terça-feira, 15 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O impacto da educação é inequívoco

O Globo

Até há não muito tempo, o Brasil não fazia ideia do que se passava em suas salas de aulas. Sem medir, não havia diagnóstico possível. Uma das conquistas do país nas últimas três décadas foi a implementação de testes e índices para acompanhar a qualidade das escolas. Esse trabalho crucial acaba de ganhar uma contribuição. Um novo estudo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e do Insper criou um novo indicador, batizado Ideb-Enem, para medir a qualidade da educação do ensino fundamental ao médio. De modo pioneiro, os pesquisadores relacionaram esse índice aos indicadores sociais em nível municipal. O resultado confirma o efeito positivo dos investimentos em educação e demonstra mais uma vez por que se trata da área mais crítica para o futuro do país.

O índice é composto do percentual de alunos que entram no ensino fundamental com 6 ou 7 anos, não abandonam os estudos, não repetem nenhum ano e, ao concluir o ensino médio, se sentem motivados a fazer a prova do Enem. Leva em conta ainda a nota média desses alunos na prova. Os pesquisadores analisaram os estudantes em dois anos (2009 e 2014) e concluíram que o país avançou em todas as regiões, principalmente no Sudeste. Entre os estados, menção especial para Rio e Ceará. Entre as cidades de destaque, há bons exemplos em diferentes estados, como Valinhos (SP), Santa Rita do Sapucaí (MG), Nova Mutum (MT) ou Aracaju (SE).

Com os resultados em mãos, os pesquisadores averiguaram o impacto no mercado de trabalho, no ensino superior e nos índices de violência cinco anos depois do Enem. O resultado: a melhoria de um ponto percentual no índice está associada a um aumento de 15% nas matrículas em universidades, 200% na geração de empregos e a uma diminuição de 25% nos homicídios de jovens. Conclusão: os municípios que implementam melhorias de forma mais consistente elevaram a aprovação no ensino superior, criaram mais empregos e registraram queda na violência.

Nas cidades de melhor desempenho, a busca por avanços foi um trabalho de sucessivas administrações. Diferentes prefeitos e governadores mantiveram a continuidade dos investimentos e projetos. Para o país, é a lembrança de que uma boa educação espalha seus benefícios por diferentes esferas. Para a classe política, é uma lição: as decisões precisam ter consistência mesmo com a alternância de poder.

A reflexão baseada em experiências internacionais é sempre bem-vinda, mas, por vezes, turva o debate. Experimentos feitos em lugares distantes, com culturas, sindicatos de professores e níveis de vida distintos dos nossos, nem sempre podem ser adaptados. Como mostra o índice Ideb-Enem, porém, o Brasil conta com municípios e estados que conseguem se destacar e podem servir de inspiração para gestores públicos nos demais. Quando a educação se torna prioridade de Estado, independentemente da preferência política ou partidária, os resultados são inequívocos.

Regularização fundiária em favelas é bem-vinda, mas só titulação não basta

O Globo

A regularização fundiária de imóveis em favelas é promessa recorrente de políticos das mais diversas colorações partidárias. A despeito disso, tem avançado pouco ao longo das últimas décadas. Na capital fluminense, as habitações legalizadas pelo município correspondem a pouco mais de 1% dos 440.550 domicílios (Censo de 2010) em comunidades, como mostrou reportagem do GLOBO. O Rio é a segunda cidade do país com maior número absoluto de construções em favelas, atrás de São Paulo.

É bem-vinda a decisão do governo do estado de cadastrar famílias do Jacarezinho, na Zona Norte, e da Muzema, na Zona Oeste, por meio do Instituto de Terras do Rio de Janeiro (Iterj), como primeiro passo para a conceder títulos de propriedade aos moradores. As duas comunidades fazem parte do projeto Cidade Integrada, espécie de reformulação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que visa a aumentar a presença do Estado em áreas controladas por quadrilhas de traficantes (como no Jacarezinho) e milicianos (caso da Muzema). Indiretamente, a regularização afeta os negócios das milícias, que auferem lucro no mercado imobiliário ilegal.

A regularização fundiária não é problema que aflige só o Rio. Está em todas as grandes cidades onde se multiplicam as habitações irregulares. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar de São Paulo e Rio concentrarem o maior número absoluto de construções nessas áreas, proporcionalmente as duas maiores cidades do país são superadas por outras capitais. Belém, Manaus e Salvador lideram o ranking, com 55,5%, 53,4% e 41,8%, respectivamente, dos imóveis localizados em áreas informais.

