EDITORIAIS
Norte para o STF deveria sempre ser o
comedimento
O Globo
Duas decisões recentes do Supremo Tribunal
Federal (STF) trazem certo alívio em relação a uma questão, ao mesmo tempo,
espinhosa e crítica para o futuro da democracia brasileira: o risco
representado pelo ativismo judicial.
Na primeira, o Supremo manteve o trecho do
Orçamento que destinou R$ 4,9 bilhões ao fundo eleitoral deste ano. Embora o
relator, ministro André Mendonça, tivesse em seu voto de estreia defendido uma
posição mais razoável dos pontos de vista político e moral — limitar o fundo
aos valores de 2018 corrigidos pela inflação —, o Supremo não tem autonomia
para mexer em destinações orçamentárias, atribuição constitucional do
Parlamento.
Na segunda decisão, a Corte se recusou a rever o prazo que a Lei da Ficha Limpa estabeleceu para a inelegibilidade dos condenados: oito anos depois do cumprimento da pena. Como o STF já se pronunciara sobre a lei e, de lá para cá, não houve nada que justificasse reexaminar a questão, os ministros novamente se contiveram. Nem deram conhecimento à liminar do ministro Nunes Marques, que estipulava prazo de oito anos depois da condenação.
Ambos os casos refletem um espírito que
deveria ser mais frequente entre os ministros: o comedimento. É o oposto do
ativismo judicial, tentação comum às Cortes supremas — e não apenas no Brasil —
quando se investem de poder político sem o respectivo mandato popular. Se o
Judiciário se põe a querer fazer as leis no lugar do Legislativo, é a
democracia que sai perdendo.
O mais comum é isso acontecer com temas que
os parlamentares resistem a enfrentar em razão do alto custo de imagem. As
Cortes são invariavelmente provocadas e acabam por avançar sobre o vazio
deixado pelo Parlamento. Casos citados com frequência são as decisões sobre
aborto nos Estados Unidos ou o casamento entre homossexuais aqui no Brasil. Mas
o ativismo judicial não se limita à esfera comportamental nem se restringe às
omissões do Congresso.
Na situação peculiar vivida pela democracia
brasileira diante da ameaça representada pelo bolsonarismo, não foram poucas as
vezes em que o STF cruzou uma linha perigosa e, ainda que sob argumentos
nobres, invadiu atribuições de outras instituições. A prisão de parlamentares
protegidos pela imunidade sem aval do Congresso ou a abertura de inquéritos sem
a participação da Procuradoria-Geral da República (PGR), mesmo que com o
objetivo de preservar a ordem democrática, são medidas que violam a arquitetura
institucional da nossa democracia.
O risco dessas decisões determinadas pelas
circunstâncias políticas é que as consequências poderão vir mais adiante.
Carregaremos uma herança que terá impacto na democracia brasileira. A
ambivalência criada em tais situações pode abrir espaço à criminalização futura
de condutas sem legislação específica para isso.
É imenso o poder concentrado nos ministros
do Supremo. Para descrevê-lo, o jurista Gustavo Binenbojm costuma recorrer a
uma frase célebre: “O Supremo é o juiz último da autoridade dos demais Poderes,
por isso acaba sendo o juiz único de sua própria autoridade”. Mas a
Constituição atribui aos ministros o dever de fazer escolhas de natureza
jurídica, não política. Nessas condições, o norte para eles num regime
democrático sempre deveria ser o comedimento — exatamente como fizeram nas duas
decisões recentes.
Projeto que libera mineração em terra indígena
demanda debate mais amplo
O Globo
Não se justifica a pressa do governo em
apreciar o projeto que libera a mineração em terras indígenas. Na quarta-feira,
a Câmara dos Deputados aprovou urgência para a votação da proposta, parada na
Casa desde 2020. Para acelerar a tramitação, o tema poderá ser submetido a
plenário sem passar pelas comissões. Não é o caminho mais adequado para um
projeto que mobiliza a sociedade e que, por isso mesmo, deveria demandar um
debate racional, sem preconceitos, sobre tema tão sensível aos brasileiros.
