
entre ensaios de volta à normalidade
No dia 11 de março de 2020, a Organização
Mundial da Saúde declarava o início da pandemia de Covid-19, doença infecciosa
registrada inicialmente na China que, em pouco mais de três meses, fora capaz
de se espraiar com espantosa rapidez por todos os continentes.
Nesses
dois anos, a mais grave crise sanitária desde a gripe espanhola, um século
atrás, produziu impactos profundos e possivelmente duradouros no planeta —da
vida cotidiana à economia, passando pelos sistemas de saúde e pelas relações de
trabalho.
Se é verdade que, onda após onda, o flagelo
segue surpreendendo e ceifando um número assustador de vidas, também é fato
que, desde então, fomos capazes de desenvolver armas eficazes o bastante para
fazer frente a ele.
De acordo com os registros mundiais, o
vírus causador da Covid já infectou cerca de 460 milhões de pessoas e provocou
6 milhões de mortes —a quantidade
real pode ter sido o triplo da registrada, segundo estudo recém-publicado
na revista científica Lancet.
No Brasil, estima o estudo, teríamos
alcançado a trágica marca de 800 mil mortes, aproximadamente 150 mil a mais que
as computadas nas estatísticas oficiais. Impossível não imaginar quantos
brasileiros poderiam ter sido salvos caso não tivéssemos a infelicidade de
contar com Jair Bolsonaro (PL) na Presidência.
Mais do que se omitir, o governo federal
empenhou-se em sabotar todas as formas de prevenção da doença —numa combinação
sórdida de irresponsabilidade, negacionismo e desprezo pela vida.
A chegada das vacinas, em fins de 2020,
representou um ponto de virada na pandemia. Feito científico de proporções
históricas, os imunizantes não só foram desenvolvidos em tempo recorde como se
mostraram altamente eficazes ante a moléstia, oferecendo uma primeira
possibilidade de saída da crise.
Esse inegável sucesso, entretanto, vem
sendo contrabalançado pelo acesso desigual aos produtos. Enquanto 63,5% da
população mundial já recebeu pelo menos uma primeira dose, nos países de baixa
renda essa proporção ainda não chega a 15%.
Hoje, embora ainda não seja possível
afirmar que a Covid-19 esteja sob controle, o cenário se mostra auspicioso em
boa parte do mundo. O enfrentamento do Sars-CoV-2 vai deixando de ser a
prioridade em vários países, que anunciam o fim das restrições, ensaiando um
retorno à normalidade.
Por mais que o risco de surgimento de novas
e mais perigosas variantes permaneça presente, os progressos e aprendizados dos
últimos dois anos dão esperança de que, em breve, falaremos da pandemia apenas no
passado.
Plano infértil
Folha de S. Paulo
Programas para a indústria de fertilizantes
se repetem sem sucesso há décadas
O Brasil é, sabidamente, uma potência
agrícola. Praticamente metade de soja, 30% do açúcar, 25% do café e 21% das
carnes de aves exportadas no mundo são produzidos aqui. Em contraste com esses
números, a indústria nacional de fertilizantes nunca decolou.
Esses insumos, vitais para a produtividade
de solos tropicais pobres como o brasileiro, são importados. Cerca de 85% vêm
de fora —o que, em circunstâncias normais, passa quase despercebido.
Nas últimas semanas, porém, a guerra na
Ucrânia criou um gargalo na oferta global, especialmente de produtos a base de
potássio da Rússia, segundo maior produtor desse insumo. A situação fez
autoridades se mexerem, não necessariamente com boas ideias.
Na tentativa de mostrar alguma iniciativa,
Jair Bolsonaro (PL), acompanhado de ministros, lançou
o Plano Nacional de Fertilizantes, com a assinatura de um decreto que cria
um conselho dedicado à implantação de medidas.
São muitas as sugestões elencadas no
calhamaço de 195 páginas, mas é indisfarçável a propensão a receitas velhas e
frequentes geradoras de distorções: elevação do Imposto de Importação,
incentivos tributários e linhas de crédito favorecido por parte do BNDES.
Em paralelo, o governo insiste na ladainha
pelo projeto que facilita a mineração em terras indígenas —mesmo sem dados que
indiquem ser essa uma boa solução.
