Folha de S. Paulo
Religiões criaram a figura de um Deus que
tudo vê e tudo registra
Estudo de Renato Sérgio de Lima e Samira
Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indica que a adoção de câmeras
corporais nos uniformes de policiais de 18 batalhões de São Paulo evitou
a morte de 88 pessoas entre 2020 e 2021.
Sempre fui fã das câmeras. Não digo que
deveriam ser espalhadas por todos os cantos. Há lugares (o leito conjugal) e
situações (a mesa de bar após o terceiro drink) que devem ser preservados como
esferas de privacidade. Mas não vejo como sustentar que não possam ser
instaladas em espaços públicos densamente povoados ou para monitorar a ação de
agentes públicos.
Como já observou o filósofo Emrys Westacott, a mágica das câmeras está em fazer com que o interesse público (o cumprimento de regras) e o interesse próprio (não ser flagrado cometendo um delito), que muitas vezes andam separados, convirjam. Funciona. É só apertar "play" que as pessoas já começam a se comportar melhor. E é curioso notar que essa estratégia de controle social não é inédita.
Muito antes de a tecnologia das câmeras surgir,
religiões criaram a figura de um Deus que tudo vê e mantém registro do que cada
um de nós faz para efeitos de castigo/recompensa futuros. Esse Deus onividente
é, se quisermos, uma câmera virtual que religiões instalam nas cabeças dos
fiéis com o intuito de fazê-los comportar-se melhor. Funciona. Há toda uma
família de experimentos psicológicos que mostram que as pessoas, quando
lembradas ("primed") da ideia de Deus, adotam atitudes mais
pró-sociais em jogos econômicos.
A vantagem das câmeras reais sobre as virtuais é que elas produzem imagens que podem, em caso de necessidade, converter-se em provas judiciais, o que certamente ajudou a derrubar a letalidade policial em São Paulo. Tarcísio de Freitas, o candidato de Bolsonaro ao governo paulista, já disse que, se eleito, acabará com as câmeras. Não sei por que, mas a notícia não surpreende.
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