Valor Econômico, 14.4.22
Aliança com PSDB sempre interessou a Lula
Tudo indica que, ao conseguir a proeza de
compor chapa com o ex-tucano Geraldo Alckmin, agora filiado ao PSB, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha em mente cumprir três
objetivos, todos, evidentemente, destinados a tornar mais competitiva sua
candidatura à Presidência da República:
1. Unir, finalmente, as duas maiores forças
da social-democracia no Brasil, no momento em que a disputa de poder que
caracterizou a relação entre PT e PSDB, desde a eleição de 1994, perdeu o
sentido e, dos líderes que travaram essa batalha, apenas ele, Lula, tem neste
momento chances reais de voltar a subir a rampa do Palácio do Planalto;
2. Convencer as elites empresariais e financeiras de que, com Alckmin vice-presidente, ex-representante da ala mais conservadora do PSDB, seu possível terceiro mandato será mais parecido com o que foi o primeiro termo no cargo, entre 2003 e 2006, do que foi o pesadelo da gestão petista de Dilma Rousseff;
Nota: ao contrário da sucessora, sua
correligionária, Lula manteve e aperfeiçoou o arcabouço macroeconômico herdado
do presidente Fernando Henrique Cardoso, não rompeu contratos e, ademais, não
apenas o honrou o pagamento de dívidas, mas também chegou a antecipar a
amortização de uma delas, justamente a contratada junto ao outrora odiado Fundo
Monetário Internacional (FMI);
3. Diminuir o espaço para a emergência de
uma candidatura da chamada “Terceira Via”, forjada tanto à centro-direita
quanto à centro-esquerda.
A ideia de um terceiro candidato, amparado
por forças que, no centro do espectro político, convergiriam para quebrar a
lógica da polarização que caracteriza a política brasileira desde a ascensão de
Jair Bolsonaro, o primeiro político de extrema-direita eleito pelo voto popular
desde a redemocratização, é de uma fragilidade ululante nesta quadra da vida
nacional. No Brasil, ninguém é eleito presidente apenas com os votos de seu
partido e mesmo de seu campo político (direita, centro ou esquerda).
A história mostra que os vitoriosos
receberam, obviamente, os votos de seu campo político, mas só chegaram lá
porque um contingente significativo de eleitores vota sempre de acordo com a
lógica elementar, de um cartesianismo de fazer inveja às proposições de René
Descartes. Afirmar-se que brasileiro não sabe votar é, além de presunção
desmedida, uma tolice comparável à proposição de que o homem, jamais chegou à
Lua ou de que a Terra não é redonda.
Esses eleitores que fazem a diferença não
são lulistas nem anti-lulistas, nem tucanos ou anti-tucanos. Antes de elegerem
Lula duas vezes e, a seu pedido, a sucessora Dilma Rousseff, também duas vezes
- na segunda oportunidade, sem o entusiasmo da primeira -, deram mandatos a Fernando
Collor (1990-1992) e a Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002).
Em 2018, esses eleitores, digamos,
pragmáticos, pouco apegados a ideologias e convicções que a esquerda e a
direita abraçam para justificar seus planos de poder, asseguraram a vitória
inopinada de Jair Bolsonaro (PL). Para resumir, as motivações, expostas na
coluna anterior (página A2 da edição de 07/04/2022, do Valor), seguiram a
coerência de todas as eleições da Nova República.
O governo de Dilma Rousseff fracassou de
forma retumbante, ela perdeu o mandato num processo de impeachment, o governo
de seu sucessor (Michel Temer), apoiado pelo PSDB, foi alvo de denúncias de
corrupção - no caso do presidente, sem apresentação de provas. Tudo isso fez
essa massa de eleitores, sempre decisiva, optar por uma alternativa.
No exercício do poder, presidentes procuram
ampliar o apoio popular que viabilizou sua chegada ao comando do país. Até
porque, dali a quatro anos, há nova eleição e não interessa a ninguém, não se
tenha dúvida disso, abrir mão de disputar a reeleição para manter-se no poder.
Regra número 1 da política (ou da vida):
quem, eleito ou não, detém poder real não abre mão desse poder sem disputá-lo
até as últimas consequências. Quando um político abre mão de tentar se
reeleger, em qualquer esfera de poder (prefeitura, governo estadual ou
Presidência), é porque sabe de antemão que a chance de o povo voltar a elegê-lo
é quase tão pequena quanto a de um time brasileiro, campeão da Libertadores,
vencer um rival europeu na disputa pelo Mundial de Clubes.
Dilma Rousseff, quase todos os quesitos
comparáveis, talvez seja uma exceção à regra mencionada. Eleita com o
beneplácito de eleitores que deram uma chance a Lula em 2002, depois de o
vetarem em três eleições consecutivas, a ex-presidente perdeu capital político
ao longo do primeiro mandato porque, inexplicavelmente, mudou a política
econômica que consagrou seu antecessor e a levou ao poder. Em desespero, não
abriu mão de disputar a reeleição em 2014 em favor de Lula, adotou sem constrangimento
políticas populistas que lhe asseguraram um novo mandato, mas arruinaram a
saúde das finanças públicas, fato que, em última instância, inviabilizou o
apoio político que a mantinha no poder, o que acabou provocando seu
impeachment, em meio a uma grave crise econômica.
Bolsonaro foi eleito com 55 milhões de
votos no segundo turno da eleição. Ao longo destes quatro anos, viveu mais
momentos de desgaste do que de sucesso. Do ponto de vista civilizador, tem
péssima imagem. Perdeu uma boa fatia desses eleitores por causa dos arroubos
que provocam vergonha alheia em qualquer cidadão. Mas, é na economia,
justamente onde ele fez mais - não em relação às promessas, mas em termos
efetivos - onde talvez haja mais frustração, afinal, depois de se recuperar em
2021 da queda provocada pela pandemia, o PIB voltou a encolher e deve ter
expansão próxima de zero em pleno ano eleitoral.
Tudo isso parece ser verdadeiro, mas o fato é que, superada a crise sanitária, o presidente começou a reagir nas pesquisas de intenção de voto. Lula segue na liderança, mas distância tem diminuído.
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