Planos de incentivo à produção doméstica de
fertilizantes já foram tentados, sem sucesso, nos anos 1970, 1980 e 2010.
Nenhum foi capaz de superar o problema singelo e central da falta de
competitividade dessa indústria no Brasil.
Análise do Observatório da Mineração aponta
que o setor sofre com a concentração em poucas empresas, baixo investimento em
novas tecnologias e limitações da logística. O translado entre portos e
fábricas, em muitos casos, é mais caro do que a importação.
Uma das limitações mais importantes é o
elevado custo da energia —a produção de fertilizantes demanda alto uso de
eletricidade. Ademais, parte da atividade ficou por anos em mãos estatais, com
inibição de investimentos.
Decerto que essa indústria poderia se
beneficiar de tributação mais racional, boa regulação, crédito mais abundante,
melhor infraestrutura. São condições que valem para toda a economia e dependem
de reformas nas quais o Brasil permanece atrasado.
Um legado sinistro para o novo governo
O Estado de S. Paulo.
Preços disparados, juros altos e baixo
crescimento podem durar pelo menos até o meio do próximo mandato presidencial
A herança macabra deixada para o próximo
governo incluirá inflação acima da meta, juros muito altos e economia
emperrada, segundo projeções do mercado.
As expectativas, muito ruins desde o começo
do ano, pioraram depois da invasão da Ucrânia, em reação à insegurança criada
pelo autocrata Vladimir Putin e aos possíveis efeitos das sanções à Rússia. Já
confrontado com enorme desarranjo de preços, o Brasil terá de enfrentar um
caminho mais longo e mais difícil em busca da estabilização, de acordo com as
últimas avaliações. Em uma semana subiu de 12,25% para 12,75% a taxa básica de
juros prevista para o fim do ano. As estimativas para os dois anos seguintes – metade
do mandato do próximo presidente – também se elevaram, atingindo 8,75% e 7,5%.
São números sinistros para quem tiver a
pretensão de administrar o Brasil e conduzi-lo para fora da estagnação. Não é o
caso do presidente Jair Bolsonaro e de seus companheiros, concentrados em
medidas improvisadas, concebidas para efeitos eleitorais, com elevado custo
fiscal e, na melhor hipótese, inúteis para a prosperidade e a saúde econômica.
Convertida em pandemia, a inflação poderá
afetar a atividade financeira em várias economias importantes, dificultando a
redução ou favorecendo a elevação de juros. O Federal Reserve (Fed, o banco
central dos Estados Unidos) tem de enfrentar uma alta de preços de 7,9%
acumulada em 12 meses, a maior em quatro décadas. No Brasil, um surto
inflacionário com taxa de 10,54% no período anual até fevereiro está na lista
de problemas da autoridade monetária.
Nesta quarta-feira os bancos centrais dos
dois países devem anunciar novas decisões sobre as taxas de referência. O Fed
poderá iniciar um ciclo de aumentos, com um primeiro acréscimo de 0,25 ou 0,50
ponto porcentual. Neste momento, os juros básicos nos Estados Unidos estão na
faixa de zero a 0,25%. No Brasil, a taxa básica, a Selic, deverá subir de
10,75% para 11,75%, segundo a maior parte das apostas.
De qualquer forma, a subida, de acordo com
as apostas do mercado, deverá continuar, no Brasil, até 12,75%. Para cuidar dos
problemas internos será preciso olhar também para fora. Qualquer aumento nos
Estados Unidos poderá afetar o fluxo internacional de capitais e o mercado
cambial. Isso limitará as ações dos bancos centrais no mundo emergente,
dificultando, por algum tempo, qualquer suavização da política monetária.
Para afrouxar sua política, no entanto, os
dirigentes do Banco Central terão de renunciar ao compromisso de levar a
inflação à meta oficial até o fim do próximo ano. Essa mudança será
justificável se o custo do ajuste – perda de crescimento econômico e
prolongamento do desemprego – for considerado excessivo em relação aos benefícios.
As famílias serão triplamente afetadas pela
inflação: 1) a alta de preços, muito sensível nas compras do dia a dia,
continuará erodindo os ganhos de quem ainda tiver uma fonte de renda; 2) o
custo do dinheiro, elevado pelo aperto monetário, tornará mais difícil o acesso
a novas compras a crédito; e 3) financiamentos até para a liquidação de
obrigações já assumidas poderão ser menos acessíveis. Os consumidores,
principalmente os de baixa renda, serão afetados pela doença, a acelerada alta
de preços, e pela medicação, os juros mais elevados.
