EDITORIAIS
Bancadas do Centrão ganham mais força para
as eleições
Valor Econômico
O custo político de governar a República
aumentou e ainda pode crescer
Os partidos do Centrão incharam com as
trocas de legendas na Câmara permitidas pela janela eleitoral. Por uma série de
motivos, entre os quais em primeiro lugar figuram os recursos do fundo
eleitoral, um quarto dos deputados mudou de sigla - na grande maioria dos
casos, é disso que se trata, da troca de letras. Dos 129 deputados que fizeram
isso (o número não está completo), 70 se filiaram às legendas que carregam o
presidente Jair Bolsonaro nos ombros rumo a sua tentativa de reeleição:
Progressistas (PP), PL e Republicanos. No cômputo geral, a direita e o centro
avançaram bastante. A esquerda entrou o ano com 141 deputados e saiu da janela
com 118. Nela, apenas o PT ganhou deputados: ficou com 58, tinha 56.
O movimento em direção aos principais partidos fisiológicos foi mais intenso, porque nele aportaram parlamentares do emaranhado de legendas que já gravitavam em torno do governo, de porte pequeno e pulverizados. A proibição das coligações em eleições proporcionais, mais a cláusula de barreira, foram as razões para a debandada, e podem ser também os algozes das legendas remanescentes. Treze dos 23 partidos com representação na Câmara ficaram com uma bancada menor que os 11 deputados que terão de ser eleitos segundo as regras da cláusula de barreira nas eleições de outubro.
No cenário pré-eleitoral, uma das
consequências é a de que grupos mais fisiológicos do Congresso têm agora mais
chances de aumentar suas bancadas na próxima legislatura e ampliar seu domínio
sobre a pauta do Legislativo. Os partidos robustecidos que vão às urnas com
Bolsonaro dão mais visibilidade ao presidente em suas campanhas, embora o
decisivo, no caso, sejam os palanques estaduais, em que governadores se alinham
a um candidato ao Planalto que puxe votos para todos.
Como esses partidos não têm ideologia e se
movem em grande parte pela sobrevivência, parte de forças bolsonaristas
formarão palanque para Lula no Nordeste, onde o ex-presidente é imbatível.
Aconselhado por velhas raposas da política, como Ciro Nogueira (PP) e Valdemar
Costa Neto (PL), o suprassumo da “velha política”, Bolsonaro montou apoios
fortes em São Paulo, Rio e Minas, o primeiro, segundo e quarto maiores colégios
eleitorais do país, e pode se beneficiar da discórdia do PT na Bahia, o
terceiro maior.
Ainda que não tenha possibilidades de
vencer no Nordeste, Bolsonaro e seus aliados têm candidatos com alguma
competitividade em vários Estados da região (como Ceará e Rio Grande do Norte)
e buscarão diminuir a diferença imensa de votos nordestinos nos petistas em
relação aos governistas.
No cenário pós-eleitoral, as consequências
são mais profundas e perigosas. O Centrão vivia disperso até 2015, quando o
então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deu-lhes uma liderança e os
uniu em torno de propósitos - entre eles, obter recursos por meio do orçamento
impositivo e apoiar o impeachment de Dilma Rousseff. Os partidos fisiológicos
tomaram gosto pela coisa e tornaram obrigatórias não só as emendas individuais,
como as de bancada.
Quando o presidente Bolsonaro entregou as
chaves do Congresso ao Centrão, os partidos entronizaram líderes do baixo
clero, como Arthur Lira (PP), presidente da Câmara e os comandantes do PL e do
Republicanos. No acordo para sustentar Bolsonaro surgiram as vergonhosas
emendas do relator, ou secretas - envio de recursos para Estados e municípios
sem identificação de quem pediu e, muitas vezes, quem recebeu. Líderes destes
partidos e até seus parentes de distintos graus foram beneficiados por elas.