A urgência tem sido justificada pelo
presidente Jair Bolsonaro com o pretexto da Guerra da Ucrânia e das sanções
impostas pelo Ocidente à Rússia e à Bielorrúsia, principais fornecedores de
fertilizantes ao Brasil. O problema preocupa o agronegócio pelos impactos que pode
causar já no plantio da próxima safra, entre setembro e outubro. Mas não é
demanda nova. A dependência do mercado externo — o país importa 85% dos
fertilizantes — tem aumentado nos últimos anos sem que se tenha buscado
alternativa para alcançar a autossuficiência ou ao menos reduzir a importação.
Somente agora, instado pela guerra, o governo se dispôs a lançar o Plano
Nacional de Fertilizantes, que prevê medidas para aumentar a anêmica produção
nacional.
A principal alegação de Bolsonaro para
defender a mineração em terras indígenas é que ela poderia tornar viável a
exploração de jazidas de potássio, matéria-prima usada na produção de
fertilizantes. É um argumento frágil. Dados do Laboratório de Gestão de
Serviços Ambientais (Lagesa) com informações da Agência Nacional de Mineração
(ANM) mostram que 78% das reservas de potássio no país (estimadas em 1,1 bilhão
de toneladas) estão fora da Amazônia. Apenas 11%, em terras indígenas não
homologadas. As maiores jazidas ficam em Minas Gerais.
Por mais que a tramitação do projeto
desperte debates acalorados e protestos barulhentos, é preciso discuti-lo sem
paixões. O maior incentivo para as atividades ilegais é a falta de
regulamentação. E a exploração mineral irregular é uma realidade na Amazônia,
com efeitos perversos no meio ambiente e em populações locais. O
desmantelamento dos órgãos ambientais no governo Bolsonaro reduz a capacidade
de fiscalização e faz as atividades clandestinas prosperarem, contribuindo para
um vale-tudo. Nessa confusão, a regulamentação é bem-vinda.
Não há dúvida de que Bolsonaro está usando
de forma oportunista a Guerra da Ucrânia para aprovar um projeto que defendia
desde quando era deputado. É fato também que ele infla dados sobre possíveis
jazidas em terras indígenas para justificá-lo. Mas essa é apenas parte da
questão. A proposta existe e deve ser analisada de forma técnica, com seus prós
e contras. As manifestações dos diversos setores — ruralistas, ambientalistas,
representantes dos povos indígenas, parlamentares — são legítimas e devem
servir para robustecer as discussões. Independentemente da guerra na Ucrânia e
da submissão ao mercado externo de fertilizantes, a regulamentação da mineração
no Brasil é um debate que se impõe.
Corpo em formação
Folha de S. Paulo
Montagem de coalizão lulista avança, ainda
sem projeto que lhe dê consistência
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) deu novos passos na construção da coalizão partidária ampla que deseja
para lançar sua candidatura presidencial, mas sem conseguir remover alguns
obstáculos no seu caminho.
Anunciou-se na quarta-feira (9) a formação
de uma federação partidária em que os petistas se associarão ao PC do
B e ao PV, duas siglas pequenas e ameaçadas de extinção, que esperam ganhar
sobrevida ao lado dos petistas.
O PSB, legenda de maior porte que também
participava das discussões, decidiu ficar fora da união. O partido segue
disposto a apoiar Lula na corrida presidencial, mas prefere ficar com as mãos
livres para ter candidaturas próprias em alguns estados —o que seria inviável
se entrasse na federação.
Foi determinante para esse desfecho o
impasse nas negociações em São Paulo, onde o PT quer o ex-prefeito Fernando
Haddad na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes e o PSB pretende lançar o
ex-governador Márcio França.
O desencontro não deverá impedir que Lula
tenha como companheiro de chapa o ex-governador Geraldo Alckmin, que deixou o
PSDB e está
prestes a assinar a ficha de filiação ao PSB para ser candidato a
vice-presidente.
Ao selar uma aliança com o adversário que
derrotou nas eleições presidenciais de 2006, Lula busca oferecer uma
demonstração convincente de sua disposição ao diálogo com outras forças
políticas para enfrentar Jair Bolsonaro (PL) e montar um novo governo.
Ainda assim, o embaraço com o PSB serve
para mostrar que o percurso até o pleito de outubro tende a ser mais acidentado
do que os apoiadores mais otimistas de Lula poderiam imaginar, dada a vantagem
apontada pelos institutos de pesquisa até agora.