Obviamente, fornecer títulos de propriedade a moradores de comunidades não é questão que se resolve de uma hora para outra. Coordenador de Regularização Fundiária do município do Rio, Bruno Queiroz afirma que, apesar de existir legislação que facilita a titulação, é preciso fazer longas pesquisas no Registro de Imóveis e ter certeza da desistência dos proprietários da área — cuja propriedade foi invadida no passado e que, por isso, precisam ser muitas vezes indenizados — antes de garantir o direito aos moradores. A solução não cabe no tempo de um mandato. Não importa. Deveria ser decisão de Estado, e não deste ou daquele governo com interesses eleitorais.

Regularizar habitações, desde que não estejam em áreas de risco ou de preservação ambiental, é levar cidadania a moradores que vivem à margem da cidade formal. Mas, evidentemente, não deve ser um fim em si. É uma das ações destinadas a aumentar a presença do Estado em áreas tomadas por organizações criminosas. Um título de propriedade em mãos não livrará os moradores do jugo do tráfico e da milícia, que cobram taxas sobre serviços essenciais e impõem o terror por meio de suas leis perversas. A titulação só trará benefício para essas populações se vier acompanhada de segurança, saúde, educação e outros serviços que faltam nas favelas.

Pandemia, 2

Folha de S. Paulo

Status global da Covid completa segundo ano entre ensaios de volta à normalidade

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarava o início da pandemia de Covid-19, doença infecciosa registrada inicialmente na China que, em pouco mais de três meses, fora capaz de se espraiar com espantosa rapidez por todos os continentes.

Nesses dois anos, a mais grave crise sanitária desde a gripe espanhola, um século atrás, produziu impactos profundos e possivelmente duradouros no planeta —da vida cotidiana à economia, passando pelos sistemas de saúde e pelas relações de trabalho.

Se é verdade que, onda após onda, o flagelo segue surpreendendo e ceifando um número assustador de vidas, também é fato que, desde então, fomos capazes de desenvolver armas eficazes o bastante para fazer frente a ele.

De acordo com os registros mundiais, o vírus causador da Covid já infectou cerca de 460 milhões de pessoas e provocou 6 milhões de mortes —a quantidade real pode ter sido o triplo da registrada, segundo estudo recém-publicado na revista científica Lancet.

No Brasil, estima o estudo, teríamos alcançado a trágica marca de 800 mil mortes, aproximadamente 150 mil a mais que as computadas nas estatísticas oficiais. Impossível não imaginar quantos brasileiros poderiam ter sido salvos caso não tivéssemos a infelicidade de contar com Jair Bolsonaro (PL) na Presidência.

Mais do que se omitir, o governo federal empenhou-se em sabotar todas as formas de prevenção da doença —numa combinação sórdida de irresponsabilidade, negacionismo e desprezo pela vida.

A chegada das vacinas, em fins de 2020, representou um ponto de virada na pandemia. Feito científico de proporções históricas, os imunizantes não só foram desenvolvidos em tempo recorde como se mostraram altamente eficazes ante a moléstia, oferecendo uma primeira possibilidade de saída da crise.

Esse inegável sucesso, entretanto, vem sendo contrabalançado pelo acesso desigual aos produtos. Enquanto 63,5% da população mundial já recebeu pelo menos uma primeira dose, nos países de baixa renda essa proporção ainda não chega a 15%.

Hoje, embora ainda não seja possível afirmar que a Covid-19 esteja sob controle, o cenário se mostra auspicioso em boa parte do mundo. O enfrentamento do Sars-CoV-2 vai deixando de ser a prioridade em vários países, que anunciam o fim das restrições, ensaiando um retorno à normalidade.

Por mais que o risco de surgimento de novas e mais perigosas variantes permaneça presente, os progressos e aprendizados dos últimos dois anos dão esperança de que, em breve, falaremos da pandemia apenas no passado.

Plano infértil

Folha de S. Paulo

Programas para a indústria de fertilizantes se repetem sem sucesso há décadas

O Brasil é, sabidamente, uma potência agrícola. Praticamente metade de soja, 30% do açúcar, 25% do café e 21% das carnes de aves exportadas no mundo são produzidos aqui. Em contraste com esses números, a indústria nacional de fertilizantes nunca decolou.