As três legendas saíram de 101 deputados
para 171 no ano eleitoral e, com diferença qualitativa, isto é, com líderes
visíveis e com uma agenda política que dista muito de qualquer coisa parecida
com austeridade e probidade na destinação de recursos públicos. Um novo
crescimento nas urnas, como vem ocorrendo desde 2014 e que produziu o desastre
político da ascensão de Bolsonaro, tornará muito mais difícil a vida do próximo
presidente, caso não seja Bolsonaro. Mesmo Lula, com sua habilidade de formação
de coalizões - havia mais de uma dezena de partidos na base de Dilma Rousseff -
e desprezo pelas consequências desses acordos (petrolão, por exemplo), terá
dificuldades de se impor diante do Centrão. O custo político de governar a
República aumentou e ainda pode crescer.
A absurda inversão de prioridades entre os
deputados
O Globo
A Câmara vive numa realidade paralela. De
um lado, o plenário negou a tramitação em regime de urgência a um projeto
essencial para as eleições deste ano e para o futuro da democracia no Brasil: o
PL das Fake News, que coíbe a desinformação nas redes sociais e estabelece
normas de transparência e responsabilidade no meio digital. De outro, a
liderança do governo na Casa afirma já ter acordo para votar o projeto
estapafúrdio que regulamenta o ensino doméstico, uma das obsessões ideológicas
do bolsonarismo. Nada menos prioritário diante da sucessão de escândalos no
Ministério da Educação e dos problemas crônicos no ensino agravados por quase
dois anos de escolas fechadas na pandemia.
Na mesma quarta-feira em que o pedido de
urgência para a votação do PL das Fake News foi derrubado em plenário, o líder
do governo, Ricardo Barros (PP-PR), confirmou o acordo para votar o projeto que
regulamenta no país aquilo que as hostes bolsonaristas preferem chamar pelo
nome em inglês: homeschooling. A iniciativa sem cabimento veio à baila num
momento em que o MEC se debate sob denúncias de corrupção, tráfico de
influência de pastores obscuros na alocação de verbas públicas e compras
superfaturadas de ônibus escolares.
O ensino doméstico só serve para satisfazer
a militância bolsonarista, para quem as escolas estão tomadas por doutrinadores
de esquerda. Nada acrescenta à melhoria da qualidade do ensino. Ao contrário,
traz prejuízos inequívocos aos alunos pelo afastamento do convívio social com a
diversidade inerente a qualquer ambiente escolar. É verdade que, nos últimos
meses, o projeto da Câmara foi suavizado. Exige que as crianças estejam
matriculadas em escolas (responsáveis pelas avaliações), que os pais tenham
curso superior e que os conteúdos estejam de acordo com a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC). Mas nada disso o torna útil.
A educação vive momento desafiador. Quase
dois anos de escolas fechadas e o fracasso do ensino remoto provocaram estragos
difíceis de recuperar. Que pode fazer o ensino doméstico para melhorar esse
quadro? Nada. As deficiências da educação no país não têm a ver com doutrinação
política nas salas de aula, mas com falhas na formação dos professores,
precariedade das escolas, falta de acesso à internet etc.
A pressa em votar o projeto do ensino doméstico
revela quanto os deputados estão distantes dos problemas reais. Não tiveram a
mesma pressa para acelerar a tramitação do PL das Fake News. O regime de
urgência era essencial para que as novas regras entrassem em vigor antes das
eleições deste ano. Não é difícil imaginar os efeitos desastrosos para o
pleito. Desinformação e mentiras inundarão as redes sociais num ambiente sem
lei, impondo graves ameaças aos resultados. Na prática, o Legislativo
transferiu ao Judiciário o ônus de disciplinar o caos.
Não se pode dizer que o projeto
prejudicaria os deputados, já que estendia a imunidade parlamentar aos meios
digitais, conferindo-lhes licença para mentir. Nem isso os sensibilizou para
acelerar o trâmite. A Câmara adotou o comportamento-padrão: deu as costas às
necessidades prementes do país e privilegiou a subserviência ao governo
Bolsonaro, bem nutrida por cargos e verbas do orçamento secreto. Prioriza-se o
supérfluo e descarta-se o que importa. Aos brasileiros indignados com essa
distorção, resta o voto.