Pelas projeções do mercado, a taxa básica
de juros ainda estará em 7%, em 2025, terceiro ano do novo mandato
presidencial. A inflação ficará em 3%. A meta para 2025 ainda é desconhecida. A
inflação estimada para 2022 acaba de passar de 5,85% para 6,45% (meta de
3,50%). A taxa projetada para 2023 subiu de 3,51% para 3,70% (meta de 3,25%). A
estimativa para 2024 subiu de 3,10% para 3,15% (meta de 3%). Diante disso, dos
juros previstos e do escasso potencial produtivo do Brasil, o mercado estima
crescimento econômico de 0,49% neste ano, 1,43% no próximo e 2% nos seguintes.
São prazos muito longos e problemas muito distantes para a visão e os
interesses do presidente Jair Bolsonaro, de seus ministros e de seus sempre
caríssimos aliados do Centrão.
A banalização da prisão preventiva
O Estado de S. Paulo.
Decisão que abranda a necessidade de
renovação periódica da prisão preventiva não pode ser autorização para abuso
Há no País uma situação peculiar, que
destoa inteiramente da realidade internacional. Mais de 30% da população
carcerária é composta por presos provisórios, que tiveram sua liberdade
restringida por força de uma ordem de custódia temporária.
Entre outros fatores, esse porcentual
revela uma Justiça excessivamente lenta para julgar, mas especialmente ágil
para tirar a liberdade com base em elementos provisionais. Para piorar, muitas
dessas prisões temporárias acabam por perder seu caráter de provisoriedade, em
razão do longo tempo transcorrido.
Às vezes, duram mais do que a própria pena
prevista para uma eventual condenação, numa situação absolutamente
contraditória com o Estado Democrático de Direito.
Diante desse quadro de banalização da
prisão preventiva e de pouco respeito pela liberdade individual, em 2019, o
Congresso modificou o Código de Processo Penal (CPP), tornando mais rigorosos
os requisitos para concessão e manutenção da prisão preventiva. Mais do que
propriamente inovar, o Legislativo exigiu, por expressa determinação legal, o
cumprimento das garantias constitucionais.
“A decisão que decretar a prisão preventiva
deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de
fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”,
dispôs a Lei 13.964/2019. Para assegurar o caráter provisório da prisão, o
Congresso também definiu que, “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão
emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias,
mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Em outubro de 2020, com base nesse último
dispositivo, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF),
concedeu habeas corpus em favor de André Oliveira Macedo, um traficante ligado
ao PCC. Como não havia tido a renovação da prisão e de seus fundamentos, a
medida foi considerada ilegal. Na ocasião, houve muitas críticas à decisão
liminar, e a ilegalidade tinha sido ocasionada pela omissão do Ministério
Público (MP) e do juiz do caso. O ministro Marco Aurélio tão somente aplicou a
lei, cujo teor é não apenas correto, mas essencial para assegurar a liberdade
de todos os cidadãos.
A reação à ordem de habeas corpus mostrou,
uma vez mais, que a quantidade de presos provisórios no País não é fruto do
acaso, mas resultado de uma mentalidade de pouco apreço pelas garantias
individuais, além de uma incompreensível tolerância com omissões do poder
público. Depois, o plenário do STF cassou a liminar de Marco Aurélio.
Agora, ao julgar duas ações, o Supremo
fixou entendimento de que a ausência da reavaliação da prisão preventiva no
prazo de 90 dias não implica a revogação automática da medida, devendo o juízo
competente ser acionado para analisar a legalidade e a atualidade dos
fundamentos da prisão.
Não se pode questionar, por certo, a
razoabilidade da orientação do Supremo. No entanto, deve-se advertir que a Lei
13.964/2019, cuja redação não conflita com a Constituição, diz o exato oposto.
Ou seja, o STF abrandou uma exigência definida pelo Legislativo em razão de
preferir outra solução. Reconheceu a necessidade de renovação periódica da
prisão preventiva, mas impediu que a ausência de renovação torne, por si só, a
prisão ilegal.
