sexta-feira, 11 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Norte para o STF deveria sempre ser o comedimento

O Globo

Duas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) trazem certo alívio em relação a uma questão, ao mesmo tempo, espinhosa e crítica para o futuro da democracia brasileira: o risco representado pelo ativismo judicial.

Na primeira, o Supremo manteve o trecho do Orçamento que destinou R$ 4,9 bilhões ao fundo eleitoral deste ano. Embora o relator, ministro André Mendonça, tivesse em seu voto de estreia defendido uma posição mais razoável dos pontos de vista político e moral — limitar o fundo aos valores de 2018 corrigidos pela inflação —, o Supremo não tem autonomia para mexer em destinações orçamentárias, atribuição constitucional do Parlamento.

Na segunda decisão, a Corte se recusou a rever o prazo que a Lei da Ficha Limpa estabeleceu para a inelegibilidade dos condenados: oito anos depois do cumprimento da pena. Como o STF já se pronunciara sobre a lei e, de lá para cá, não houve nada que justificasse reexaminar a questão, os ministros novamente se contiveram. Nem deram conhecimento à liminar do ministro Nunes Marques, que estipulava prazo de oito anos depois da condenação.

Ambos os casos refletem um espírito que deveria ser mais frequente entre os ministros: o comedimento. É o oposto do ativismo judicial, tentação comum às Cortes supremas — e não apenas no Brasil — quando se investem de poder político sem o respectivo mandato popular. Se o Judiciário se põe a querer fazer as leis no lugar do Legislativo, é a democracia que sai perdendo.

O mais comum é isso acontecer com temas que os parlamentares resistem a enfrentar em razão do alto custo de imagem. As Cortes são invariavelmente provocadas e acabam por avançar sobre o vazio deixado pelo Parlamento. Casos citados com frequência são as decisões sobre aborto nos Estados Unidos ou o casamento entre homossexuais aqui no Brasil. Mas o ativismo judicial não se limita à esfera comportamental nem se restringe às omissões do Congresso.

Na situação peculiar vivida pela democracia brasileira diante da ameaça representada pelo bolsonarismo, não foram poucas as vezes em que o STF cruzou uma linha perigosa e, ainda que sob argumentos nobres, invadiu atribuições de outras instituições. A prisão de parlamentares protegidos pela imunidade sem aval do Congresso ou a abertura de inquéritos sem a participação da Procuradoria-Geral da República (PGR), mesmo que com o objetivo de preservar a ordem democrática, são medidas que violam a arquitetura institucional da nossa democracia.

O risco dessas decisões determinadas pelas circunstâncias políticas é que as consequências poderão vir mais adiante. Carregaremos uma herança que terá impacto na democracia brasileira. A ambivalência criada em tais situações pode abrir espaço à criminalização futura de condutas sem legislação específica para isso.

É imenso o poder concentrado nos ministros do Supremo. Para descrevê-lo, o jurista Gustavo Binenbojm costuma recorrer a uma frase célebre: “O Supremo é o juiz último da autoridade dos demais Poderes, por isso acaba sendo o juiz único de sua própria autoridade”. Mas a Constituição atribui aos ministros o dever de fazer escolhas de natureza jurídica, não política. Nessas condições, o norte para eles num regime democrático sempre deveria ser o comedimento — exatamente como fizeram nas duas decisões recentes.

Projeto que libera mineração em terra indígena demanda debate mais amplo

O Globo

Não se justifica a pressa do governo em apreciar o projeto que libera a mineração em terras indígenas. Na quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou urgência para a votação da proposta, parada na Casa desde 2020. Para acelerar a tramitação, o tema poderá ser submetido a plenário sem passar pelas comissões. Não é o caminho mais adequado para um projeto que mobiliza a sociedade e que, por isso mesmo, deveria demandar um debate racional, sem preconceitos, sobre tema tão sensível aos brasileiros.

