Editoriais
STF precisa manter cabeça fria ao julgar
Daniel Silveira
O Globo
São desprezíveis os sucessivos ataques do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) ao Supremo Tribunal Federal (STF) e às instituições da democracia brasileira. Não é à toa que sua prisão no ano passado contou com apoio maciço quando submetida ao plenário da Câmara (364 votos a 130), nem que ele tenha de enfrentar nesta semana um julgamento no STF, sob a acusação de ter agredido e ameaçado ministros da Corte, além de ter estimulado violência contra o Judiciário.
Silveira se comporta como o valentão
ginasiano que bufa, grita e esperneia, incapaz de arcar com a responsabilidade
dos próprios atos. Depois de solto, descumpriu várias ordens judiciais que
limitavam suas ações e, instado por isso a voltar a usar tornozeleira
eletrônica, encenou uma pantomima ridícula dormindo em seu gabinete da Câmara
para fugir da obrigação.
Os últimos capítulos da rebeldia incluíram o pedido de seus advogados para que sejam considerados suspeitos para julgá-lo todos os juízes do Supremo com exceção dos indicados pelo presidente Jair Bolsonaro e a tentativa descabida de levar seu caso para a Justiça Militar. Tudo isso evidentemente deve ser consignado ao escaninho das aberrações comuns no bolsonarismo.
É importante, contudo, que o STF não se
deixe influenciar pelo clima de conflagração, nem se atribua o papel
missionário de bastião na defesa da democracia. Precisa haver um julgamento
comedido, de cabeça fria. A Corte não julgará apenas Silveira, mas estabelecerá
um precedente que influirá na relação do Judiciário com o Legislativo e terá consequências
mais relevantes para a democracia brasileira que os vitupérios e bravatas do
deputado.
O caso envolve o conflito de dois valores
dignos de preservar. De um lado, a agressão às instituições democráticas, a
incitação à violência contra autoridades e a rebeldia diante das ordens
judiciais. De outro, a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar, dois
pilares do regime democrático. Para condenar Silveira, os ministros precisarão
deixar claro por que suas palavras e atos não estão protegidos pela segunda nem
pela primeira. Não será simples.
É verdade que a legislação brasileira segue
um modelo menos permissivo que a americana na proteção do discurso. Ameaças
verbais aqui são crime e, quando atingem ministros que representam uma das mais
altas instituições da República, crime ainda mais grave. Parece evidente que,
pelo teor de suas ameaças, Silveira ultrapassou o limite da defesa de ideias e
opiniões protegido pela liberdade de expressão.
É mais difícil, porém, demonstrar que agiu
fora da imunidade parlamentar. Para exercer com liberdade seus mandatos,
representantes eleitos precisam dessa proteção para criticar, acusar e atacar
os poderosos. O Supremo tem sido consistente ao respeitá-la. Pela
jurisprudência, tal imunidade só não se aplica a situações fora do Parlamento e
sem conexão com o mandato.
Todo o resto é protegido. “As frases
grosseiras, vulgares, desrespeitosas ou com desconhecimento de causa devem ser
analisadas pelo eleitor”, que tem “direito de saber a opinião dos seus
representantes”, escreveu um ministro do STF ao rejeitar a denúncia contra um
deputado acusado de racismo por declarações abjetas contra quilombolas. O nome
do ministro era Alexandre de Moraes, hoje alvo predileto de Silveira. Foi ele
quem deu, com base na imunidade parlamentar, o voto de desempate que inocentou
Bolsonaro.
Ocidente deveria começar a pensar logo na
reconstrução da Ucrânia
O Globo
Encerrada a Segunda Guerra Mundial, o
secretário de Estado americano George Marshall emprestou seu nome ao plano
histórico que reconstruiu a Europa Ocidental nos marcos da democracia
representativa, sustentada em economias fortes. Agora, um grupo de economistas
reunidos no Centro de Pesquisa de Política Econômica (CEPR), de Londres, propõe
um plano para reconstruir a Ucrânia com o lançamento de um novo Plano Marshall,
apoiado sobretudo em recursos europeus.
