O Globo / O Estado de S. Paulo
Na quarta-feira, por oito votos apenas, a
Câmara dos Deputados rejeitou o pedido de urgência do PL 2.630. É o Projeto
de Lei das Fake News. PP e PL, partidos dos presidentes da Câmara, Arthur Lira,
e da República, Jair Bolsonaro, votaram em peso contra. Na prática, aqueles
oito votos que faltaram querem dizer que o texto terá de fazer o lento trâmite
pelas comissões temáticas até poder chegar ao plenário e ser votado. Não
bastasse, como foi muito modificado em relação ao texto já aprovado no Senado,
terá de passar por novo voto lá.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que relatou o projeto, havia incluído um parágrafo para tentar atrair o voto dos bolsonaristas — é aquele que lhes assegura imunidade parlamentar. Silva garante que está apenas reiterando a mesma imunidade que já existe na Constituição, mas implanta confusão. Afinal, um estudo após o outro mostra que um punhado de deputados federais, todos bolsonaristas, está entre os maiores disseminadores de desinformação nas redes brasileiras. A proteção especial para os parlamentares, porém, não serviu de isca. Mesmo com ela, recusaram-se a ajudar no trâmite.
Os parlamentares são ambivalentes a
respeito do assunto desinformação. O próprio deputado Arthur Lira, que já foi
vítima de fake news, sabe como é quase impossível enfrentá-las sem uma lei que
regulamente o problema. Além disso, ele tinha um compromisso com os ministros
do Supremo Tribunal Federal de que trabalharia para que a lei já pudesse valer
nesta eleição. O resultado apertado do voto mostra que esforço houve, mas a
resistência era também bastante grande.
O temor real, agora, é que não dê mais
tempo. Os passos por completar são muitos e, quando o meio do ano chegar, a
Câmara se descolará dos assuntos do dia a dia. Cada deputado concentrará mais e
mais tempo em suas bases. Eles têm, todos, uma eleição por disputar.
O texto tem problemas, mas não era ruim.
Dava à Justiça ferramentas para exigir das plataformas que agissem rápido. Mas
também comprou brigas demais simultaneamente. Com as grandes plataformas, pois
exigia delas o pagamento de dinheiro aos veículos jornalísticos pelo conteúdo
que publicam. Com acadêmicos, jornalistas e advogados especializados na
indústria da desinformação, pela imunidade que garantia a parlamentares. E, por
fim, com a base bolsonarista no próprio Congresso.
Com níveis de poder distintos, cada um
desses grupos representa pressões diferentes. Num caso, lobistas caros e
influentes. Noutro, os igualmente influentes especialistas que municiam com
informação técnica os parlamentares que legislam sobre o meio digital. E, por fim,
o próprio Palácio do Planalto.
Há uma dissonância entre o que dizem os
bolsonaristas e suas reais preocupações. Seu argumento é que o projeto de lei,
como está, cerceará a liberdade de expressão, principalmente, das vozes
conservadoras. É rigorosamente o mesmo argumento de deputados e senadores
republicanos reticentes com a regulação das redes nos Estados Unidos.
O problema deles, porém, é outro. É o
gabinete do ódio, no interior do Palácio do Planalto. É toda a máquina de
insuflar teorias conspiratórias, perturbar a compreensão da realidade e
alimentar preconceitos que orienta internacionalmente a extrema direita
populista, autoritária e iliberal.
Quem trata diariamente do assunto está
preocupado com o que ocorrerá neste ano. De estudiosos e advogados aos próprios
executivos das plataformas. A expectativa é que a coisa seja muito, muito feia.
E parece que ficaremos sem lei específica.
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