Folha de S. Paulo
Pesquisas, incluindo as recentes, apontam
estabilidade do quadro eleitoral, não o contrário
Isso a que chamam "terceira via",
em conseguindo ser alguma coisa, teria a coragem, a clareza ou ambos de partir
para a desconstrução de Jair
Bolsonaro, deixando claro por que, para a sobrevivência da democracia, ou
para a sua higidez, ele não pode ser reeleito presidente da República, ou
estaremos todos fritos? Quando vão perceber que a tradução da fórmula
"nem-nem" é esta: "nem bilheteria nem fortuna crítica"? Até
agora, no entanto, vejo passos em sentido contrário. O caminho está errado.
E qual é o erro essencial da turma que se meteu na criação do que chamei aqui de "Quimera da Dupla Negação"? A ambição de se constituir como uma espécie de Comitê de Salvação Pública, mas com sinal trocado. Em vez do cego furor revolucionário, o que se vê —com todas as vênias às personagens envolvidas— é um reacionarismo meio salta-pocinhas, que é antibolsonarista por força das circunstâncias apenas, mas cuja vocação é ser, de verdade, antipetista e antilulista. "E não pode ser, Reinaldo?" Claro que sim! Mas, então, é preciso chamar as coisas pelo nome e ver se a postulação dá pé. Eu acho que não dá.
Olho a mais recente leva de pesquisas.
Ainda que se tentem captar movimentos relevantes aqui e ali, e até há alguma
coisinha, a verdade é que se tem uma impressionante estabilidade do quadro
eleitoral. No dia 12 de maio de 2021, Lula
bateria Bolsonaro no Datafolha por 55% a 32% no segundo turno. Depois de
uma suposta tendência a uma fabulosa recuperação eleitoral do atual mandatário,
o petista
o venceria, quase um ano depois, por 55% a 34%, em dados de março.
O ex-presidente tem 40% ou mais (44% nesta
quinzena) no primeiro turno das 12 últimas pesquisas Ipespe. Bolsonaro ficou
entre 24% e 30% (dado mais recente) nesse intervalo e já havia chegado a 28%.
Na Quaest, que começou a fazer pesquisas em julho do ano passado, Lula largou
com 54% no segundo turno, número que repete agora, no 10º levantamento.
Bolsonaro começou com 33% e hoje exibe 34%. Chegou ao fundo do poço, é certo,
em novembro do ano passado, com 27%. E seu antípoda já marcou 57%.
A nota emitida por MDB, PSDB (tendo o
Cidadania como chaveirinho) e União Brasil (UB), nesta quarta (6), anunciando
que devem definir em 18 de maio um nome para disputar a eleição, ficando a
UB de escolher o seu representante no grupo até o dia 14, é uma aberração única
na política. Logo no primeiro parágrafo do texto, lê-se que o grupo reafirma
"tratativas para apresentar um candidato(a) à Presidência da República
como a alternativa no campo democrático."
Não entendi direito. É "uma"
alternativa, de modo que há outras, ou a turma considera que o J. Pinto
Fernandes (vejam poema de Carlos Drummond de Andrade), a personagem ainda
indefinida, é mesmo "a" alternativa, de sorte que, por ora, uns 70%
dos brasileiros estariam escolhendo nomes contrários à democracia? Outra
pergunta que tenho feito há mais de ano em toda parte —e que irrita também os
bolsonaristas, levando-os de novo a defender a tortura, como se viu no ataque
criminoso a Míriam Leitão: no que respeita aos valores democráticos e à defesa
dos direitos humanos e das garantias fundamentais, Lula e Bolsonaro são mesmo
males opostos e combinados? O "nem-nem" é, antes de qualquer coisa,
uma falsificação da história.
O jogo ainda não está jogado, é claro.
Erros importantes podem ser cometidos. Mas não vejo leitura possível do jogo
que justifique essa ideia tola do "Comitê Conservador de Salvação
Pública". Caso se consiga definir quem é J. Pinto Fernandes, a tarefa
óbvia de tal personagem é tentar tirar Bolsonaro do segundo turno —por
enquanto, ele está ganhando musculatura para assegurar a vaga. E olhem que não
faltam ruindades e insucessos no seu governo. Ocorre que a turma do
"Comitê" está muito ocupada trocando tapas.
No PSDB, Eduardo Leite ignora
o resultado das prévias. Na UB, Luciano Bivar usa Sergio Moro,
o "Bolsonaro Nutella", como uma espécie de cavalo de Troia,
evidenciando que o partido já nasce sob os auspícios do bifrontismo. E se
permite que o único nome do grupo que tem uma obra de dimensão nacional —e tem—
seja jogado às cobras. Refiro-me, claro!, a João Doria.
Não há terceira via possível se o caminho está errado.
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