Mendonça tem de cumprir prazo legal em
pedido de vista na Pauta Verde
O Globo
O conjunto de ações apresentado ao Supremo
Tribunal Federal (STF) sobre os desvarios ambientais do governo Jair Bolsonaro,
com sete processos ao todo, enfrentou na quarta-feira o primeiro percalço
regimental. O recém-empossado ministro André Mendonça pediu vista de dois dos
processos, depois de apreciados pela relatora, ministra Cármen Lúcia (ela
acolheu as reclamações de Rede, PDT, PT, PSOL e PCdoB contra a política
ambiental bolsonarista). A Amazônia tem pressa, por isso a atitude de Mendonça
preocupa.
As duas ações tratam do abandono do plano
que conteve o desmatamento entre 2014 e 2018 e do descumprimento das metas de
preservação ligadas ao clima. Mendonça justificou o pedido de vista alegando
ter sob sua relatoria dois processos sobre o mesmo tema e afirmou desejar
analisá-los em conjunto, abordando também a responsabilidade de governos
estaduais. Por ter sido da Advocacia-Geral da União (AGU) e ministro da
Justiça, é inevitável que o pedido seja interpretado como deferência a
Bolsonaro, que tem apoio cativo de madeireiros ilegais, grileiros e
garimpeiros, contrários à retomada de políticas anteriores.
Antes de Mendonça, o ministro Nunes
Marques, primeira indicação de Bolsonaro ao STF, já segurou ações de interesse
do bolsonarismo com pedidos de vista (nos casos da linguagem neutra nas
escolas, do julgamento do ex-deputado Roberto Jefferson e do passaporte da
vacina para Covid-19).
Um ministro deve julgar de acordo com sua
consciência, e o pedido de vista faz parte do trâmite legal. É evidente,
contudo, o abuso desse mecanismo por ministros que tentam evitar decisões
contrárias a suas opiniões. Há processos engavetados há anos, embora, pelo
regimento, a vista deva durar apenas o período correspondente a duas sessões
ordinárias da Corte.
Ministros do Supremo têm de agir sem
motivação política. Pode levar tempo para alguns se adaptarem à distância dos
poderosos que os indicaram, mas o Brasil está cheio de exemplos de quem soube
demonstrar independência. O relator do mensalão, Joaquim Barbosa, foi indicado
por Lula, e seu trabalho exemplar resultou na condenação de 24 réus, entre eles
próceres do PT. Mesmo na Suprema Corte americana, onde os indicados seguem de
forma mais clara um perfil político-ideológico, há inúmeros processos em que a
tendência dos votos não é previsível.
No Brasil, o presidente indica ministros do Supremo. Mas, uma vez aprovados pelo Senado, eles devem exercer o cargo em nome do Estado, e não do ocupante do poder. É o que se espera de Mendonça. Ele deu um primeiro sinal de independência ontem ao concordar com a essência do voto de Cármen Lúcia na terceira ação da Pauta Verde, em favor do retorno dos representantes da sociedade civil, afastados por Bolsonaro do Conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente. Antes, garantira que não haveria outro pedido de vista seu no julgamento. Precisa agora cumprir o prazo regimental e devolver o processo quanto antes. A Amazônia e o planeta não têm tempo a perder.
Incertezas paulistas
Folha de S. Paulo
Haddad lidera, mostra Datafolha, mas três
nomes podem fazer disputa difícil
A
nova pesquisa Datafolha para o governo de São Paulo foi realizada num
momento em que o quadro de pré-candidaturas mostra-se menos nebuloso, embora
ainda marcado por incertezas de monta.
O avanço da aliança entre o ex-tucano
Geraldo Alckmin (PSB) e o ex-presidente Lula (PT) na chapa presidencial, o
afastamento de João Doria (PSDB) da disputa estadual e a presença no páreo do
ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos) são definições
importantes.
Sobrevive, porém, a dúvida relevante quanto
à permanência da postulação de Márcio França (PSB).