A urgência tem sido justificada pelo presidente Jair Bolsonaro com o pretexto da Guerra da Ucrânia e das sanções impostas pelo Ocidente à Rússia e à Bielorrúsia, principais fornecedores de fertilizantes ao Brasil. O problema preocupa o agronegócio pelos impactos que pode causar já no plantio da próxima safra, entre setembro e outubro. Mas não é demanda nova. A dependência do mercado externo — o país importa 85% dos fertilizantes — tem aumentado nos últimos anos sem que se tenha buscado alternativa para alcançar a autossuficiência ou ao menos reduzir a importação. Somente agora, instado pela guerra, o governo se dispôs a lançar o Plano Nacional de Fertilizantes, que prevê medidas para aumentar a anêmica produção nacional.

A principal alegação de Bolsonaro para defender a mineração em terras indígenas é que ela poderia tornar viável a exploração de jazidas de potássio, matéria-prima usada na produção de fertilizantes. É um argumento frágil. Dados do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (Lagesa) com informações da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostram que 78% das reservas de potássio no país (estimadas em 1,1 bilhão de toneladas) estão fora da Amazônia. Apenas 11%, em terras indígenas não homologadas. As maiores jazidas ficam em Minas Gerais.

Por mais que a tramitação do projeto desperte debates acalorados e protestos barulhentos, é preciso discuti-lo sem paixões. O maior incentivo para as atividades ilegais é a falta de regulamentação. E a exploração mineral irregular é uma realidade na Amazônia, com efeitos perversos no meio ambiente e em populações locais. O desmantelamento dos órgãos ambientais no governo Bolsonaro reduz a capacidade de fiscalização e faz as atividades clandestinas prosperarem, contribuindo para um vale-tudo. Nessa confusão, a regulamentação é bem-vinda.

Não há dúvida de que Bolsonaro está usando de forma oportunista a Guerra da Ucrânia para aprovar um projeto que defendia desde quando era deputado. É fato também que ele infla dados sobre possíveis jazidas em terras indígenas para justificá-lo. Mas essa é apenas parte da questão. A proposta existe e deve ser analisada de forma técnica, com seus prós e contras. As manifestações dos diversos setores — ruralistas, ambientalistas, representantes dos povos indígenas, parlamentares — são legítimas e devem servir para robustecer as discussões. Independentemente da guerra na Ucrânia e da submissão ao mercado externo de fertilizantes, a regulamentação da mineração no Brasil é um debate que se impõe.

Corpo em formação

Folha de S. Paulo

Montagem de coalizão lulista avança, ainda sem projeto que lhe dê consistência

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu novos passos na construção da coalizão partidária ampla que deseja para lançar sua candidatura presidencial, mas sem conseguir remover alguns obstáculos no seu caminho.

Anunciou-se na quarta-feira (9) a formação de uma federação partidária em que os petistas se associarão ao PC do B e ao PV, duas siglas pequenas e ameaçadas de extinção, que esperam ganhar sobrevida ao lado dos petistas.

O PSB, legenda de maior porte que também participava das discussões, decidiu ficar fora da união. O partido segue disposto a apoiar Lula na corrida presidencial, mas prefere ficar com as mãos livres para ter candidaturas próprias em alguns estados —o que seria inviável se entrasse na federação.

Foi determinante para esse desfecho o impasse nas negociações em São Paulo, onde o PT quer o ex-prefeito Fernando Haddad na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes e o PSB pretende lançar o ex-governador Márcio França.

O desencontro não deverá impedir que Lula tenha como companheiro de chapa o ex-governador Geraldo Alckmin, que deixou o PSDB e está prestes a assinar a ficha de filiação ao PSB para ser candidato a vice-presidente.

Ao selar uma aliança com o adversário que derrotou nas eleições presidenciais de 2006, Lula busca oferecer uma demonstração convincente de sua disposição ao diálogo com outras forças políticas para enfrentar Jair Bolsonaro (PL) e montar um novo governo.

Ainda assim, o embaraço com o PSB serve para mostrar que o percurso até o pleito de outubro tende a ser mais acidentado do que os apoiadores mais otimistas de Lula poderiam imaginar, dada a vantagem apontada pelos institutos de pesquisa até agora.

