terça-feira, 15 de março de 2022

Andrea Jubé: Uma eleição entre o ideal e o pragmático

Valor Econômico

“Cidadão de bem” é consenso entre esquerda e direita

 “Eu não escolho lados, eu escolho oportunidades”. A frase é atribuída ao gângster Meyer Lansky (1902-1983), um imigrante russo, que se tornou um dos criminosos mais perseguidos pela polícia americana (FBI) ao acumular uma fortuna de mais de US$ 300 milhões, fruto de suas escolhas não convencionais. O ator Harvey Keitel, que o interpretou no cinema, concorre ao Oscar 2022 pelo papel.

Vertendo-se a máxima do personagem à realidade política brasileira, vale indagar: na eleição de outubro, o eleitor vai escolher um lado, ou uma oportunidade? Definirá o voto impulsionado por uma determinada ideologia, ou embalado pela perspectiva de melhora de vida?

O Instituto Locomotiva foi a campo investigar se o eleitor brasileiro tem lado na política, ou o que pesa em sua decisão dentro da cabine eleitoral são os dramas cotidianos, como o preço dos alimentos, do gás de cozinha, e, claro, da gasolina ou do diesel. O eleitor brasileiro é um radical ou um pragmático?

O resultado dessa pesquisa, publicado na edição de ontem do Valor, mostrou que mais de um terço da população (36%), ou 60 milhões de brasileiros com mais de 16 anos, não se identificam com nenhuma ideologia política.

O restante dos entrevistados que concordou em se posicionar dentro de uma escala ideológica com sete graduações, ficou assim distribuído: 18% são de extrema-direita, 6% de direita, 8% de centro-direita, 10% de centro, 4% de centro-esquerda, 4% de esquerda e 13% de extrema-esquerda.

Muito além da revelação dessa massa de “nem nem”, os desdobramentos da pesquisa trouxeram outras descobertas curiosas. Por exemplo: quando o participante da pesquisa é pressionado a se posicionar entre um dos dois polos, 58% dos entrevistados responderam que se veem “mais à direita” do espectro político, enquanto 42% se colocaram “mais à esquerda”.

Ou seja, a conclusão elementar (meu caro Watson) é de que a maioria da população adulta brasileira se identifica mais com os valores atribuídos à direita.

Porém, como dois e dois são cinco, os resultados da pesquisa evidenciam que, a despeito do autoposicionamento dos entrevistados de um lado ou de outro, os conceitos de esquerda e direita - na acepção científica dos termos, pela sociologia, filosofia ou ciência política -, são noções difusas, que escapam ao pleno discernimento do eleitor.

As respostas obtidas pelo levantamento sugerem que no grupo que se declarou “mais à direita”, existem eleitores que o senso comum identificaria como pertencentes ao espectro político da esquerda. E vice-versa.

“O principal indicador disso é que diferentemente do que prega o senso comum, a sociedade brasileira é menos ideológica que se pensa”, afirma o coordenador da pesquisa e presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles.

O levantamento demonstrou, por exemplo, que 51% dos brasileiros que residem no Nordeste, um notório feudo eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da esquerda, posicionaram-se “mais à direita”.

Entre os negros, 55% afirmaram identificar-se com os valores de direita. Um dado que surpreende por se tratar de uma população que, pelos conceitos da sociologia e da ciência política, insere-se no grupo das minorias - um segmento cujas bandeiras são tradicionalmente hasteadas por políticos de esquerda.

Entre as mulheres, um dos alvos principais dessa campanha por constituírem a maioria do eleitorado, 54% se colocaram à direita. Entre os jovens de 18 a 29 anos, o percentual foi idêntico: 54% veem-se à direita.

Em uma lista com mais de 20 termos habitualmente utilizados nas conversas políticas, como direita, esquerda, fascista, feminista, petista, tucano, progressista, liberal, conservador, comunista, geraram maior identificação política entre os brasileiros: “cidadão de bem” (opção de 47% dos entrevistados); anticorrupção (33% dos entrevistados); e antirracista (22%).

No grupo que se declarou “mais à esquerda”, 21% considera-se um cidadão de bem, uma terminologia habitualmente associada aos nichos mais conservadores da sociedade.

Segundo Renato Meirelles, o “cidadão de bem”, termo de consenso entre esquerda e direita, é a definição daquele cidadão que acorda cedo para trabalhar muito, está mais interessado em resolver a vida dele do que ficar nos bares discutindo política, quer ganhar o seu dinheiro, construir o seu negócio, ver o filho na faculdade, quer uma ceia de Natal em que a família se reúna sem brigas.

A pesquisa revelou que pessoas que se identificaram “mais à esquerda” defendem bandeiras tradicionalmente associadas à direita. Por exemplo, 25% dos que se colocam à esquerda afirmam que mais pessoas deveriam ter acesso ao porte de armas - um dos temas principais do programa de governo do presidente Jair Bolsonaro.

De igual forma, 41% do grupo que se declarou de esquerda acha que as escolas públicas deveriam ter ensino religioso, sendo que normalmente, esse campo político sustenta que o Estado seja laico.

Em contrapartida, no grupo que se posicionou à direita, 44% acreditam que o Estado brasileiro deva ser laico e 28% acham que a polícia comete excessos e deveria ser menos violenta. Laicicismo do Estado brasileiro e combate à violência policial são temas normalmente associados ao espectro da esquerda.

Para Meirelles, essa confusão de conceitos explicaria, por exemplo, porque o eleitor evangélico de Bolsonaro de hoje era o eleitor evangélico de Lula no passado.

“O Lula é a representação da melhora de qualidade de vida que eles tiveram no passado, o Lula fala pra esse eleitor na economia [do dia-a-dia], na educação. O Bolsonaro fala pra esse eleitor no campo dos costumes”, diz o pesquisador.

Meirelles afirma que a demarcação do “território de batalha” da eleição - se no campo da economia ou dos costumes -, é crucial, porque desse “front” emergirá o próximo presidente da República.

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