Folha de S. Paulo
Sem acordo amplo, país corre risco de nova
década de ruína econômica e democrática
A gente faz umas contas a fim de ver em que
pé estarão a inflação e
os preços
da comida lá pelo fim da campanha eleitoral.
A carestia talvez acabe com alguns votos de Jair Bolsonaro, se especula.
O IPCA vai passar de 12% ao ano em abril
(está em 10,5%)? Ainda além de 8% em setembro? O dólar vai ajudar? A gente
discute se uns
décimos de porcentagem de miséria extra na vida do povo miúdo vão
fazer diferença política.
Pode ser, mas a numeralha da planilha
começa a parecer ridícula. Décimos do IPCA podem parar Bolsonaro? A isso se
reduz a conversa? Ou a discutir se tantos tipos
do centrão vão
pular da barca do inferno para a candidatura tal ou qual? Se a prensa
no Telegram pode colocar areia na máquina do ódio bolsonarista?
É assim que a oposição espera parar o tipo que, reeleito, promete lotar o Supremo com mais cúmplices, com mais desses cafonas grotescos, iletrados e adeptos de algum tipo de teocracia? São tipos que vão passar o pano jurídico capaz de nos transformar em uma espécie de Hungria misturada com Filipinas e Turquia, em convergência econômica para Serra Leoa, como disse um amigo, o "catch down" final. Talvez tenhamos militares aboletados de vez no comando do Estado e da economia, como na Venezuela ou na Putinlândia.
É gente que vai transformar o país em
território livre da traficância de armas. Os decretos bolsonaristas aumentam a
oferta. Os trabucos podem parar no arsenal de barões das favelas
feudalizadas pela milícia, fuzis que abastecem os assassinos de
Marielles e de pretos em geral. Que talvez armem batalhões de nazistas. Na
Ucrânia, se
chamaram de Batalhão Azov. E aqui? Divisão Rio das Pedras? Regimento
Adriano da Nóbrega, o miliciano e assassino condecorado e elogiado pelos
Bolsonaro?
Então é essa a expectativa política? Um
Boletim Focus com estimativas econômicas pioradas vai parar o esquemão que
patrocina ou incentiva o agro ogro, a grilagem, o garimpo e as facções
criminosas?
Essa é a malta que quer arrasar a Amazônia
até um ponto sem volta e matar ou empestear o que restou dos indígenas. Vão
dizimar a floresta até que a chuva pare de cair, de Rondônia até o Paraná. Até
que São Paulo torre de sede. Até que os cerrados da soja passem a produzir
apenas poeira, como o Saara, que por vezes despeja pó laranja sobre a Suíça. Se
pelo menos fôssemos a Suíça.
Peste, promessa de golpe, mentira,
indecência, rachadinha ou inflação não bastaram para mudar a ideia do terço do
país que ainda prefere reeleger Bolsonaro. É possível que muitos nem se
importem com o Bolsolão do MEC, o escândalo dos vendilhões do templo
recomendados pelo presidente.
A oposição ou, vá lá, os candidatos que
querem a cadeira de Bolsonaro, se comporta como se vivêssemos em um "país
normal", com "instituições funcionando", como dizem politólogos
colaboracionistas. Ocupam-se de suas campanhazinhas.
Ainda que tenham a gloriazinha da vitória,
no governo precisarão de um acordo nacional a fim de evitar que o país entre na
segunda década de ruína econômica, o que poderia redundar em tumultos e ataques
mais bem-sucedidos contra a democracia.
Ter um projeto de mudança viável, na
verdade de mera reconstrução, depende de acordo amplo; depende da recusa da
besteirada econômica demagógica e da avacalhação da democracia que provocaram
este desastre.
Propaganda e sorte até podem vencer a
eleição. Mas não haverá governo sem acordo e mudanças profundas, dessas de
deixar a esquerda perplexa e a direita indignada, como disse um outro picareta
criminoso que a elite gostou de levar ao poder.
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