Esses insumos, vitais para a produtividade de solos tropicais pobres como o brasileiro, são importados. Cerca de 85% vêm de fora —o que, em circunstâncias normais, passa quase despercebido.

Nas últimas semanas, porém, a guerra na Ucrânia criou um gargalo na oferta global, especialmente de produtos a base de potássio da Rússia, segundo maior produtor desse insumo. A situação fez autoridades se mexerem, não necessariamente com boas ideias.

Na tentativa de mostrar alguma iniciativa, Jair Bolsonaro (PL), acompanhado de ministros, lançou o Plano Nacional de Fertilizantes, com a assinatura de um decreto que cria um conselho dedicado à implantação de medidas.

São muitas as sugestões elencadas no calhamaço de 195 páginas, mas é indisfarçável a propensão a receitas velhas e frequentes geradoras de distorções: elevação do Imposto de Importação, incentivos tributários e linhas de crédito favorecido por parte do BNDES.

Em paralelo, o governo insiste na ladainha pelo projeto que facilita a mineração em terras indígenas —mesmo sem dados que indiquem ser essa uma boa solução.

Planos de incentivo à produção doméstica de fertilizantes já foram tentados, sem sucesso, nos anos 1970, 1980 e 2010. Nenhum foi capaz de superar o problema singelo e central da falta de competitividade dessa indústria no Brasil.

Análise do Observatório da Mineração aponta que o setor sofre com a concentração em poucas empresas, baixo investimento em novas tecnologias e limitações da logística. O translado entre portos e fábricas, em muitos casos, é mais caro do que a importação.

Uma das limitações mais importantes é o elevado custo da energia —a produção de fertilizantes demanda alto uso de eletricidade. Ademais, parte da atividade ficou por anos em mãos estatais, com inibição de investimentos.

Decerto que essa indústria poderia se beneficiar de tributação mais racional, boa regulação, crédito mais abundante, melhor infraestrutura. São condições que valem para toda a economia e dependem de reformas nas quais o Brasil permanece atrasado.

Um legado sinistro para o novo governo

O Estado de S. Paulo.

Preços disparados, juros altos e baixo crescimento podem durar pelo menos até o meio do próximo mandato presidencial

A herança macabra deixada para o próximo governo incluirá inflação acima da meta, juros muito altos e economia emperrada, segundo projeções do mercado.

As expectativas, muito ruins desde o começo do ano, pioraram depois da invasão da Ucrânia, em reação à insegurança criada pelo autocrata Vladimir Putin e aos possíveis efeitos das sanções à Rússia. Já confrontado com enorme desarranjo de preços, o Brasil terá de enfrentar um caminho mais longo e mais difícil em busca da estabilização, de acordo com as últimas avaliações. Em uma semana subiu de 12,25% para 12,75% a taxa básica de juros prevista para o fim do ano. As estimativas para os dois anos seguintes – metade do mandato do próximo presidente – também se elevaram, atingindo 8,75% e 7,5%.

São números sinistros para quem tiver a pretensão de administrar o Brasil e conduzi-lo para fora da estagnação. Não é o caso do presidente Jair Bolsonaro e de seus companheiros, concentrados em medidas improvisadas, concebidas para efeitos eleitorais, com elevado custo fiscal e, na melhor hipótese, inúteis para a prosperidade e a saúde econômica.

Convertida em pandemia, a inflação poderá afetar a atividade financeira em várias economias importantes, dificultando a redução ou favorecendo a elevação de juros. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) tem de enfrentar uma alta de preços de 7,9% acumulada em 12 meses, a maior em quatro décadas. No Brasil, um surto inflacionário com taxa de 10,54% no período anual até fevereiro está na lista de problemas da autoridade monetária.

Nesta quarta-feira os bancos centrais dos dois países devem anunciar novas decisões sobre as taxas de referência. O Fed poderá iniciar um ciclo de aumentos, com um primeiro acréscimo de 0,25 ou 0,50 ponto porcentual. Neste momento, os juros básicos nos Estados Unidos estão na faixa de zero a 0,25%. No Brasil, a taxa básica, a Selic, deverá subir de 10,75% para 11,75%, segundo a maior parte das apostas.