Pesou na decisão do PSB de ficar fora da federação o desconforto com a índole hegemônica do PT, que no passado afastou aliados naturais do partido e elevou o custo de alianças com agremiações de natureza mais fisiológica.

Novas tensões tendem a aflorar na frente lulista nos próximos meses. Se as correntes mais radicais do PT não escondem seu descontentamento com a escolha de Alckmin, é questão de tempo para que os recém-chegados à caravana comecem a se manifestar.

O ex-presidente tem sido vago ao discorrer sobre o que planeja fazer para tirar o país da estagnação econômica e enfrentar os desafios deixados pela pandemia e pelo governo Bolsonaro.

Se compromissos genéricos parecem suficientes por ora para aglutinar a frente de oposição, será difícil consolidá-la sem compromissos mais sólidos do que os apresentados ao eleitorado até aqui.

Vizinho ingovernável

Folha de S. Paulo

Fragmentação política e presidente despreparado mantêm Peru em crise permanente

A instabilidade política no Peru vem atingindo patamares espantosos até para um país que, desde 2016, colecionou cinco chefes de Estado e três Congressos diferentes.

Os acontecimentos recentes indicam que o presidente Pedro Castillo, empossado em julho do ano passado, não apenas tem se mostrado incapaz de frear a decomposição institucional —resultante da fragmentação das forças partidárias— como sua atuação canhestra e errática agrava o processo.

Nesta semana, o Parlamento concedeu o voto de confiança ao quarto gabinete ministerial formado pelo mandatário em somente sete meses de governo. Ao todo, já são 30 as trocas ministeriais promovidas por Castillo.

No Peru o primeiro escalão do Poder Executivo, após ser nomeado pelo presidente, ainda precisa ser confirmado pelo Congresso. A aprovação se deu com 64 votos a favor, 58 contra e 2 abstenções; como nas vezes anteriores, foi marcada por longo e tenso debate.

Chefiado por Aníbal Torres, que ocupava a pasta da Justiça, o novo gabinete foi formado poucos dias após o terceiro, encabeçado por Héctor Valer, ter sido anunciado.

Valer se viu envolto em denúncias de violência doméstica logo depois da nomeação. Diante da forte rejeição suscitada pelo seu nome e dos sinais de que o Congresso não iria confirmá-lo, o presidente peruano optou por demiti-lo.

Com a popularidade declinante, hoje abaixo de 30%, Castillo buscou então restabelecer as relações com o líder do Perú Libre, partido de extrema esquerda pelo qual se elegeu, mas com o qual mantém uma relação conturbada.

O acerto mais recente trouxe figuras no mínimo controversas ao novo gabinete —como um ministro da Saúde promotor de pseudociência e um da Justiça acossado por 70 denúncias de negligência quando atuava como procurador.

Como se não bastasse, o Congresso, dominado por partidos à direita, vem manobrando desde o ano passado para remover o presidente. Após escapar em dezembro de uma moção de vacância que poderia redundar na sua destituição, Castillo vê-se às voltas com uma nova ofensiva da oposição, que o acusa de 20 infrações constitucionais e supostos atos de corrupção.

Nesse contexto de crise permanente, a paralisia administrativa torna-se regra —e a busca imediata por sobrevivência política termina se impondo ao próprio imperativo de governar o país.

STF defende a lei e a jurisprudência

O Estado de S. Paulo.

Ao rejeitar ação do PDT contra o prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, o STF defendeu as atribuições do Congresso e a estabilidade de sua jurisprudência

Não raro, o Supremo Tribunal Federal (STF) é acusado de favorecer políticos corruptos e de mudar sua jurisprudência conforme as circunstâncias do momento. Essa crítica é bastante difundida, por exemplo, entre bolsonaristas. Pois bem, ao julgar uma ação proposta pelo PDT, que tentava abrandar a punição prevista na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar – LC – 135/2010), a Corte fez o exato oposto, protegendo sua prévia orientação jurisprudencial e mantendo integralmente o rigor da lei.