No cenário que inclui os nomes de França e
Fernando Haddad (PT), o ex-prefeito lidera com 29% das intenções de voto,
seguido pelo ex-governador com 20%. Tarcísio de Freitas surge com 10%, e o
agora governador Rodrigo Garcia (PSDB), com 6%.
A indecisão quanto à candidatura de França
está ligada, como se sabe, ao acordo eleitoral entre PT e PSB para a corrida
pelo Planalto, processo que tem provocado atritos regionais e demandado
ajustes, nem sempre bem-sucedidos. As pretensões do ex-vice de Geraldo Alckmin
assentam-se em atuação conhecida no estado e em resultados consistentes nas
urnas.
Há quem considere no terreno do PT e do PSB
que a participação dos dois na campanha poderia, além de ampliar o palaque
paulista de Lula, conter o crescimento de Rodrigo ou mesmo o eventual avanço de
Tarcísio, que é o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e
apareceu na sondagem com índice digno de nota.
No cenário em que França é retirado da
lista, Haddad continua à frente, com 35%, e Tarcísio e Rodrigo vêm a seguir com
11%, evidenciando-se a divisão dos votos do PSB entre o ex-prefeito e o
governador —que tem a seu a favor a máquina estadual, sempre um fator a ser
ponderado nas disputas.
No que tange às rejeições, Haddad
lidera com 34%, seguido de França, com 20%, e de Rodrigo e Tarcísio, com
17% e 16%.
Entre os entrevistados, 46% dizem que não
votariam de jeito nenhum em candidatos indicados por Lula. Por sua vez, o
preferido de Bolsonaro seria descartado por 62%. O postulante petista é o mais
conhecido dos eleitores, enquanto o governador e o ex-ministro são os mais
desconhecidos.
Trata-se, é sempre prudente destacar, de um
primeiro retrato da corrida pelo voto paulista, que certamente terá pela frente
desdobramentos significativos. Não apenas pelo tempo que nos separa da votação
como pelas características peculiares que vão se desenhando no contexto
eleitoral mais amplo.
ONGs amigas
Folha de S. Paulo
Contratos do governo Bolsonaro com duas
entidades deturpam objetivos da lei
As organizações não governamentais (ONGs)
têm sido um dos alvos preferenciais da ofensiva ideológica de Jair Bolsonaro
(PL).
Desde antes de assumir a Presidência, o
mandatário e seu entorno se dedicam, de maneira obsessiva e generalizante, à
tarefa de demonizá-las, questionando os recursos públicos a elas direcionados,
apontando supostas falhas de fiscalização e difamando suas ações.
Essa ojeriza, no entanto, opera de forma
bastante seletiva —como se sabe agora. No ano passado, o governo federal
autorizou o repasse de R$ 6,2 milhões a duas ONGs —uma controlada pelo
ex-jogador Emerson Sheik e outra pelo lateral-direito da seleção brasileira
Daniel Alves— para a realização de cursos esportivos.
O apoio fornecido a um tipo de entidade tão
combatida pelo presidente não é, porém, o que mais chama a atenção no caso.
Conforme
reportagem da Folha,
as duas instituições tiveram seus projetos aprovados mesmo não apresentando
nenhuma experiência prévia na área. Mais grave: a assinatura dos convênios só
foi possível porque os atletas se valeram de uma manobra para driblar as
exigências legais, recorrendo às chamadas "ONGs de prateleira".
A expressão batiza associações que, apesar
de criadas há um tempo considerável, não realizam atividade, servindo, em muitos
casos, apenas para satisfazer o prazo de três anos de existência exigido pela
lei para a consecução de parcerias com a administração federal.
Ambos os atletas assumiram suas ONGs poucos
meses antes de apresentarem as propostas ao governo.
No caso de Sheik, uma entidade fundada há
26 anos e até então sem ação social na área do esporte. Em dezembro, a ONG
assinou um convênio para a instalação de três unidades esportivas no estado do
Rio por R$ 2,7 milhões.