Num estudo, fazem o inventário das perdas
ucranianas e traçam um cenário de terra arrasada: queda de 30% a 50% do PIB
neste ano (o Banco Mundial estima 45%). Cerca de 30% das empresas interromperam
atividades no país, 45% reduziram a produção e apenas 1% não sofreu perdas no
primeiro mês da guerra. Os danos à habitação são estimados em quase US$ 30
bilhões. A destruição de infraestrutura de estradas, aeroportos, fábricas etc.,
em mais de US$ 50 bilhões.
Um plano do tipo não enfrentaria obstáculos
da União Europeia (UE). Trata-se de saber até onde poderá ir a Europa num
projeto que, estimam os economistas, custará entre US$ 220 bilhões e US$ 540
bilhões. Os Estados Unidos certamente teriam de ser envolvidos na iniciativa. A
coordenação ficaria a cargo de uma agência semelhante à que funcionou no Plano
Marshall, chamada de Cooperação Econômica e Administrativa. Os recursos
poderiam vir do Banco Mundial, do Banco Europeu para a Reconstrução e o
Desenvolvimento, do Banco Europeu de Investimento e de organizações não
governamentais.
O estudo defende a reconstrução dentro de
um modelo moderno, assentado numa economia de “carbono zero” e livre das
amarras oligárquicas que emperram a economia ucraniana. O sucesso depende de
deixar para trás a mancha da corrupção e do tráfico de influência. Não é uma
missão trivial, mas o resultado seria recompensador.
O presidente Volodymyr Zelensky tem feito
sua parte ao repetir a quem o visita em Kiev que a Ucrânia não tem interesse em
participar da Otan, mas enfatiza que entrar na UE é fundamental para ter o
apoio do bloco na reconstrução. Os economistas citam a Polônia, caso de êxito
na conversão de um satélite soviético numa economia capitalista. Com população
equivalente à ucraniana, a Polônia recebeu US$ 106 bilhões de investimentos na
agricultura entre 2014 e 2020. Nos 15 anos desde que entrou na UE, o PIB per
capita cresceu mais de 80%. A Ucrânia teria muito a aprender com a experiência
polonesa.
Os economistas lembram que o Plano Marshall demorou para ser lançado. Só saiu três anos após o fim da guerra, em 1948. Por isso defendem que ao menos a agência que coordenará a reconstrução da Ucrânia seja criada logo, sem esperar o fim do conflito. Se a iniciativa obtiver sucesso, o resultado da guerra poderá ser o oposto do que deseja Vladimir Putin: uma democracia moderna, com um capitalismo integrado na Europa, bem na fronteira russa.
Olhar para a frente
Folha de S. Paulo
Retomada de ideias do século 20 não vai
reduzir a informalidade no trabalho
A avaliação diligente de reformas
institucionais requer comparar o quadro que sucede a sua implantação com
situações, por vezes hipotéticas, em que tais reformas não existissem. Esse
método, consagrado na ciência, permite estimar se houve efeito e, em caso
afirmativo, qual terá sido a sua dimensão.
A política não raro atropela esses
protocolos. Como o desemprego e a informalidade mantiveram-se elevados após as
alterações de 2017 nas normas trabalhistas, adversários da mudança —como
o PT e centrais sindicais—
aproveitam-se disso para propugnar pela revogação da reforma.
O fato de ter ocorrido nesse período uma
reviravolta global e duradoura na sociedade e na economia em razão da pandemia
de coronavírus costuma ser menosprezado nessas críticas. Relevam-se também
outros fenômenos menos vistosos, como mudanças tecnológicas e nos hábitos de
consumo.
