sexta-feira, 11 de março de 2022

Flávia Oliveira: Alta na bomba, risco à mesa

O Globo

A guerra na Ucrânia aporta na vida real das famílias brasileiras nesta sexta-feira, quando entra em vigor o reajuste da Petrobras nos preços da gasolina (18,8%), do óleo diesel (24,9%) e do gás de cozinha (16,1%) nas refinarias. O tarifaço segue a política de paridade da estatal ao câmbio e à cotação internacional do petróleo. Economistas foram às contas. Estimam impacto de 1 a 1,5 ponto percentual na inflação oficial no bimestre março-abril. O economista André Braz, responsável pelos índices de preços da FGV, estima que o IPCA de março pode chegar a 1,5%, se o aumento dos combustíveis for inteiramente repassado (0,9 ponto percentual) aos consumidores, a partir do dia 11. Confirmado, será o maior resultado para o mês desde os 1,55% de 1995, ano seguinte ao Plano Real. E ainda restaria resíduo de 0,4 ponto percentual para os dez primeiros dias de abril.

O impacto, sobretudo, da gasolina na inflação é o lado mais facilmente mensurável — mas não o pior —do choque global nos preços das commodities decorrente do conflito na Europa. O produto é o item de maior peso (6,58%) no índice da meta de inflação e interessa à classe média, fatia barulhenta do eleitorado. Em ano de corrida presidencial, foi içado pelo mundo político ao topo de um arcabouço de medidas de custo alto e efeito incerto. O governo acena com subsídio bilionário, que pode favorecer quem anda de carro e neglicenciar os que precisam do gás para cozinhar, mas podem nem ter comida para levar ao fogão.

Ontem, senadores aprovaram à velocidade da luz um projeto de lei que, além de criar a Conta de Estabilização de Preços dos Combustíveis, para atenuar correções, concede vale-gasolina de até R$ 300 a taxistas, motoristas de aplicativo e motoentregadores, a um custo total de R$ 3 bilhões, com prioridade para beneficiários do Auxílio Brasil. Votaram sem saber que o Cadastro Único investiga condição da ocupação (com ou sem carteira e autonomia), não ofício. Tampouco refletiram se faz sentido bancar gasolina para um grupo, enquanto outros acabarão pagando as tarifas corrigidas do transporte público.

Há efeitos diretos e indiretos da alta dos combustíveis no orçamento das famílias brasileiras. Gasolina e gás mais caros tiram dinheiro da carteira. O aumento do diesel, como a produção nacional roda em caminhões, pressiona custos de diferentes cadeias produtivas que, cedo ou tarde, chegam ao consumidor. Transportes é o grupo de maior peso (21,89%) no IPCA, a inflação das famílias com renda de até 40 salários mínimos. Alimentação está no topo dos gastos dos mais pobres: representa um quarto (23,57%) do INPC, que leva em conta o orçamento dos que vivem com até cinco mínimos.

A FAO, agência da ONU para agricultura e alimentação, alertou na semana passada sobre o salto no preço dos alimentos no mercado internacional. O índice global de preços dos alimentos, que a entidade apura mensalmente, bateu em fevereiro o maior nível desde 2004. Milho e soja estão no maior patamar desde 2012; trigo voltou ao recorde de 2008; açúcar e laticínios também estão mais caros. Aves, suínos e rebanho bovino tendem a subir de preço, porque se alimentam de ração à base de grãos. Por causa da guerra, paira ameaça de desabastecimento. A Ucrânia, tida como celeiro da Europa, suspendeu exportações de centeio, cevada, trigo, milheto, açúcar, sal e carne até dezembro. Sob ataque, não sabe quando iniciará o plantio da próxima safra, ao fim deste inverno.

A Rússia é a maior exportadora mundial de fertilizantes químicos, além de grande produtora de trigo, base do pão, das massas, dos bolos. Na semana passada, em resposta às sanções econômicas das potências ocidentais, Vladimir Putin recomendou aos fabricantes a suspensão dos embarques de adubos. O país é origem de 28% das importações brasileiras de aditivos potássicos e 21% dos nitrogenados. Nitrogênio, potássio e fósforo são a base da fertilização do solo, tanto do agronegócio exportador de soja, milho e derivados da cana-de-açúcar quanto da agricultura familiar, que põe arroz, feijão, hortaliças e frutas na mesa dos brasileiros. O Brasil abriu mão da política de estoques reguladores e, agora, com 19 milhões de famintos, está sob risco de insegurança alimentar, tanto pelo lado dos preços quanto da oferta. O cenário é grave e pode piorar. Convém tirar os olhos da fila de automóveis nos postos.

 

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