Valor Econômico
Deixar a inflação correr solta não é uma
solução, até porque são justamente os mais pobres que pagam a conta do
descontrole inflacionário
Os mais recentes números divulgados da
inflação nas principais economias desenvolvidas trazem novos desafios à
economia global, ainda sofrendo os efeitos da “covid longa” e atingida mais
recentemente pelas consequências da invasão russa à Ucrânia. O risco de
estagflação voltou ao radar em muitos países, principalmente naqueles que podem
sofrer mais diretamente de uma possível disrupção do fornecimento de petróleo e
gás por parte da Rússia. Mesmo nos Estados Unidos, há analistas, como Larry
Summers, que estimam como elevadas as chances de recessão nos próximos dois
anos, a contar com a experiência histórica de situações em que o desemprego esteve
abaixo de 5% e a inflação acima de 4%.
Aqui no Brasil, os riscos não são distintos. As previsões de crescimento do PIB são no mínimo desencorajadoras e as expectativas de inflação têm sido continuadamente revisadas para cima, em razão dos números divulgados relativos aos três primeiros meses de 2022. O próprio Banco Central, nas palavras de seu presidente, foi surpreendido pela aceleração do IPCA em março, o pior resultado para o mês desde a implantação do Plano Real em 1994.
Como se sabe, a trajetória altista da
inflação foi inicialmente impulsionada pelo aumento dos preços de alimentos e
energia, mas se tornou mais amplo, refletindo a natural defasagem da política
monetária e as práticas disseminadas de indexação contratual, bem como a forte
recuperação da demanda no pós covid, inicialmente no mercado de bens, mas
depois também no de serviços. Tal quadro, já complicado, foi piorado com o início
das hostilidades na Ucrânia e a persistência dos gargalos de oferta.
Em uma situação como essa, parece quase
inevitável que o processo de elevação da taxa de juros vá mais longe e dure
mais tempo do que o esperado até algumas semanas atrás. Embora haja um
relevante componente de pressões de oferta sobre os preços domésticos, o BC não
pode ignorar os riscos de disseminação da inflação, principalmente tendo em
conta a inércia inflacionária característica da economia brasileira. A
expectativa de que a taxa Selic sofreria apenas mais uma elevação de 100 pontos
na próxima reunião do Copom e estacionaria por ora em 12,75% não mais se
mantém, sendo cada vez mais prováveis movimentos adicionais para elevar a taxa
para 13,75% ou 14%.
O quadro de maior aperto monetário se
materializará em um contexto esperado de menor crescimento e maior incerteza na
economia global e diante da perspectiva de persistência por mais tempo dos
gargalos de oferta que têm impulsionado para cima o preço de vários insumos
essenciais. Além disso, ocorrerá em um momento em que a economia ainda não
incorporou totalmente os efeitos da significativa elevação dos juros básicos
iniciada no ano passado.
Porém, o BC não pode se arriscar a perder
sua credibilidade e permitir a desancoragem das expectativas inflacionárias,
notadamente em um ano eleitoral em que iniciativas populistas no âmbito fiscal
se multiplicam no governo Bolsonaro, inclusive algumas delas patrocinadas pelo
próprio ministro da Economia. Também não contribuem para o trabalho do BC as
declarações de alguns pré-candidatos à Presidência da República, como o
ex-presidente Lula, que acenam para políticas econômicas irresponsáveis, caso
venham a ser eleitos. A credibilidade da Autoridade Monetária é importante,
como salientam vários autores, porque torna mais fácil manter a inflação dentro
da meta e diminuir os custos dos processos desinflacionários.
A propósito, vale relembrar o cenário de
2016, nos estertores do governo Dilma Roussef, quando o Banco Central havia
perdido sua credibilidade - muitos acusando a instituição de estar sofrendo a
interferência direta da presidente da República - e havia dificuldades para a
instituição retomar o controle das expectativas de inflação ainda que já
estivesse elevando a taxa Selic para enfrentar o repique inflacionário. Somente
com o impeachment de Dilma e a substituição na direção do BC é que as
expectativas de inflação começaram a cair, ainda que o BC não tenha realizado
nenhum movimento adicional de alta de juros.
Infelizmente, a economia brasileira se vê
novamente vítima de um mix de política econômica de pior qualidade - expansão
fiscal e contração monetária - por força não apenas de circunstâncias externas
ao país, como também como resultado da ausência de compromisso do Executivo e
do Legislativo com as contas públicas em um ano eleitoral.
O resultado disso é a dificuldade para a
recuperação do emprego e da renda principalmente das camadas mais vulneráveis
da sociedade, após o período difícil da pandemia da covid-19. Mas, obviamente,
deixar a inflação correr solta não é uma solução, até porque são justamente os
mais pobres que pagam a conta do descontrole inflacionário. Por isso, espera-se
que o BC cumpra sua missão fundamental, que é a de zelar pela manutenção do
poder de compra da moeda.
*Gustavo Loyola é doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
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