Valor Econômico
Protestos contra inflação e escassez de
alimentos e combustíveis já estão ocorrendo no Peru e em outros países. E devem
se espalhar. Isso deixará governos acuados
A deterioração do cenário econômico global,
devido principalmente (mas não apenas) à guerra na Ucrânia, já está causando
agitação social e instabilidade política em vários países. Governos,
investidores e empresas precisam se preparar para uma fase de turbulência,
especialmente nos emergentes.
Como disse nesta semana a secretária do
Tesouro dos EUA, Janet Yellen, os efeitos econômicos do conflito na Ucrânia
serão enormes e “o alastramento global da crise está colocando em evidência as
vulnerabilidades de muitos países que já enfrentam uma carga de dívida maior e
opções de políticas limitadas, num momento em que se recuperam da [crise da]
covid-19”.
Esse alastramento da crise está ocorrendo
de várias formas.
A mais imediata é o aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos, o que está elevando a inflação em todo o mundo. Nesta semana, a Turquia assumiu a liderança do ranking de maiores inflações entre as principais economias, com 61,14% (dado anual) em março, o maior nível em 20 anos. Na Argentina, a inflação anual ficou em 52,3% em fevereiro, também em alta. O Brasil vem em seguida, com 9,68% em 12 meses.
Em todo o mundo, os governos estão buscando
formas de atenuar esse impacto nos preços, reduzindo impostos e criando ou
ampliando subsídios. Ou então proibindo reajustes, o que costuma funcionar
apenas no curtíssimo prazo, pois acaba gerando desabastecimento.
Países europeus estão gastando dezenas de
bilhões de euros para conter a alta dos preços de combustíveis. Mas a maioria
dos emergentes têm pouca margem fiscal para isso, até porque o mundo está
saindo de um período de mais de dois anos de gastos públicos excepcionais
relacionados à pandemia de covid-19.
Esse processo de aumento de preços está
causando uma onda mais acelerada e agressiva de alta das taxas de juros, o que
eleva o custo de financiamento, para consumidores, empresas e governos,
deprimindo mais a atividade econômica.
Essa alta global dos juros deve fazer com
que países emergentes, especialmente aqueles que são grandes importadores de
energia e/ou de alimentos, tenham piora nas contas externa e dificuldade de
refinanciar a sua dívida.
O crescente risco econômico e político
pressiona o câmbio, o que agrava ainda mais a crise.
A combinação de demanda por mais gasto
público com dificuldade de financiamento externo e pressão no câmbio é um
coquetel perigoso, que ameaça gerar crises de balanço de pagamentos. Países
como Líbano, Tunísia e Egito estão negociando pacotes de ajuda com o FMI.
Economistas alertam para o risco de uma nova onda de crise da dívida nos
emergentes.
A guerra deve jogar a Rússia numa depressão
econômica, mas é muito provável que a União Europeia e os EUA tenham um período
de crescimento baixo ou mesmo de recessão, dependendo de como o conflito
evoluir.
Uma queda simultânea na demanda nos dois
maiores mercados do mundo afetará toda e economia global, mesmo aqueles países
exportadores de commodities (como o Brasil) que neste primeiro momento estão
ampliando as suas exportações.
Tudo isso trouxe incertezas e volatilidade
nos mercados.
Com a deterioração econômica, está
crescendo o mal-estar social no países. E isso ameaça gerar crises políticas.
O caso mais próximo é o do Peru, onde o
governo enfrenta uma violenta onda de protestos contra a alta dos preços dos
combustíveis e dos alimentos, que já causou a morte de sete pessoas. As
manifestações elevaram a pressão pela renúncia do presidente esquerdista Pedro
Castillo. Sem uma base sólida de apoio no Congresso, Castillo já vinha sofrendo
forte oposição e sobreviveu a duas tentativas de afastamento no Legislativo.
Seu futuro agora é incerto.
O Peru importa cerca de 75% do petróleo que
consome e depende muito também de grãos importados, o que o torna
particularmente vulnerável à alta atual dessas commodities. Além disso, foi um
dos países mais duramente atingidos pela pandemia de covid-19.
Mesmo as eleições francesas podem estar
sendo afetadas pela piora no humor da população. Até poucas semanas atrás, as
pesquisas de intenção de voto indicavam uma reeleição tranquila para o
presidente centrista Emmanuel Macron. Ele deve vencer o primeiro turno, neste
domingo, e provavelmente enfrentará a candidata de extrema-direita Marine Le
Pen no segundo turno, em 24 de abril.
Mas nas últimas semanas Macron vem caindo
nas pesquisas, e Le Pen, subindo. Pesquisa Atlas divulgada ontem coloca os dois
em empate técnico no segundo turno.
Não está claro ainda se a alta da inflação
está por trás da queda recente de Macron, mas é bem provável. O presidente
vinha com popularidade crescente nos meses que antecederam a guerra na Ucrânia,
por suas tentativas de mediação. E Le Pen estava acuada pela sua relação
próxima com o presidente russo, Vladimir Putin, que certamente é o político
mais odiado na Europa hoje.
Apesar de a expectativa com a economia
francesa ainda ser positiva (crescimento de 2,8% neste ano, segundo o BCE) e de
o desemprego estar no menor nível em 13 anos (7,4%), a alta inflação (que ficou
em 4,5%, taxa anual em março, abaixo da média da UE) está corroendo o poder de
compra dos franceses.
Mas é nos países mais pobres que o risco de
agitação social e política é maior. Até pelo risco de escassez de alimentos,
devido à alta dos preços. O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou
em março para a ameaça de um “furação de fome” pelo mundo.
Um desses casos é Sri Lanka, país insular
de 22 milhões de habitantes, ao sul da Índia. Nesta semana, o presidente do
Parlamento local, Mahinda Yapa Abeywardana, alertou: “A escassez de comida,
gasolina e energia elétrica vai piorar. A falta de comida será aguda e haverá
fome”. O país está ficando sem reservas em moeda estrangeira para bancar suas
importações. Nos últimos dias houve protestos violentos, com tentativa de
invasão da residência de várias autoridades. O governo também está em
negociação com o FMI.
Como sugeriu Yellen, países com mais vulnerabilidades devem sofrer mais, e primeiro. Mas é provável que esse mal-estar com a deterioração da economia se espalhe. A guerra na Ucrânia causará danos colaterais pelo mundo, difíceis de prever e de enfrentar. Castillo tentou barrar os protestos com um toque de recolher. Não funcionou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário