sexta-feira, 8 de abril de 2022

Pedro Doria: Sem Lei das Fake News

O Globo / O Estado de S. Paulo

Na quarta-feira, por oito votos apenas, a Câmara dos Deputados rejeitou o pedido de urgência do PL 2.630. É o Projeto de Lei das Fake News. PP e PL, partidos dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e da República, Jair Bolsonaro, votaram em peso contra. Na prática, aqueles oito votos que faltaram querem dizer que o texto terá de fazer o lento trâmite pelas comissões temáticas até poder chegar ao plenário e ser votado. Não bastasse, como foi muito modificado em relação ao texto já aprovado no Senado, terá de passar por novo voto lá.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que relatou o projeto, havia incluído um parágrafo para tentar atrair o voto dos bolsonaristas — é aquele que lhes assegura imunidade parlamentar. Silva garante que está apenas reiterando a mesma imunidade que já existe na Constituição, mas implanta confusão. Afinal, um estudo após o outro mostra que um punhado de deputados federais, todos bolsonaristas, está entre os maiores disseminadores de desinformação nas redes brasileiras. A proteção especial para os parlamentares, porém, não serviu de isca. Mesmo com ela, recusaram-se a ajudar no trâmite.

Os parlamentares são ambivalentes a respeito do assunto desinformação. O próprio deputado Arthur Lira, que já foi vítima de fake news, sabe como é quase impossível enfrentá-las sem uma lei que regulamente o problema. Além disso, ele tinha um compromisso com os ministros do Supremo Tribunal Federal de que trabalharia para que a lei já pudesse valer nesta eleição. O resultado apertado do voto mostra que esforço houve, mas a resistência era também bastante grande.

O temor real, agora, é que não dê mais tempo. Os passos por completar são muitos e, quando o meio do ano chegar, a Câmara se descolará dos assuntos do dia a dia. Cada deputado concentrará mais e mais tempo em suas bases. Eles têm, todos, uma eleição por disputar.

O texto tem problemas, mas não era ruim. Dava à Justiça ferramentas para exigir das plataformas que agissem rápido. Mas também comprou brigas demais simultaneamente. Com as grandes plataformas, pois exigia delas o pagamento de dinheiro aos veículos jornalísticos pelo conteúdo que publicam. Com acadêmicos, jornalistas e advogados especializados na indústria da desinformação, pela imunidade que garantia a parlamentares. E, por fim, com a base bolsonarista no próprio Congresso.

Com níveis de poder distintos, cada um desses grupos representa pressões diferentes. Num caso, lobistas caros e influentes. Noutro, os igualmente influentes especialistas que municiam com informação técnica os parlamentares que legislam sobre o meio digital. E, por fim, o próprio Palácio do Planalto.

Há uma dissonância entre o que dizem os bolsonaristas e suas reais preocupações. Seu argumento é que o projeto de lei, como está, cerceará a liberdade de expressão, principalmente, das vozes conservadoras. É rigorosamente o mesmo argumento de deputados e senadores republicanos reticentes com a regulação das redes nos Estados Unidos.

O problema deles, porém, é outro. É o gabinete do ódio, no interior do Palácio do Planalto. É toda a máquina de insuflar teorias conspiratórias, perturbar a compreensão da realidade e alimentar preconceitos que orienta internacionalmente a extrema direita populista, autoritária e iliberal.

Quem trata diariamente do assunto está preocupado com o que ocorrerá neste ano. De estudiosos e advogados aos próprios executivos das plataformas. A expectativa é que a coisa seja muito, muito feia. E parece que ficaremos sem lei específica.

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