Já a associação de Alves, que estava
inativa havia cinco anos, firmou um contrato de R$ 3,5 milhões para a criação
de três núcleos de basquete 3 x 3 na Bahia, em Pernambuco e no Distrito
Federal.
As verbas foram alocadas por meio de
emendas de dois deputados governistas. Próximo da família Bolsonaro, Sheik
desistiu da parceria após ser procurado pela reportagem —Alves também
já manifestou simpatia pelo governo.
O Ministério da Cidadania diz que não há ilegalidade nos acordos. Pode até ser. Na prática, porém, os convênios deturpam o sentido da lei e colocam em xeque a impessoalidade imprescindível a qualquer política pública.
Lula em estado bruto
O Estado de S. Paulo
Bem distante da imagem moderada que pretendia vender ao eleitorado, Lula, o verdadeiro, aposta no rancor e na divisão da sociedade, exatamente como faz Bolsonaro
As recentes declarações de Luiz Inácio Lula
da Silva expõem as falhas insanáveis do discurso de moderação que o petista
pretendia emplacar nas eleições deste ano. Lula se apresenta como o único em
condições de liderar uma frente ampla em defesa da democracia e, portanto,
seria a única opção contra o autoritarismo do presidente Jair Bolsonaro. O
convite ao ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para ser vice em sua
chapa seria a prova de sua definitiva conversão ao centro democrático. Mas o
Lula “moderado” desaparece quando ele está em ambientes exclusivamente
petistas, onde não precisa enganar ninguém. Ali, Lula surge em estado bruto.
Na Fundação Perseu Abramo, instituto de
estudos criado pelo PT, Lula se sentiu à vontade para atacar seu alvo favorito:
a classe média. Segundo o petista, a classe média brasileira “ostenta um padrão
de vida que em nenhum lugar do mundo a classe média ostenta”. E continuou: “Nós
temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que não tem na Europa, que
não tem em muitos lugares. Aqui na América Latina, a chamada classe média
ostenta muito um padrão de vida acima do necessário”.
O ódio petista à classe média é velho
conhecido. Foi enunciado com todas as letras por uma das intelectuais petistas
mais representativas, a filósofa Marilena Chauí, em inesquecível discurso num
evento do partido em 2013: “Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso
de vida. A classe média é a estupidez; é o que tem de reacionário, conservador,
ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma coisa fora do comum. (...) A
classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação
ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim”.
É evidente que os petistas de classe média
– e eles existem aos montes, como é o caso da própria Chauí – não se consideram
nada disso. Talvez se envergonhem dos bens e do patrimônio de que dispõem,
talvez sejam apenas cínicos, mas o fato é que, para a turma que urra quando
Chauí e Lula atacam a classe média, os odiados “burgueses” são sempre os
outros.
Mas Lula agora foi além: pretende dizer
como devem viver os cidadãos de classe média que pagam impostos e ganham
dinheiro com o suor do rosto. Em seu marxismo de botequim, o líder petista, ora
vejam, acha que a classe média não pode ter um padrão de vida acima do que ele
considera “necessário”.
Em outro evento, na CUT, Lula fez pior.
Disse que de nada adianta realizar protestos em frente ao Congresso, porque
isso não comove os políticos. Para o petista, o ideal é que os militantes
perturbem os parlamentares em suas residências, bem como suas famílias.
“Deputado tem casa. Eles moram em uma cidade, nessa cidade tem sindicalista.
(...) Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas até a
casa dele, não é para xingar, mas para conversar com ele, conversar com a
mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele. Eu acho que
surte muito mais efeito.” Muito democrático.
Não se sabe exatamente qual é a estratégia
de Lula por trás desse discurso autoritário, mas isso pouco importa. O que
interessa é que fique muito claro para os eleitores que Lula não é tão
diferente de Bolsonaro como pretende fazer crer. Assim como o presidente, Lula
aposta no rancor e na divisão da sociedade para eletrizar seus devotos. Ambos
querem resumir a eleição a um confronto do “bem” contra o “mal”.
