O Estado de S. Paulo.
A saga se encaminha para um final com acordes de corrupção, estagnação econômica, inflação e insegurança financeira
Mistura de ópera bufa e de tragédia, o
desgoverno de Jair Bolsonaro se encaminha para um gran finale. Os primeiros
acordes incluem a bandalheira no Ministério da Educação e o caso da Wal do
Açaí, a assessora parlamentar nunca vista em Brasília. Mas o libreto promete
muito mais. Se o roteiro for seguido, o crescimento econômico será menor que o
de 2019 e a inflação passará de novo sobre o teto da meta. Não são projeções
agourentas de uma oposição intratável. São cenários desenhados por economistas
do Banco Central (BC) e do mercado, gente dificilmente acusável de torcer pelo
pior. Mas há algo mais: esses economistas vêm sendo seguidos, com algum atraso
e a alguma distância, pela equipe do Ministério da Economia, forçada a rever
seus números, apesar da fala sempre otimista e até triunfal do ministro Paulo
Guedes.
A equipe econômica baixou de 2,1% para 1,5% o crescimento esperado para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2022. A expansão ficará em 0,5%, segundo a mediana das estimativas do mercado, informou o boletim Focus da segunda-feira passada. A turma do Banco Central aposta em avanço de 1% neste ano, de acordo com o novo Relatório de Inflação, publicado trimestralmente. As três projeções mostram um país em descompasso com a economia global.
Outros emergentes, assim como as potências
mais desenvolvidas, vêm crescendo mais velozmente, com menor desemprego e menor
inflação, apesar do surto inflacionário internacional. A alta anual de preços
ao consumidor bateu em 7,2%, no começo do ano, na média dos países-membros da
OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. No Brasil,
esses preços aumentaram 10,54% nos 12 meses até fevereiro. O desemprego
brasileiro, de 11,1% no trimestre móvel encerrado em janeiro, é pouco mais que
o dobro da taxa média, de 5,3%, registrada em janeiro nos 39 países da
organização.
O BC tenta conter o desarranjo dos preços
com o maior arrocho monetário dos últimos cinco anos. Os juros básicos chegaram
a 11,75% ao ano e devem atingir 12,75% no começo de maio, na próxima reunião do
Copom, o Comitê de Política Monetária. Esse poderá ser o último aumento, neste
ciclo de ajuste, mas o custo do crédito será suficiente para atrapalhar os
negócios, desestimular o investimento em bens de produção e dificultar o
consumo. A maior parte das famílias, já afetada pelas péssimas condições do
mercado de trabalho e pela inflação, terá de gastar com muito cuidado. Sem o
estímulo do consumo familiar, a indústria de transformação poderá produzir
menos que em 2021, segundo projeções do BC.
Se o PIB crescer 1%, como se estima no
Relatório de Inflação, o presidente Bolsonaro terá acrescentado um feito
extraordinário ao seu tenebroso currículo. Terá concluído seu mandato com a
economia crescendo menos que em 2019, quando a expansão ficou em 1,1%, menor
taxa desde 2017, início da fase posterior à recessão deixada pela presidente
Dilma Rousseff.
Não é preciso ser economista para entender
algumas necessidades mínimas da economia. Solavancos políticos, câmbio instável
e incertezas fiscais tornam enevoado o horizonte, dificultam decisões de
negócios e tendem a elevar os juros. A insegurança aumenta quando gastos
públicos são improvisados, bilhões são consumidos em manobras parlamentares e as
práticas orçamentárias são desmoralizadas. O presidente Bolsonaro ultrapassou
todos esses limites e fez história, no pior sentido, ao pactuar com a criação
do orçamento secreto, uma aberração.
Em três anos e três meses de mandato, o
presidente da República parece nada ter aprendido sobre suas funções e limites.
Em momentos críticos, desprezou a opinião das pessoas sensatas e informadas e
tentou intervir na gestão da Petrobras, na formação dos preços de combustíveis
e, com apoio de congressistas, na tributação estadual.
Também nada aprendeu, aparentemente, sobre
a diferença entre governar e mandar, nem sobre os padrões de laicidade,
impessoalidade e transparência. Nunca, na história republicana do Brasil, a
filiação religiosa havia sido mencionada numa indicação para um posto de
primeiro nível. Ao apontar alguém “terrivelmente evangélico” para o Supremo
Tribunal Federal (STF), o presidente inovou.
A negação da laicidade, somada ao desprezo
pela competência e pelo interesse público, pode resultar em episódios como o
novo escândalo do Ministério da Educação. O despreparo do ministro Milton
Ribeiro sempre foi notório. Mas ele ultrapassou os limites da mera
incapacidade, ao aceitar um gabinete paralelo formado por dois pastores
empenhados em negociar com prefeitos, até em troca de ouro, a transferência de
recursos federais.
Economia emperrada, inflação acelerada,
bandalheira na Educação e arroubos autoritários, além de outros escândalos,
apenas prenunciam o retumbante final desta saga bolsonariana. Com tantos acordes
fascinantes, pode-se até esquecer um dos instantes preciosos deste movimento, a
declaração de solidariedade a Vladimir Putin na semana anterior à invasão da
Ucrânia. Que seja um fim, de fato, sem risco de bis.
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