De qualquer forma, a subida, de acordo com as apostas do mercado, deverá continuar, no Brasil, até 12,75%. Para cuidar dos problemas internos será preciso olhar também para fora. Qualquer aumento nos Estados Unidos poderá afetar o fluxo internacional de capitais e o mercado cambial. Isso limitará as ações dos bancos centrais no mundo emergente, dificultando, por algum tempo, qualquer suavização da política monetária.

Para afrouxar sua política, no entanto, os dirigentes do Banco Central terão de renunciar ao compromisso de levar a inflação à meta oficial até o fim do próximo ano. Essa mudança será justificável se o custo do ajuste – perda de crescimento econômico e prolongamento do desemprego – for considerado excessivo em relação aos benefícios.

As famílias serão triplamente afetadas pela inflação: 1) a alta de preços, muito sensível nas compras do dia a dia, continuará erodindo os ganhos de quem ainda tiver uma fonte de renda; 2) o custo do dinheiro, elevado pelo aperto monetário, tornará mais difícil o acesso a novas compras a crédito; e 3) financiamentos até para a liquidação de obrigações já assumidas poderão ser menos acessíveis. Os consumidores, principalmente os de baixa renda, serão afetados pela doença, a acelerada alta de preços, e pela medicação, os juros mais elevados.

Pelas projeções do mercado, a taxa básica de juros ainda estará em 7%, em 2025, terceiro ano do novo mandato presidencial. A inflação ficará em 3%. A meta para 2025 ainda é desconhecida. A inflação estimada para 2022 acaba de passar de 5,85% para 6,45% (meta de 3,50%). A taxa projetada para 2023 subiu de 3,51% para 3,70% (meta de 3,25%). A estimativa para 2024 subiu de 3,10% para 3,15% (meta de 3%). Diante disso, dos juros previstos e do escasso potencial produtivo do Brasil, o mercado estima crescimento econômico de 0,49% neste ano, 1,43% no próximo e 2% nos seguintes. São prazos muito longos e problemas muito distantes para a visão e os interesses do presidente Jair Bolsonaro, de seus ministros e de seus sempre caríssimos aliados do Centrão.

A banalização da prisão preventiva

O Estado de S. Paulo.

Decisão que abranda a necessidade de renovação periódica da prisão preventiva não pode ser autorização para abuso

Há no País uma situação peculiar, que destoa inteiramente da realidade internacional. Mais de 30% da população carcerária é composta por presos provisórios, que tiveram sua liberdade restringida por força de uma ordem de custódia temporária.

Entre outros fatores, esse porcentual revela uma Justiça excessivamente lenta para julgar, mas especialmente ágil para tirar a liberdade com base em elementos provisionais. Para piorar, muitas dessas prisões temporárias acabam por perder seu caráter de provisoriedade, em razão do longo tempo transcorrido.

Às vezes, duram mais do que a própria pena prevista para uma eventual condenação, numa situação absolutamente contraditória com o Estado Democrático de Direito.

Diante desse quadro de banalização da prisão preventiva e de pouco respeito pela liberdade individual, em 2019, o Congresso modificou o Código de Processo Penal (CPP), tornando mais rigorosos os requisitos para concessão e manutenção da prisão preventiva. Mais do que propriamente inovar, o Legislativo exigiu, por expressa determinação legal, o cumprimento das garantias constitucionais.

“A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”, dispôs a Lei 13.964/2019. Para assegurar o caráter provisório da prisão, o Congresso também definiu que, “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

Em outubro de 2020, com base nesse último dispositivo, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus em favor de André Oliveira Macedo, um traficante ligado ao PCC. Como não havia tido a renovação da prisão e de seus fundamentos, a medida foi considerada ilegal. Na ocasião, houve muitas críticas à decisão liminar, e a ilegalidade tinha sido ocasionada pela omissão do Ministério Público (MP) e do juiz do caso. O ministro Marco Aurélio tão somente aplicou a lei, cujo teor é não apenas correto, mas essencial para assegurar a liberdade de todos os cidadãos.

A reação à ordem de habeas corpus mostrou, uma vez mais, que a quantidade de presos provisórios no País não é fruto do acaso, mas resultado de uma mentalidade de pouco apreço pelas garantias individuais, além de uma incompreensível tolerância com omissões do poder público. Depois, o plenário do STF cassou a liminar de Marco Aurélio.