A pacificação do País obviamente passa por
dar fim a essa polarização agressiva que não resolveu nem resolverá nenhum dos
problemas crônicos da sociedade brasileira, como um desemprego resistente de
dois dígitos, a inflação alta, a volta da fome e a ausência de soluções para a
deficiente oferta de serviços de educação e saúde pelo Estado.
Nesse sentido, é muito bem-vinda a
sinalização de uma união de partidos de centro em torno de uma só candidatura
ao Palácio do Planalto. Independentemente da escolha final desse grupo,
trata-se por enquanto da melhor resposta a esse embate apocalíptico que Lula e
Bolsonaro tentam fazer parecer inevitável.
É preciso amadurecer o PL das Fake News
O Estado de S. Paulo
Ao recusar urgência, a Câmara dá o tempo necessário para debater em profundidade um projeto tão ambicioso e relevante para combater a desinformação nas redes
A Câmara rejeitou o requerimento de
urgência para a votação do Projeto de Lei (PL) das Fake News. Claramente, ao
contrário do que alegou a presidência da Casa, ele não estava “maduro”.
A importância e a amplitude das redes
digitais cresceram exponencialmente com a pandemia, e 2022 será um ano de
intensa deliberação nos Parlamentos e agências reguladoras do mundo sobre temas
como concentração econômica e competição, privacidade de dados ou os impactos
sobre o processo democrático.
A União Europeia, por exemplo, acaba de
aprovar o Digital Markets Act, com o objetivo de impedir que grandes empresas
abusem de seu poder de mercado e sufoquem competidores. As deliberações estão
avançadas para um quadro legal sobre conteúdos ilícitos, publicidade
transparente e desinformação (Digital Services Act).
O escopo do projeto brasileiro vai além das
fake news. Denominada “Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na
Internet”, ela aborda questões como o status jurídico das redes sociais,
veiculação de conteúdo jornalístico, publicidade digital, compartilhamento de
dados ou moderação de conteúdos.
Aprovado em 2020 em um processo opaco e
açodado no Senado, o texto já foi bastante lapidado. Imprecisões elementares e
regras incompatíveis com as melhores práticas internacionais foram corrigidas.
Há conceitos engenhosos, aptos a garantir, a um tempo, a autonomia das redes em
relação às regras de moderação e a sua neutralidade em relação aos usuários,
como o de “autorregulação (das
redes) regulada (por um
Comitê Gestor)”. E há dispositivos necessários, como o que obriga
as redes a terem representação no Brasil ou a remunerar conteúdos
jornalísticos. Mas restam pontos controvertidos.
Por exemplo, o texto equipara redes
sociais, ferramentas de busca e aplicativos de mensagem a mídias como jornais e
TVs. A questão é pertinente no caso das redes, que, em tese, só veiculam
conteúdos de terceiros, mas, na prática, realizam frequentemente seleções
assimiláveis a um trabalho editorial. Mas no caso dos motores de busca e
aplicativos de mensagem não faz sentido.
O texto também obriga as redes a divulgar
critérios, códigos e estratégias de direcionamento de conteúdo publicitário ou
de identificação automatizada de conteúdos ilícitos, o que poderia obrigá-las a
compartilhar segredos do negócio a concorrentes, no primeiro caso, e a
criminosos, no segundo.
Mas o maior risco são as manobras para
garantir blindagem aos políticos. O projeto prevê uma ampliação da imunidade
parlamentar que na prática obliteraria a prerrogativa das plataformas de
remover conteúdos fraudulentos ou discurso de ódio. Isso criaria duas
categorias de usuários: os sujeitos à regulação dos conteúdos e os
privilegiados imunes à lei.
A justificativa para o regime de urgência
não era de todo descabida, em vista das eleições em outubro. Mas, se não há
consenso, não há consenso. E esse consenso não será alcançado atropelando as
comissões e outros procedimentos parlamentares projetados justamente para
construí-lo. É bem verdade que o interesse das bases bolsonaristas que votaram
contra a urgência é manter o ambiente digital o mais anárquico possível. Mas,
ainda que pelas razões erradas, seu voto pesou para o desfecho certo.