Pesou na decisão do PSB de ficar fora da
federação o desconforto com a índole hegemônica do PT, que no passado afastou
aliados naturais do partido e elevou o custo de alianças com agremiações de
natureza mais fisiológica.
Novas tensões tendem a aflorar na frente
lulista nos próximos meses. Se as correntes mais radicais do PT não escondem
seu descontentamento com a escolha de Alckmin, é questão de tempo para que os
recém-chegados à caravana comecem a se manifestar.
O ex-presidente tem sido vago ao discorrer
sobre o que planeja fazer para tirar o país da estagnação econômica e enfrentar
os desafios deixados pela pandemia e pelo governo Bolsonaro.
Se compromissos genéricos parecem
suficientes por ora para aglutinar a frente de oposição, será difícil
consolidá-la sem compromissos mais sólidos do que os apresentados ao eleitorado
até aqui.
Vizinho ingovernável
Folha de S. Paulo
Fragmentação política e presidente
despreparado mantêm Peru em crise permanente
A instabilidade política no Peru vem
atingindo patamares espantosos até para um país que, desde 2016, colecionou
cinco chefes de Estado e três Congressos diferentes.
Os acontecimentos recentes indicam que o
presidente Pedro Castillo, empossado em julho do ano passado, não apenas tem se
mostrado incapaz de frear a decomposição institucional —resultante da
fragmentação das forças partidárias— como sua atuação canhestra e errática
agrava o processo.
Nesta semana, o Parlamento concedeu o voto
de confiança ao quarto
gabinete ministerial formado pelo mandatário em somente sete meses de
governo. Ao todo, já são 30 as trocas ministeriais promovidas por Castillo.
No Peru o primeiro escalão do Poder
Executivo, após ser nomeado pelo presidente, ainda precisa ser confirmado pelo
Congresso. A aprovação se deu com 64 votos a favor, 58 contra e 2 abstenções;
como nas vezes anteriores, foi marcada por longo e tenso debate.
Chefiado por Aníbal Torres, que ocupava a
pasta da Justiça, o novo gabinete foi formado poucos dias após o terceiro,
encabeçado por Héctor Valer, ter sido anunciado.
Valer se viu envolto em denúncias de
violência doméstica logo depois da nomeação. Diante da forte rejeição suscitada
pelo seu nome e dos sinais de que o Congresso não iria confirmá-lo, o
presidente peruano optou por demiti-lo.
Com a popularidade declinante, hoje abaixo
de 30%, Castillo buscou então restabelecer as relações com o líder do Perú
Libre, partido de extrema esquerda pelo qual se elegeu, mas com o qual mantém
uma relação conturbada.
O acerto mais recente trouxe figuras no
mínimo controversas ao novo gabinete —como um ministro da Saúde promotor de
pseudociência e um da Justiça acossado por 70 denúncias de negligência quando
atuava como procurador.
Como se não bastasse, o Congresso, dominado
por partidos à direita, vem manobrando desde o ano passado para remover o
presidente. Após escapar em dezembro de uma moção de vacância que poderia
redundar na sua destituição, Castillo vê-se às voltas com uma nova ofensiva da
oposição, que o acusa de 20 infrações constitucionais e supostos atos de
corrupção.
Nesse contexto de crise permanente, a
paralisia administrativa torna-se regra —e a busca imediata por sobrevivência
política termina se impondo ao próprio imperativo de governar o país.
STF defende a lei e a jurisprudência
O Estado de S. Paulo.
Ao rejeitar ação do PDT contra o prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, o STF defendeu as atribuições do Congresso e a estabilidade de sua jurisprudência
Não raro, o Supremo Tribunal Federal (STF)
é acusado de favorecer políticos corruptos e de mudar sua jurisprudência
conforme as circunstâncias do momento. Essa crítica é bastante difundida, por
exemplo, entre bolsonaristas. Pois bem, ao julgar uma ação proposta pelo PDT,
que tentava abrandar a punição prevista na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar
– LC – 135/2010), a Corte fez o exato oposto, protegendo sua prévia orientação
jurisprudencial e mantendo integralmente o rigor da lei.