Agora, ao julgar duas ações, o Supremo fixou entendimento de que a ausência da reavaliação da prisão preventiva no prazo de 90 dias não implica a revogação automática da medida, devendo o juízo competente ser acionado para analisar a legalidade e a atualidade dos fundamentos da prisão.

Não se pode questionar, por certo, a razoabilidade da orientação do Supremo. No entanto, deve-se advertir que a Lei 13.964/2019, cuja redação não conflita com a Constituição, diz o exato oposto. Ou seja, o STF abrandou uma exigência definida pelo Legislativo em razão de preferir outra solução. Reconheceu a necessidade de renovação periódica da prisão preventiva, mas impediu que a ausência de renovação torne, por si só, a prisão ilegal.

A explicitar seu ímpeto legislativo, o Supremo definiu também que esse dispositivo da Lei 13.964/2019 não se aplica a algumas prisões preventivas. A maioria dos ministros entendeu que, após condenação em segunda instância, não é mais necessário renovar periodicamente os fundamentos da medida restritiva, o que manifesta grave confusão entre a pena e a prisão preventiva.

Que o novo entendimento do Supremo não anule os propósitos civilizatórios e constitucionais da Lei 13.964/2019. Prisão preventiva deve ser fundamentada e, por ser temporária, exige renovação periódica de sua fundamentação. Esses requisitos não colocam em risco a segurança pública, apenas requerem que o MP e a magistratura cumpram seus respectivos deveres.

Uma chaga aberta

O Estado de S. Paulo.

Só a elucidação do caso Marielle amenizará o sofrimento dos familiares e desarmará os inimigos da democracia

Ontem, completaram-se quatro anos dos assassinatos de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Dois acusados de serem os executores do duplo homicídio, o policial militar (PM) reformado Ronnie Lessa e o ex-pm Élcio de Queiroz, estão presos há três anos, ainda sem data para julgamento, mas até hoje não se sabe quem mandou matar a vereadora carioca nem por quê. Enquanto não for conhecida a motivação para o assassinato de uma parlamentar em pleno exercício do mandato e os responsáveis pelo crime, mandante(s) e executores, não forem punidos com o rigor da lei, a morte de Marielle permanecerá como uma chaga aberta na democracia representativa brasileira.

A apuração do caso que chocou o País exigia – como ainda exige – extrema prudência das autoridades de segurança pública por envolver uma parlamentar, o que dá azo para a exploração de sua morte com objetivos políticos. À época, apenas horas após o crime, o PT publicou uma sórdida nota vinculando o assassinato de Marielle à situação penal de Lula da Silva, então já um corrupto condenado pela Justiça, unindo ambos como vítimas de “um cerco em meio à escalada do autoritarismo no País”.

A necessidade de agir com prudência, no entanto, não justifica a lentidão da Polícia Civil do Rio de Janeiro para esclarecer a identidade do mandante do crime, bem como sua motivação. Não se pode condenar quem veja toda essa demora – afinal, já são quatro anos de investigações – como resultado de pressões de qualquer natureza sobre aqueles que têm o dever funcional de elucidar o duplo homicídio. A solução desse caso o quanto antes beneficia as próprias autoridades de segurança pública, na medida em que elimina especulações sobre a condução das investigações.

Mesmo em meio à dor causada pela tragédia, a família da vereadora e seus amigos e correligionários não esmoreceram na busca pelo encerramento do caso. Se, por um lado, a apuração parece ter parado no tempo, por outro, os avanços conseguidos até aqui podem ser creditados, em boa medida, à pressão da sociedade civil – e não apenas na capital fluminense, mas em todo o País – sobre as autoridades policiais e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ).

Policiais e promotores de Justiça agora colhem novos depoimentos e apostam em novas tecnologias de investigação que permitiriam um exame mais detalhado dos celulares apreendidos ao longo do inquérito. “Temos revisitado todo o material produzido ao longo da investigação”, afirmou Bruno Gangoni, coordenador do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco/rj). “As provas dessa investigação são muito digitais. Os softwares hoje têm capacidade tecnológica muito maior do que na época em que os aparelhos foram apreendidos. Todos estão sendo reavaliados na tentativa de conseguirmos encontrar novas mensagens”, disse Gangoni ao Estadão.

Espera-se que esse novo esforço investigativo dê resultado. Só a elucidação completa do crime amenizará o sofrimento dos familiares e desarmará os oportunistas políticos e inimigos da democracia.