O País, contudo, não está desamparado. O
Tribunal Superior Eleitoral vem consolidando a jurisprudência sobre a
desinformação e está mobilizando uma estreita cooperação com as plataformas.
Mais importante, o Brasil tem o Marco Civil da Internet, que, além de oferecer
um arcabouço legal equilibrado, resultou de amplo debate na sociedade civil e
no Parlamento, servindo de modelo para a construção de um projeto tão ambicioso
quanto o PL das Fake News.
Dada a importância da regulamentação da
rede digital, a decisão de rejeitar o regime de urgência a um projeto que ainda
não alcançou o consenso é acertada. De qualquer forma, enquanto se discute esse
fundamental marco legal, cabe ao Judiciário atuar de forma célere e firme para
punir os delinquentes digitais na eleição.
No caso dos Correios, o padrão do governo
O Estado de S. Paulo
Sem liderança e sem interesse do governo, projeto de privatização está parado; é mais uma promessa que não sai do papel
A tramitação do projeto de lei de
privatização dos Correios, atualmente no Senado, é um retrato perfeito do
descompasso entre discurso e ação do governo do presidente Jair Bolsonaro e, em
especial, de sua incompetência em praticamente todas as frentes em que precisa
atuar. A aprovação do projeto já foi tema urgente; hoje, é assunto praticamente
esquecido. Nessa e em outras questões que demandam decisões e trabalho do
governo, faltam estudos adequados, falta empenho do presidente – que, quando
deputado federal por 27 anos, sempre se mostrou contrário à venda de estatais
–, falta articulação política quando esta é indispensável. Nada disso
surpreende, pois este é o padrão do governo Bolsonaro – o que ocorre com a
privatização dos Correios já foi ou está sendo visto em outras áreas de atuação
do governo federal.
A privatização da estatal era tratada pelo
governo como símbolo, pois seria a primeira de uma série de ações com as quais,
desde a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro e sua equipe diziam ser possível
arrecadar até R$ 1 trilhão. Era dinheiro para resolver definitivamente a crise
fiscal. A venda de estatais era a face mais brilhante do que o atual ministro
da Economia, Paulo Guedes, dizia ser seu plano de governo. Houve quem
acreditasse. Em três anos e três meses, no entanto, a atual gestão criou duas
estatais e, até agora, só conseguiu transferir uma (a Companhia Docas do
Espírito Santo) para o controle privado.
O projeto de privatização dos Correios foi
aprovado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados. Parecia que avançaria
com rapidez também no Senado, abrindo caminho legal para a venda da empresa
para o setor privado. Mas a desarticulação do governo na defesa de projetos de
seu interesse no Congresso – dominado pelo Centrão, com a concordância submissa
do Executivo – resultou na paralisação do processo no Senado.
Desde dezembro, quando Fernando Bezerra
Coelho (MDP-PE) deixou o cargo por ter perdido a eleição para a indicação do
Senado ao Tribunal de Contas da União, o governo estava sem líder no Senado. O
relator indicado para o projeto dos Correios, Márcio Bittar (União Brasil-AC),
chegou a apresentar um relatório pela aprovação do texto anteriormente votado
pela Câmara. Enfrentou resistências. Para superá-las, alterou o relatório, mas
nem assim conseguiu que o texto fosse votado pela Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE) do Senado. Isolado, devolveu a relatoria e até agora o
presidente da CAE, Otto Alencar (PSD-BA), não escolheu o substituto.
Os prazos previstos pelo governo estão
sendo vencidos. Depois da aprovação do projeto pela Câmara, previa-se a
aprovação pelo Senado no início de setembro do ano passado. Se isso tivesse
ocorrido, o leilão de privatização poderia ser realizado até este mês. Sete
meses depois, nada avançou no Senado. Se houver andamento rápido a partir de
agora, é possível que haja tempo para a realização do leilão no segundo
semestre. Mas haverá condições políticas para isso no período que será
fortemente marcado pela campanha eleitoral?
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