O Estado de S. Paulo / O Globo
Mais que afundar a carreira política do
deputado estadual paulista Arthur do Val (sem partido), o impacto das mensagens
em áudio que ele gravou e foram vazadas traz lições importantes. Algumas são
lições bastante antigas, bastava ter lido qualquer guia derivado de Maquiavel
que se proponha à autoajuda do político iniciante. Mas outras não são tão
triviais. Tratam dos limites do tipo de ação política digital usado pelo MBL,
pelo bolsonarismo e mesmo pelo que alguns chamam de neobolchevismo digital.
Arthur foi abatido pelas armas que sempre usou. Mais: por causa das armas que
sempre usou.
É bom antes definir que arsenal é esse. É tratar política de forma histérica. Tudo é escândalo, e nunca há possibilidade do diálogo. O objetivo é manter o giro do conteúdo das redes sociais, um conteúdo que mobilize, deixe os seguidores sempre alertas. Como o escândalo de anteontem é sempre esquecido, é preciso se manter no ataque. É uma política movida a altas doses de dopamina. O neurotransmissor surgiu no processo evolutivo para nos deixar em estado de alerta quando há risco de vida, também regula o prazer, por isso mesmo é aquele jorro fugaz. A dopamina ativa aquilo que o viciado sente. Explode, aí passa rápido.
Quando toda a sua comunicação política
exige estar constantemente incitando os centros de alerta e prazer do
eleitorado, voltando-o contra os adversários, a estratégia é de guerra
permanente. É só ataque e nenhum diálogo. Afinal, o diálogo exige temperança. É
incompatível com quem dedica seu tempo a mobilizar uma massa acéfala a
bombardear com toda a agressividade, via redes sociais, políticos da oposição.
Esses ataques incessantes doem. Por isso não são esquecidos.
Na esquerda, o discurso é que o Movimento
Brasil Livre (MBL), que tem em Arthur um de seus líderes, sempre foi assim. Mas
isso é apenas parcialmente verdade. Tendo contribuído para tornar histérica a
política brasileira e, no rastro, apoiado a eleição de Jair Bolsonaro, os
parlamentares do MBL tentaram mudar a forma de ação. Fizeram um mea-culpa
público, reconhecendo sua contribuição para piorar o ambiente do debate.
Assinaram com a esquerda o principal pedido de impeachment do presidente Jair
Bolsonaro (PL). E trabalharam para fazer uma grande mobilização nacional
respondendo às manifestações golpistas promovidas pelo bolsonarismo em 7 de
setembro.
O ato do MBL foi um fracasso. Um dos
motivos é que boa parte da esquerda decidiu que sua rivalidade com o movimento
era mais importante que reunir toda a oposição pelo objetivo comum do
impeachment. Afinal, a política movida a dopamina não é privilégio da direita.
Além disso, ora, os ataques que tiram sangue virtual são lembrados no mundo
real. Mas há outra razão. Ao tentar mudar seu método de ação e se afastar do
bolsonarismo, o MBL descobriu que não conseguia mais mobilizar sequer a própria
militância. Porque o MBL não formou pessoas que refletem sobre o Brasil,
conjuntos de líderes futuros dedicados à arte bem mais complexa da construção
de consensos. Formou, isto sim, tropas de assalto viciadas no jorro da dopamina.
Pois, aí, o MBL voltou a ser o que era. E,
voltando a ser o que era, encontrou conforto e reencontrou parte de seu
público. Mas quem só ataca não faz aliados, e a política é a arte de brigar sem
nunca romper. Quem rompe quando está por cima é esquecido quando cai. E todo
mundo cai uma hora. A política feita por dopamina pode congelar um país por
alguns anos. Pode mobilizar uma minoria. Mas não tem como durar no arco do
tempo.
Em algum túmulo, John Locke se revira.
Afinal, dele nasceu o liberalismo justamente para que tivesse voz quem
oligarcas viam como “fáceis por ser pobres”.
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