A explicitar seu ímpeto legislativo, o Supremo
definiu também que esse dispositivo da Lei 13.964/2019 não se aplica a algumas
prisões preventivas. A maioria dos ministros entendeu que, após condenação em
segunda instância, não é mais necessário renovar periodicamente os fundamentos
da medida restritiva, o que manifesta grave confusão entre a pena e a prisão
preventiva.
Que o novo entendimento do Supremo não
anule os propósitos civilizatórios e constitucionais da Lei 13.964/2019. Prisão
preventiva deve ser fundamentada e, por ser temporária, exige renovação
periódica de sua fundamentação. Esses requisitos não colocam em risco a
segurança pública, apenas requerem que o MP e a magistratura cumpram seus
respectivos deveres.
Uma chaga aberta
O Estado de S. Paulo.
Só a elucidação do caso Marielle amenizará
o sofrimento dos familiares e desarmará os inimigos da democracia
Ontem, completaram-se quatro anos dos
assassinatos de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Dois
acusados de serem os executores do duplo homicídio, o policial militar (PM)
reformado Ronnie Lessa e o ex-pm Élcio de Queiroz, estão presos há três anos,
ainda sem data para julgamento, mas até hoje não se sabe quem mandou matar a
vereadora carioca nem por quê. Enquanto não for conhecida a motivação para o
assassinato de uma parlamentar em pleno exercício do mandato e os responsáveis
pelo crime, mandante(s) e executores, não forem punidos com o rigor da lei, a
morte de Marielle permanecerá como uma chaga aberta na democracia
representativa brasileira.
A apuração do caso que chocou o País exigia
– como ainda exige – extrema prudência das autoridades de segurança pública por
envolver uma parlamentar, o que dá azo para a exploração de sua morte com
objetivos políticos. À época, apenas horas após o crime, o PT publicou uma
sórdida nota vinculando o assassinato de Marielle à situação penal de Lula da
Silva, então já um corrupto condenado pela Justiça, unindo ambos como vítimas
de “um cerco em meio à escalada do autoritarismo no País”.
A necessidade de agir com prudência, no
entanto, não justifica a lentidão da Polícia Civil do Rio de Janeiro para
esclarecer a identidade do mandante do crime, bem como sua motivação. Não se
pode condenar quem veja toda essa demora – afinal, já são quatro anos de
investigações – como resultado de pressões de qualquer natureza sobre aqueles
que têm o dever funcional de elucidar o duplo homicídio. A solução desse caso o
quanto antes beneficia as próprias autoridades de segurança pública, na medida
em que elimina especulações sobre a condução das investigações.
Mesmo em meio à dor causada pela tragédia,
a família da vereadora e seus amigos e correligionários não esmoreceram na
busca pelo encerramento do caso. Se, por um lado, a apuração parece ter parado
no tempo, por outro, os avanços conseguidos até aqui podem ser creditados, em
boa medida, à pressão da sociedade civil – e não apenas na capital fluminense,
mas em todo o País – sobre as autoridades policiais e o Ministério Público do
Rio de Janeiro (MP-RJ).
Policiais e promotores de Justiça agora
colhem novos depoimentos e apostam em novas tecnologias de investigação que
permitiriam um exame mais detalhado dos celulares apreendidos ao longo do
inquérito. “Temos revisitado todo o material produzido ao longo da
investigação”, afirmou Bruno Gangoni, coordenador do Grupo de Atuação Especial
no Combate ao Crime Organizado (Gaeco/rj). “As provas dessa investigação são muito
digitais. Os softwares hoje têm capacidade tecnológica muito maior do que na
época em que os aparelhos foram apreendidos. Todos estão sendo reavaliados na
tentativa de conseguirmos encontrar novas mensagens”, disse Gangoni ao Estadão.
Espera-se que esse novo esforço
investigativo dê resultado. Só a elucidação completa do crime amenizará o
sofrimento dos familiares e desarmará os oportunistas políticos e inimigos da
democracia.