O PDT pretendia que o tempo de inelegibilidade previsto pela LC 135/2010 começasse a ser contado desde o início do cumprimento da pena, e a lei refere-se expressamente a “prazo de oito anos após o cumprimento da pena”. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 6630 era, portanto, uma tentativa de encurtar o retorno à vida política de pessoas condenadas pela Justiça e barradas pela Lei da Ficha Limpa por meio de uma interpretação criativa do STF.

Ao julgar o caso, o Supremo não entrou no mérito da Adin 6630. Por maioria de votos, o plenário do STF entendeu que o pedido por si só era inadmissível, uma vez que o dispositivo questionado tinha sido declarado constitucional pela Corte em 2012, no julgamento de outra ação. Com isso, a inelegibilidade permanece desde a condenação em segunda instância até oito anos após o cumprimento da pena, como dispõe a lei.

No julgamento, lembrou-se a jurisprudência do próprio STF a respeito da estabilidade das decisões judiciais. Não cabe ação de controle de constitucionalidade contra norma já declarada constitucional sem que tenha havido alterações fáticas ou jurídicas relevantes que justifiquem rediscutir o tema. Dessa forma, a decisão do Supremo expôs o absurdo da ação proposta pelo PDT, pedindo o oposto do que a lei dispõe e do que a jurisprudência prevê.

Deve-se notar que, diferentemente da maioria, o relator da Adin 6630, ministro Nunes Marques, achou que o pedido era sensato. Tanto é assim que, em dezembro de 2020, o ministro indicado por Jair Bolsonaro concedeu liminar monocrática, suspendendo o trecho da lei em relação aos processos de registro de candidatura das eleições municipais daquele ano. Ou seja, o bolsonarismo reclama que o Supremo é brando com os políticos e que seus integrantes agem excessivamente de forma individual, enfraquecendo o caráter colegiado da Corte. No entanto, quem atuou no caso exatamente assim – e, para piorar, contrariando a jurisprudência do próprio Supremo – foi o ministro escolhido por Jair Bolsonaro.

A Lei da Ficha Limpa tem sérios problemas de redação, o que suscitou diversas dúvidas e questionamentos na Justiça. Ao longo do tempo, o Judiciário defendeu, em boa medida, a aplicação da lei contra as tentativas de amenizar o seu rigor. A bem da verdade, a LC 135/2010 não tem nada de severa. Suas disposições trazem requisitos que, tivesse o eleitor uma postura de maior responsabilidade diante das urnas, seriam inteiramente dispensáveis. Basta pensar, por exemplo, que a Lei da Ficha Limpa torna inelegível quem foi condenado em segunda instância por “crimes de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos” ou “crimes contra a vida e a dignidade sexual”. Ora, precisar de uma lei para impedir que esse tipo de gente ingresse na política diz muito sobre a democracia e a consciência cívica vigentes.

De toda forma, apesar de suas imperfeições e limitações, a Lei da Ficha Limpa segue em vigor e, não se pode negar, tem contribuído para uma maior moralidade da política. Eventuais correções da lei devem ser estudadas e realizadas no Congresso. Sem ter atribuição constitucional para reescrever a legislação, o Supremo faz apenas e tão somente o controle de constitucionalidade, o que, no caso da LC 135/2010, já foi realizado.

O STF fez bem em rejeitar a Adin 6630. A decisão da Corte foi importante não apenas por respeitar as atribuições do Legislativo, mas também por defender a estabilidade da jurisprudência, o que significa respeito pelo próprio Supremo.

Estranha urgência

O Estado de S. Paulo.

Projeto que libera mineração em áreas demarcadas não só não é ‘urgente’, como, se aprovado, significará retrocesso na proteção ambiental

A Câmara dos Deputados ignorou olimpicamente os apelos de segmentos da sociedade que se manifestaram em Brasília no dia 9 passado e aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que libera a exploração de minérios em terras indígenas demarcadas. Foram 279 votos favoráveis, 180 contrários e 3 abstenções. Ato contínuo, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-A), constituiu um grupo de trabalho responsável por analisar o mérito da matéria. Lira, um dos mais ardorosos defensores desse projeto, pretende colocá-lo em votação entre os dias 12 e 14 de abril.