Custo da energia seguirá alto, apesar da melhora hídrica

Valor Econômico

A contratação das térmicas é uma das despesas que vai se prolongar

As chuvas volumosas neste início de ano causaram perdas humanas e desastres em algumas cidades do país. Mas, ao menos, melhoraram o nível dos reservatórios de água depois da pior crise hídrica dos últimos 91 anos ocorrida em 2021. Uma consequência natural seria a redução das tarifas de energia elétrica, que tanto pesaram - e ainda pesam - no bolso do brasileiro. Isso seria especialmente bem-vindo neste momento de escalada da inflação. Essa expectativa, porém, pode ser frustrada ao menos parcialmente em consequência dos erros do governo na administração da crise hídrica.

O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) informou que o armazenamento do Sistema Interligado Nacional (SIN) atingiu 63,6% da capacidade na semana passada, acima do previsto no pior cenário. A expectativa é que chegue a 68,2% do nível máximo da capacidade do SIN ao fim do mês, percentual considerado confortável para enfrentar o início do período de redução das chuvas mais à frente, em maio, que geralmente se prolonga até outubro ou novembro.

A situação mais favorável permitiu que o CMSE anunciasse a antecipação do retorno da navegação de embarcações na hidrovia Tietê-Paraná, prevista para ser retomada gradualmente a partir desta semana. Ela havia sido suspensa no auge da crise para poupar água para as turbinas das hidrelétricas, interrompendo uma importante alternativa de transporte de grãos.

Esses números são médios. Os registros são melhores nos reservatórios do Norte e Nordeste, que devem chegar a 94,7% e 93,1% da capacidade, respectivamente, até o fim do mês. Na chamada caixa d’água do país, nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, responsáveis por cerca de 70% da geração de energia nacional, os reservatórios atingirão 63,3% da capacidade instalada. No Sul, porém, persiste a escassez hídrica e a projeção do ONS é que a capacidade de armazenamento dos reservatórios permaneça em 33%.

A situação mais segura no Sudeste e Centro-Oeste leva o ONS a prever que os reservatórios dessas regiões chegarão em agosto com 53% do armazenamento, o melhor nível desde 2013, e nada menos do que 32,3 pontos percentuais acima do verificado no mesmo mês de 2021, no auge da crise energética.

A melhoria levou o governo a reduzir o acionamento das caras e poluentes usinas termelétricas a cerca de 8 mil megawatts (MW) médios desde fevereiro, o equivalente a 40% do que estava sendo usado em setembro de 2021, quando se atingiu o nível recorde de 20 mil MW médios. Mas elas seguem em funcionamento por conta do nível baixo dos reservatórios da região Sul. Por esse motivo também foi mantida a importação de energia do Uruguai e da Argentina nessa região.

A contratação das térmicas é uma das despesas que vai se prolongar. Para colocar algumas delas em funcionamento, o Brasil precisou comprar no exterior o gás natural liquefeito (GNL). As importações do produto saltaram 187% em 2021 e representam 27% do total de gás consumido no país. No primeiro bimestre o volume importado aumentou 42% e os preços saltaram 260% antes mesmo de refletirem totalmente o conflito no Leste Europeu. Enquanto isso, a construção da infraestrutura para a exploração do gás do pré-sal caminha a passos mais lentos do que o desejável.

Além da contratação das térmicas, a bandeira de escassez hídrica criada na crise vai até abril. Como disse o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Edvaldo Santana, as decisões que o governo tomou para enfrentar a crise hídrica “serão sentidas por anos no bolso dos consumidores” (Valor, 4/3). Uma das contas mais salgadas é a das distribuidoras, que cobriram a diferença entre o que o consumidor pagou e o custo real da energia. Além de disso arcaram com as medidas de desestímulo ao consumo, como o programa de incentivo à Redução Voluntária de Demanda (RVD). Santana calcula que “só da crise passada, independentemente do valor do empréstimo às distribuidoras, os consumidores vão pagar por cinco anos”.

Não há consenso sobre o total dessa conta. Nos cálculos da Aneel, o empréstimo ao setor elétrico pode chegar a R$ 10,8 bilhões. Já o presidente da Abradee, associação das distribuidoras, Marcos Madureira, calcula que as distribuidoras estão com déficit acumulado de R$ 12,4 bilhões até novembro. Qualquer que seja o valor, vai levar tempo para ser amortizado pelo consumidor.

 

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