Custo da energia seguirá alto, apesar da
melhora hídrica
Valor Econômico
A contratação das térmicas é uma das
despesas que vai se prolongar
As chuvas volumosas neste início de ano
causaram perdas humanas e desastres em algumas cidades do país. Mas, ao menos,
melhoraram o nível dos reservatórios de água depois da pior crise hídrica dos
últimos 91 anos ocorrida em 2021. Uma consequência natural seria a redução das
tarifas de energia elétrica, que tanto pesaram - e ainda pesam - no bolso do
brasileiro. Isso seria especialmente bem-vindo neste momento de escalada da
inflação. Essa expectativa, porém, pode ser frustrada ao menos parcialmente em
consequência dos erros do governo na administração da crise hídrica.
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico
(CMSE) informou que o armazenamento do Sistema Interligado Nacional (SIN)
atingiu 63,6% da capacidade na semana passada, acima do previsto no pior
cenário. A expectativa é que chegue a 68,2% do nível máximo da capacidade do
SIN ao fim do mês, percentual considerado confortável para enfrentar o início
do período de redução das chuvas mais à frente, em maio, que geralmente se
prolonga até outubro ou novembro.
A situação mais favorável permitiu que o
CMSE anunciasse a antecipação do retorno da navegação de embarcações na
hidrovia Tietê-Paraná, prevista para ser retomada gradualmente a partir desta
semana. Ela havia sido suspensa no auge da crise para poupar água para as
turbinas das hidrelétricas, interrompendo uma importante alternativa de
transporte de grãos.
Esses números são médios. Os registros são
melhores nos reservatórios do Norte e Nordeste, que devem chegar a 94,7% e
93,1% da capacidade, respectivamente, até o fim do mês. Na chamada caixa d’água
do país, nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, responsáveis por cerca de 70% da
geração de energia nacional, os reservatórios atingirão 63,3% da capacidade
instalada. No Sul, porém, persiste a escassez hídrica e a projeção do ONS é que
a capacidade de armazenamento dos reservatórios permaneça em 33%.
A situação mais segura no Sudeste e
Centro-Oeste leva o ONS a prever que os reservatórios dessas regiões chegarão
em agosto com 53% do armazenamento, o melhor nível desde 2013, e nada menos do
que 32,3 pontos percentuais acima do verificado no mesmo mês de 2021, no auge
da crise energética.
A melhoria levou o governo a reduzir o
acionamento das caras e poluentes usinas termelétricas a cerca de 8 mil
megawatts (MW) médios desde fevereiro, o equivalente a 40% do que estava sendo
usado em setembro de 2021, quando se atingiu o nível recorde de 20 mil MW
médios. Mas elas seguem em funcionamento por conta do nível baixo dos
reservatórios da região Sul. Por esse motivo também foi mantida a importação de
energia do Uruguai e da Argentina nessa região.
A contratação das térmicas é uma das
despesas que vai se prolongar. Para colocar algumas delas em funcionamento, o
Brasil precisou comprar no exterior o gás natural liquefeito (GNL). As
importações do produto saltaram 187% em 2021 e representam 27% do total de gás
consumido no país. No primeiro bimestre o volume importado aumentou 42% e os
preços saltaram 260% antes mesmo de refletirem totalmente o conflito no Leste
Europeu. Enquanto isso, a construção da infraestrutura para a exploração do gás
do pré-sal caminha a passos mais lentos do que o desejável.
Além da contratação das térmicas, a
bandeira de escassez hídrica criada na crise vai até abril. Como disse o
ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Edvaldo Santana, as
decisões que o governo tomou para enfrentar a crise hídrica “serão sentidas por
anos no bolso dos consumidores” (Valor,
4/3). Uma das contas mais salgadas é a das distribuidoras, que cobriram a
diferença entre o que o consumidor pagou e o custo real da energia. Além de
disso arcaram com as medidas de desestímulo ao consumo, como o programa de
incentivo à Redução Voluntária de Demanda (RVD). Santana calcula que “só da
crise passada, independentemente do valor do empréstimo às distribuidoras, os
consumidores vão pagar por cinco anos”.
Não há consenso sobre o total dessa conta.
Nos cálculos da Aneel, o empréstimo ao setor elétrico pode chegar a R$ 10,8
bilhões. Já o presidente da Abradee, associação das distribuidoras, Marcos
Madureira, calcula que as distribuidoras estão com déficit acumulado de R$ 12,4
bilhões até novembro. Qualquer que seja o valor, vai levar tempo para ser
amortizado pelo consumidor.
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