Aprovar a urgência de um projeto de lei significa que a matéria pode ir a votação em plenário sem ter de passar antes pelo crivo de comissões temáticas. A rigor, isso enfraquece o debate democrático, pois é justamente nessas comissões, ao longo de um bom número de sessões, que todas as partes interessadas na matéria apresentam seus argumentos favoráveis ou contrários. O produto final que chega ao plenário é, pois, um projeto amadurecido por essas discussões prévias. Por isso, em qualquer democracia saudável, o regime de urgência deve ser a exceção, não a regra.

Há casos em que, de fato, a urgência de determinado projeto de lei é tal que justifica o sacrifício do debate mais aprofundado. Mas, definitivamente, este não é o caso do PL 191/2020. É preciso deixar claro que toda a discussão a respeito da suposta “urgência” do projeto em questão é falaciosa, está baseada em uma mentira propalada pelo presidente Jair Bolsonaro e encampada, convenientemente, por seus aliados políticos do Centrão e pelos que têm interesse econômico na lavra de minérios em áreas protegidas. Para toda essa turma, a “urgência” da aprovação do PL 191/2020 estaria justificada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, fato que tem o potencial de prejudicar o acesso do Brasil aos fertilizantes que o País importa – 85% do volume de fertilizantes aplicados nas lavouras brasileiras vêm do exterior, e os russos responderam por 23,3% das importações de adubo em 2021.

Uma das principais matérias-primas para a produção de fertilizantes agrícolas é o potássio. Em defesa do PL 191/2020, Bolsonaro argumenta que a exploração do mineral existente nas minas “em áreas indígenas” é fundamental para tornar o Brasil “autossuficiente na produção de fertilizantes” e, assim, não ficar tão vulnerável a eventos externos, como a guerra de agressão à Ucrânia. O presidente da República chegou a tratar o conflito imoral provocado por Vladimir Putin como uma “boa oportunidade” para o Brasil. Mas seu argumento não se sustenta. Na verdade, escamoteia suas reais intenções.

Em primeiro lugar, a maioria das minas de potássio na Região Amazônica está localizada fora das áreas indígenas demarcadas. A apuração foi feita pelo Estadão com base nos registros de pedidos de pesquisa e lavra de potássio ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM). Grande parte delas, na verdade, está na Região Sudeste. Isso mostra que é rigorosamente falso o argumento de Bolsonaro segundo o qual o potássio “abundante” em terras indígenas não poderia ser explorado por força da restrição legal. Além disso, um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que as reservas de potássio que existem no Brasil são suficientes para sustentar o agronegócio no País até 2100. Mesmo sem explorar as minas de potássio na Região Amazônica, a autonomia estaria garantida até 2089.

Como se vê, pode-se perfeitamente explorar as minas de potássio já mapeadas, e para as quais existem títulos minerários emitidos, sem enganar a população e abrir ainda mais espaço para o cometimento de crimes como garimpo ilegal, grilagem de terras e violação de direitos de povos indígenas. Basta cumprir os requisitos de exploração mineral e as regras de compensação ambiental já previstos em lei.

A defesa da “urgência” do PL 191/2020 usando a guerra como subterfúgio é malandragem para aprovação de um projeto que há muito é do interesse de Bolsonaro, conhecido por seu apreço pelo garimpo e por seu desapreço pelos indígenas, e altamente contrário ao interesse público.

Petrobras faz fortes reajustes e Senado vota mudanças

Valor Econômico

As previsões de inflação se deslocam em direção a 7% no ano

Os megarreajustes de combustíveis feitos ontem pela Petrobras pioram muito as perspectivas da inflação e colocam o Banco Central perto de descumprir as metas pelo segundo ano consecutivo.