O PDT pretendia que o tempo de
inelegibilidade previsto pela LC 135/2010 começasse a ser contado desde o
início do cumprimento da pena, e a lei refere-se expressamente a “prazo de oito
anos após o cumprimento da pena”. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)
6630 era, portanto, uma tentativa de encurtar o retorno à vida política de
pessoas condenadas pela Justiça e barradas pela Lei da Ficha Limpa por meio de
uma interpretação criativa do STF.
Ao julgar o caso, o Supremo não entrou no
mérito da Adin 6630. Por maioria de votos, o plenário do STF entendeu que o
pedido por si só era inadmissível, uma vez que o dispositivo questionado tinha
sido declarado constitucional pela Corte em 2012, no julgamento de outra ação.
Com isso, a inelegibilidade permanece desde a condenação em segunda instância
até oito anos após o cumprimento da pena, como dispõe a lei.
No julgamento, lembrou-se a jurisprudência
do próprio STF a respeito da estabilidade das decisões judiciais. Não cabe ação
de controle de constitucionalidade contra norma já declarada constitucional sem
que tenha havido alterações fáticas ou jurídicas relevantes que justifiquem
rediscutir o tema. Dessa forma, a decisão do Supremo expôs o absurdo da ação
proposta pelo PDT, pedindo o oposto do que a lei dispõe e do que a jurisprudência
prevê.
Deve-se notar que, diferentemente da
maioria, o relator da Adin 6630, ministro Nunes Marques, achou que o pedido era
sensato. Tanto é assim que, em dezembro de 2020, o ministro indicado por Jair
Bolsonaro concedeu liminar monocrática, suspendendo o trecho da lei em relação
aos processos de registro de candidatura das eleições municipais daquele ano.
Ou seja, o bolsonarismo reclama que o Supremo é brando com os políticos e que
seus integrantes agem excessivamente de forma individual, enfraquecendo o
caráter colegiado da Corte. No entanto, quem atuou no caso exatamente assim –
e, para piorar, contrariando a jurisprudência do próprio Supremo – foi o
ministro escolhido por Jair Bolsonaro.
A Lei da Ficha Limpa tem sérios problemas
de redação, o que suscitou diversas dúvidas e questionamentos na Justiça. Ao
longo do tempo, o Judiciário defendeu, em boa medida, a aplicação da lei contra
as tentativas de amenizar o seu rigor. A bem da verdade, a LC 135/2010 não tem
nada de severa. Suas disposições trazem requisitos que, tivesse o eleitor uma
postura de maior responsabilidade diante das urnas, seriam inteiramente
dispensáveis. Basta pensar, por exemplo, que a Lei da Ficha Limpa torna
inelegível quem foi condenado em segunda instância por “crimes de tráfico de
entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos” ou
“crimes contra a vida e a dignidade sexual”. Ora, precisar de uma lei para
impedir que esse tipo de gente ingresse na política diz muito sobre a
democracia e a consciência cívica vigentes.
De toda forma, apesar de suas imperfeições
e limitações, a Lei da Ficha Limpa segue em vigor e, não se pode negar, tem
contribuído para uma maior moralidade da política. Eventuais correções da lei
devem ser estudadas e realizadas no Congresso. Sem ter atribuição
constitucional para reescrever a legislação, o Supremo faz apenas e tão somente
o controle de constitucionalidade, o que, no caso da LC 135/2010, já foi
realizado.
O STF fez bem em rejeitar a Adin 6630. A
decisão da Corte foi importante não apenas por respeitar as atribuições do
Legislativo, mas também por defender a estabilidade da jurisprudência, o que
significa respeito pelo próprio Supremo.
Estranha urgência
O Estado de S. Paulo.
Projeto que libera mineração em áreas
demarcadas não só não é ‘urgente’, como, se aprovado, significará retrocesso na
proteção ambiental
A Câmara dos Deputados ignorou
olimpicamente os apelos de segmentos da sociedade que se manifestaram em
Brasília no dia 9 passado e aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei
(PL) 191/2020, que libera a exploração de minérios em terras indígenas
demarcadas. Foram 279 votos favoráveis, 180 contrários e 3 abstenções. Ato
contínuo, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-A), constituiu um grupo de
trabalho responsável por analisar o mérito da matéria. Lira, um dos mais
ardorosos defensores desse projeto, pretende colocá-lo em votação entre os dias
12 e 14 de abril.
