Correio Braziliense
Pela primeira vez, o STF
tomará decisões de grande impacto ambiental, sobretudo em relação à Amazônia,
cuja jurisprudência terá repercussão internacional
A Constituição de 1988 consagrou o nosso
Estado democrático de direito como uma democracia de massas, na qual a
sociedade civil também tem espaços de participação no Estado. Liquidar com essa
participação foi uma das estratégias do presidente Jair Bolsonaro para
implementar políticas reacionárias e/ou conservadoras e desconstruir políticas
públicas modernas e democráticas, consolidadas ao longo de vários governos. Uma
das áreas mais afetadas por essa estratégia foi o meio ambiente.
Entretanto, o governo começa a se deparar com as consequências jurídicas de suas ações regressivas e crimes ambientais. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, reservou quatro sessões plenárias da Corte para julgar sete ações relacionadas à proteção do meio ambiente e ao enfrentamento às mudanças climáticas. Ontem, a ministra Cármen Lúcia votou a favor da ADPF 651, que pede o restabelecimento da participação de representantes da sociedade civil no conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), que estabelece prioridades e diretrizes para a atuação do fundo — o mais antigo da América Latina voltado para o meio ambiente.
A sociedade civil havia sido excluída do
conselho do fundo em fevereiro de 2020, ou seja, dois meses após a posse de
Jair Bolsonaro. O fundo é estratégico. Desde a sua criação, em 1989, foram
aprovados 1.450 projetos socioambientais e recursos da ordem de R$ 275 milhões,
investidos em iniciativas de conservação e de uso sustentável dos recursos
naturais. No mesmo voto, Cármen Lúcia também considerou inconstitucional o
afastamento do conselho dos governadores da Amazônia Legal e a extinção do
Comitê Organizador do Fundo da Amazônia, no qual os representantes da sociedade
civil tinham assento.
Pacote verde
Ao suspender os trabalhos, ontem, o
julgamento estava 4 a 1 a favor da derrubada do decreto de Bolsonaro e 3 a 2
pela derrubada dos outros dois textos. A análise deve ser retomada na última
semana de abril, após os feriados da Semana Santa e de Tiradentes. Ricardo
Lewandowski e Alexandre de Moraes acompanharam Cármen Lúcia. André Mendonça e
Nunes Marques, ministros indicados por Bolsonaro, abriram as divergências.
Entre as ações do Pacote Verde — como está
sendo chamada o julgamento da Corte —, a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 760 é uma das mais importantes. Exige a retomada do Plano de
Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM). Foi
apresentado ao Supremo um extenso levantamento de dados e análises sobre a
destruição da floresta e a desestruturação de políticas ambientais promovidas
pelo governo Bolsonaro, feito por uma coalizão de 10 organizações ambientais e
de direitos humanos.
Institucionalidade
A importância do julgamento é histórica.
Pela primeira vez, o Supremo tomará decisões de grande impacto ambiental,
sobretudo em relação à Amazônia, cuja jurisprudência terá repercussão
internacional. Além da ADPF 760 e da ADPF 651, estão em julgamento no Supremo
mais as seguintes ações:
— A ADPF 735 questiona decreto presidencial
que retira autonomia do Ibama na fiscalização de crimes ambientais e a
transfere para as Forças Armadas pela Operação Verde Brasil;
— A ADO 54 acusa o governo federal de
omissão no combate ao desmatamento;
— A ADO 59 pede a reativação do Fundo
Amazônia, o repasse de recursos financeiros de projetos já aprovados e a
avaliação dos projetos em fase de consulta;
— A ADI 6148 questiona resolução do Conama
que estabelece padrões de qualidade do ar, sem estabelecer prazos para a
mudança;
— A ADI 6808 contesta medida provisória que
permite licença ambiental automática para empresas consideradas de grau de
risco médio e impede que órgãos de licenciamento solicitem informações
adicionais, além das informadas à Redesim (Rede Nacional para a Simplificação
do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios).
O julgamento servirá para consolidar a
institucionalidade da política ambiental brasileira, que tem uma das melhores
legislações existentes, inclusive reconhecida internacionalmente. Infelizmente,
a política do governo Bolsonaro para o meio ambiente é sinônimo de desastre, em
todos os sentidos. Essa institucionalidade é fundamental para que o Brasil
possa honrar seus compromissos internacionais e os governos, em todos os
níveis, cumpram seu papel em relação ao aquecimento global. Essa agenda é um
dos temas em debate no mundo e deverá voltar à pauta dos fóruns internacionais,
depois da guerra da Ucrânia, que já está tendo grande impacto prejudicial ao
meio ambiente.
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