Tudo foi nebuloso na decisão do aumento de 24,9% do diesel, 18,7% na gasolina e 16% no gás de cozinha. Não se sabe por que a Petrobras esperou 57 dias para realinhar tanto os preços. Após reuniões sucessivas com ministros, o presidente da Petrobras, do Banco Central e Jair Bolsonaro, inconclusivas, a tônica dominante do governo foi a de graduar as decisões. A ideia era esperar a votação no Senado de dois projetos sobre o assunto. Mas ontem a estatal anunciou uma patada nos preços, em um cálculo que ainda não inclui os efeitos da guerra sobre as cotações do petróleo.

Esse padrão de ação do governo é recorrente - ele é incapaz de tomar uma medida tempestiva e coerente sobre esse e muitos outros assuntos. A pressa de fazer algo, ainda que não se saiba o quê, no momento, é puramente eleitoral. Manter o sistema de preços da Petrobras exacerbaria os reajustes e tornaria mais árdua a tarefa de baixar a inflação ao longo de todo o ano. A única ação que poderia impedir isso, no curto prazo, e desarranjar de vez os preços relativos em seguida, seria congelamento, defendido surpreendentemente pelo ministro Paulo Guedes. O meio termo, com repercussões fiscais ruins, é o subsídio, para o qual tende a ala política do governo.

A pressão governista pode ter influído no longo intervalo para reajustes da Petrobras. Com indícios incipientes de desabastecimento - importadores de médio e pequeno porte deixaram de comprar produtos que teriam de vender internamente abaixo do preço internacional - a Petrobras elevou os preços de uma só vez, o que tem um impacto muito adverso sobre as expectativas de inflação, que seria atenuado caso fosse feito em prestações suaves.

Incapaz de decidir, o governo foi atravessado pela estatal, embora seja difícil saber se tinha conhecimento prévio da ação - Luna e Silva, que comanda a Petrobras, participou de várias reuniões na véspera em Brasília. Diante do fato consumado, os senadores reagiram de olho na plateia. Foi aprovado ontem um auxílio gasolina, para motoristas autônomos, taxistas e motociclistas de baixa renda, em tese limitado a R$ 3 bilhões, inserido em um projeto que precisa passar pela Câmara e que muda a política de preços da Petrobras. O auxílio pode passar, a mudança, não.

Os projetos em votação no Senado são de baixa eficácia para afetar significativamente os preços dos combustíveis. Junto com o auxílio gasolina, foi aprovado o PL 1472, de autoria do senador Rogério Carvalho (PT). Ele muda o sistema de reajustes da estatal, que passaria a levar em consideração não só as cotações internacionais, mas os custos internos de produção. A Petrobras perderia autonomia para determinar preços, porque caberia ao Executivo fixar bandas de variação de preço e frequência de reajustes, um mecanismo que talvez agradasse ao candidato petista à Presidência. Mas a taxação das exportações de petróleo para criar um fundo de estabilização caiu fora do projeto. O governo é contrário a ele e a proposta não deve prosperar na Câmara.

Os senadores concluíram votação do projeto de lei complementar aprovado pela Câmara que muda a cobrança de ICMS para um valor fixo por litro e a desoneração de impostos federais do diesel, biodiesel, GLP e querosene e sua importação. Para dobrar a resistência dos Estados, o relator criou um gatilho que permite o reajuste do ICMS quando o valor for maior ou menor que 5% em relação à média móvel de 6 meses do preço médio nacional.

Os projetos são paliativos e o governo ainda guarda na manga a carta de uma medida provisória instituindo o subsídio, um lance que traz riscos sérios. Uma das possibilidades é alegar o estado de calamidade para contornar o teto de gastos, com a autorização para gastos extraordinários, circunstância na qual outras despesas, em ano eleitoral, poderiam ser feitas.

Com os reajustes de ontem, o trabalho do BC se complica muito. Primeiros cálculos indicam impacto de 1 ponto percentual no IPCA de março e 0,47% no de abril. As previsões de inflação se deslocam em direção a 7% no ano. A surpresa inflacionária segue ativa. No relatório de inflação de dezembro, o BC projetou IPCA de 1,47% no trimestre dezembro-fevereiro. A conta é de 2,26%. Aumentar muito mais os juros pode não fazer diferença relevante e jogará a economia em recessão.

 

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