Aprovar a urgência de um projeto de lei
significa que a matéria pode ir a votação em plenário sem ter de passar antes
pelo crivo de comissões temáticas. A rigor, isso enfraquece o debate
democrático, pois é justamente nessas comissões, ao longo de um bom número de
sessões, que todas as partes interessadas na matéria apresentam seus argumentos
favoráveis ou contrários. O produto final que chega ao plenário é, pois, um
projeto amadurecido por essas discussões prévias. Por isso, em qualquer
democracia saudável, o regime de urgência deve ser a exceção, não a regra.
Há casos em que, de fato, a urgência de
determinado projeto de lei é tal que justifica o sacrifício do debate mais
aprofundado. Mas, definitivamente, este não é o caso do PL 191/2020. É preciso
deixar claro que toda a discussão a respeito da suposta “urgência” do projeto
em questão é falaciosa, está baseada em uma mentira propalada pelo presidente
Jair Bolsonaro e encampada, convenientemente, por seus aliados políticos do
Centrão e pelos que têm interesse econômico na lavra de minérios em áreas
protegidas. Para toda essa turma, a “urgência” da aprovação do PL 191/2020
estaria justificada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, fato que tem o
potencial de prejudicar o acesso do Brasil aos fertilizantes que o País importa
– 85% do volume de fertilizantes aplicados nas lavouras brasileiras vêm do
exterior, e os russos responderam por 23,3% das importações de adubo em 2021.
Uma das principais matérias-primas para a
produção de fertilizantes agrícolas é o potássio. Em defesa do PL 191/2020,
Bolsonaro argumenta que a exploração do mineral existente nas minas “em áreas
indígenas” é fundamental para tornar o Brasil “autossuficiente na produção de
fertilizantes” e, assim, não ficar tão vulnerável a eventos externos, como a
guerra de agressão à Ucrânia. O presidente da República chegou a tratar o
conflito imoral provocado por Vladimir Putin como uma “boa oportunidade” para o
Brasil. Mas seu argumento não se sustenta. Na verdade, escamoteia suas reais
intenções.
Em primeiro lugar, a maioria das minas de
potássio na Região Amazônica está localizada fora das áreas indígenas
demarcadas. A apuração foi feita pelo Estadão com base nos registros de pedidos
de pesquisa e lavra de potássio ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM).
Grande parte delas, na verdade, está na Região Sudeste. Isso mostra que é
rigorosamente falso o argumento de Bolsonaro segundo o qual o potássio
“abundante” em terras indígenas não poderia ser explorado por força da
restrição legal. Além disso, um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) revelou que as reservas de potássio que existem no Brasil são
suficientes para sustentar o agronegócio no País até 2100. Mesmo sem explorar
as minas de potássio na Região Amazônica, a autonomia estaria garantida até
2089.
Como se vê, pode-se perfeitamente explorar
as minas de potássio já mapeadas, e para as quais existem títulos minerários
emitidos, sem enganar a população e abrir ainda mais espaço para o cometimento
de crimes como garimpo ilegal, grilagem de terras e violação de direitos de
povos indígenas. Basta cumprir os requisitos de exploração mineral e as regras
de compensação ambiental já previstos em lei.
A defesa da “urgência” do PL 191/2020
usando a guerra como subterfúgio é malandragem para aprovação de um projeto que
há muito é do interesse de Bolsonaro, conhecido por seu apreço pelo garimpo e
por seu desapreço pelos indígenas, e altamente contrário ao interesse público.
Petrobras faz fortes reajustes e Senado
vota mudanças
Valor Econômico
As previsões de inflação se deslocam em
direção a 7% no ano
Os megarreajustes de combustíveis feitos
ontem pela Petrobras pioram muito as perspectivas da inflação e colocam o Banco
Central perto de descumprir as metas pelo segundo ano consecutivo.
