Folha de S. Paulo
Não existem dois extremos na cena eleitoral
Polarização é palavra da moda. Borda o
debate público a torto, a direito e ao centro. Grudou na língua de
presidenciáveis, que se propagandeiam como o meio entre "polos"
igualmente extremados e indesejáveis.
Anda pop tratar o fenômeno como fruto das
mídias sociais, mas a clivagem nós/eles está aí desde que o mundo é mundo —e
com mais assiduidade que a tolerância. Sempre existiram comunidades
autorreferidas, cujos membros se insulam, que respeitam somente opiniões,
estilos, ações de seus compatriotas de grupo, enquanto depreciam, atacam e, se
possível, destroem os que lhe são estrangeiros.
Nem é coisa nova, nem veste bem conjuntura
eleitoral. Segundo turno só tem mesmo duas opções, obriga afunilar. O termo
"polarização" ajuda quem se pretende o centro, pois bane o resto para
os cantos, como extremos. A operação intelectual de equiparar adversários à
direita e à esquerda —Lula vale
tanto, ou tão pouco, quanto Bolsonaro—
legitima a terceira via como
uma necessidade.
A equivalência ajuda uns, reconforta
outros, mas é falsa.
Não existem dois extremos na cena eleitoral. Há um conjunto de candidaturas dentro do espectro democrático —de moderadas a conservadoras. Não há candidatura radical à esquerda, disposta a desacatar resultados eleitorais e decisões judiciais, destruir instituições e pegar em armas para eliminar adversários. Tudo isso floresce exclusivamente em torno de uma única candidatura, à direita.
A retórica do "tudo farinha do mesmo
saco" empana o fundamental: a candidatura Bolsonaro é uma candidatura
extremista. Embora eleito por meio das regras democráticas, jamais ocultou a
intenção de subvertê-las.
Extremismo que anima o jogo presidencial
preferido, o do bem contra o mal. Assim insufla a ilusão da sociedade partida
pela metade, quando é socialmente minoritário —conta com apoio contínuo e firme
de cerca de 15% do eleitorado. Para atrair mais votos, é útil ao presidente
desenhar a outra candidatura viável como um extremismo especular.
Assim, bolsonarismo a terceiraviismo se
encontram na produção retórica de um "extremismo" de esquerda.
Produção porque o "outro extremo" é, de fato, um conjunto vazio. A
candidatura Lula-Alckmin é moderada, no máximo, de centro-esquerda.
Na ditadura, Lula, tido por radical, foi
preso. Cumpriu a pena. Depois de presidir o país, acatou sentença judicial,
quando tinha faca e queijo para se converter em líder político no exílio. Nos
dois casos, não conclamou apoiadores à resistência armada, defendeu-se dentro
das instituições. Nesta eleição, buscou vice na ala direita do PSDB, um
político de proclamados valores conservadores.
A situação nada tem de bipolar. Há várias
candidaturas democráticas e um único extremismo de tipo reacionário e
autoritário.
O contraste ficou patente em episódio desta
semana. Lula exortou
sindicalistas a irem às residências dos deputados e pressioná-los:
"não é para xingar não, é para conversar." O cabo Junio Amaral,
deputado pelo PL mineiro, logo deu seu endereço e o seu estilo de
conversa, encerrou seu
vídeo com pistola engatilhada. Carla Zambelli o secundou noutro
vídeo, encimado pelo letreiro "Lula ameaça famílias", no qual fala em
"pregar bala" em "legítima defesa".
Esta é a genuína polarização, entre os
fiéis aos mecanismos democráticos da persuasão e do voto e os amantes das
alternativas autoritárias e violentas.
*Professora de sociologia da USP e
pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
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