Tudo foi nebuloso na decisão do aumento de
24,9% do diesel, 18,7% na gasolina e 16% no gás de cozinha. Não se sabe por que
a Petrobras esperou 57 dias para realinhar tanto os preços. Após reuniões
sucessivas com ministros, o presidente da Petrobras, do Banco Central e Jair
Bolsonaro, inconclusivas, a tônica dominante do governo foi a de graduar as
decisões. A ideia era esperar a votação no Senado de dois projetos sobre o
assunto. Mas ontem a estatal anunciou uma patada nos preços, em um cálculo que
ainda não inclui os efeitos da guerra sobre as cotações do petróleo.
Esse padrão de ação do governo é recorrente
- ele é incapaz de tomar uma medida tempestiva e coerente sobre esse e muitos
outros assuntos. A pressa de fazer algo, ainda que não se saiba o quê, no
momento, é puramente eleitoral. Manter o sistema de preços da Petrobras
exacerbaria os reajustes e tornaria mais árdua a tarefa de baixar a inflação ao
longo de todo o ano. A única ação que poderia impedir isso, no curto prazo, e
desarranjar de vez os preços relativos em seguida, seria congelamento,
defendido surpreendentemente pelo ministro Paulo Guedes. O meio termo, com
repercussões fiscais ruins, é o subsídio, para o qual tende a ala política do
governo.
A pressão governista pode ter influído no
longo intervalo para reajustes da Petrobras. Com indícios incipientes de
desabastecimento - importadores de médio e pequeno porte deixaram de comprar
produtos que teriam de vender internamente abaixo do preço internacional - a
Petrobras elevou os preços de uma só vez, o que tem um impacto muito adverso
sobre as expectativas de inflação, que seria atenuado caso fosse feito em prestações
suaves.
Incapaz de decidir, o governo foi
atravessado pela estatal, embora seja difícil saber se tinha conhecimento
prévio da ação - Luna e Silva, que comanda a Petrobras, participou de várias
reuniões na véspera em Brasília. Diante do fato consumado, os senadores
reagiram de olho na plateia. Foi aprovado ontem um auxílio gasolina, para
motoristas autônomos, taxistas e motociclistas de baixa renda, em tese limitado
a R$ 3 bilhões, inserido em um projeto que precisa passar pela Câmara e que
muda a política de preços da Petrobras. O auxílio pode passar, a mudança, não.
Os projetos em votação no Senado são de
baixa eficácia para afetar significativamente os preços dos combustíveis. Junto
com o auxílio gasolina, foi aprovado o PL 1472, de autoria do senador Rogério
Carvalho (PT). Ele muda o sistema de reajustes da estatal, que passaria a levar
em consideração não só as cotações internacionais, mas os custos internos de
produção. A Petrobras perderia autonomia para determinar preços, porque caberia
ao Executivo fixar bandas de variação de preço e frequência de reajustes, um
mecanismo que talvez agradasse ao candidato petista à Presidência. Mas a
taxação das exportações de petróleo para criar um fundo de estabilização caiu
fora do projeto. O governo é contrário a ele e a proposta não deve prosperar na
Câmara.
Os senadores concluíram votação do projeto
de lei complementar aprovado pela Câmara que muda a cobrança de ICMS para um
valor fixo por litro e a desoneração de impostos federais do diesel, biodiesel,
GLP e querosene e sua importação. Para dobrar a resistência dos Estados, o
relator criou um gatilho que permite o reajuste do ICMS quando o valor for
maior ou menor que 5% em relação à média móvel de 6 meses do preço médio
nacional.
Os projetos são paliativos e o governo
ainda guarda na manga a carta de uma medida provisória instituindo o subsídio,
um lance que traz riscos sérios. Uma das possibilidades é alegar o estado de
calamidade para contornar o teto de gastos, com a autorização para gastos
extraordinários, circunstância na qual outras despesas, em ano eleitoral,
poderiam ser feitas.
Com os reajustes de ontem, o trabalho do BC
se complica muito. Primeiros cálculos indicam impacto de 1 ponto percentual no
IPCA de março e 0,47% no de abril. As previsões de inflação se deslocam em
direção a 7% no ano. A surpresa inflacionária segue ativa. No relatório de
inflação de dezembro, o BC projetou IPCA de 1,47% no trimestre
dezembro-fevereiro. A conta é de 2,26%. Aumentar muito mais os juros pode não
fazer diferença relevante e jogará a economia em recessão.
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