Os ataques carregados de ignorância, no
entanto, podem sair pela culatra, pois uma recuperação cíclica do mercado de
trabalho, como a que parece estar em curso, ensejará reações do outro lado,
também mal embasadas em evidências, louvando a reforma pela melhora
circunstancial dos indicadores.
Por trás do barulho produzido na disputa
pelo poder, alguns dados permitem enxergar contornos
da situação deixada pela reforma.
A modalidade intermitente de trabalho,
introduzida em 2017, respondeu por menos de 5% das contratações em 2021.
Dificilmente poderá ser responsabilizada pela "precarização" do
emprego usualmente alegada pela crítica sindical.
O volume de ações na Justiça do Trabalho
reduziu-se logo após a reforma, mesmo antes da pandemia. É possível que o
rebalanceamento dos riscos de perder processos desencadeado pela reforma
—trabalhadores passaram a arcar com custas em caso de derrota— tenha inibido a
litigância excessiva.
O imposto sindical encerrado pela reforma,
que derramava mais de R$ 3 bilhões anuais nas organizações, nem de longe foi
substituído pelas contribuições, que mal ultrapassaram R$ 60 milhões em 2021.
Eis uma motivação bastante palpável para o desconforto de sindicatos com o
statu quo após 2017.
Apesar de flutuações causadas por fatores
externos, a altíssima informalidade —que hoje abrange cerca de 40% da população
ocupada— permanece o principal problema do mercado de trabalho brasileiro.
Atacá-lo com retrocessos ao século 20, porém, não vai resolver.
Uma série de custos implicados no emprego
com carteira assinada não está associada ao bem-estar dos trabalhadores.
Identificá-los com a ajuda da melhor técnica disponível poderá iluminar o
caminho da política para reduzi-los.
IR na mira
Folha de S. Paulo
Embora defensável, proposta de correção da
tabela é contaminada por populismo
A despeito de algumas restrições legais, é
amplo o espaço para benesses com dinheiro público em anos eleitorais. Desta vez
há uma novidade que torna o cenário mais perigoso —tenta-se vender a ideia de
que há um excesso de arrecadação que abre espaço para cortes de tributos e mais
gastos do governo.
Depois de baixar a zero impostos federais
sobre parte dos combustíveis e cortar o Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI), a nova investida eleitoreira é corrigir
a tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas. Trata-se de promessa
antiga de Jair Bolsonaro (PL), que agora poderia ajudá-lo a recuperar
popularidade.
A arrecadação tributária, de fato, tem se
expandido velozmente, a ponto de o Executivo federal ter elevado há pouco a
expectativa de receita para este ano em R$ 87,5 bilhões, para R$ 2,118
trilhões.
Entretanto esse fenômeno decorre
principalmente da inflação —que também tem consequências negativas, como os
juros mais altos e, por extensão, maiores despesas com a dívida pública. O
governo, no entanto, ignora o quadro completo e se fixa apenas na miragem da
abundância.
Ressalte-se que, apesar do salto da
receita, o Tesouro Nacional permanece francamente deficitário. Espera-se para
este 2022 um rombo de R$ 66,9 bilhões, e isso sem considerar os encargos com
juros.
É verdade que, legalmente, está autorizado
um déficit ainda maior, de R$ 170,5 bilhões. Imaginar que uma estimativa menos
desastrosa autoriza a abertura dos cofres, entretanto, é um desatino —ou
oportunismo irresponsável.
Como há um teto constitucional para as
despesas, procuram-se bondades com as receitas. Daí a ligeireza com que se fala
em cortes de impostos, rolagens de dívidas e benefícios para grupos de
interesse.
Inexiste um plano coerente que leve à
redução da complexidade do sistema e à maior justiça tributária, dois
requisitos que deveriam balizar qualquer reforma.
A correção da tabela do IR, com ampliação do
limite de isenção (hoje em R$ 1.903,98 mensais), é o exemplo de como contaminar
com populismo e desgoverno uma proposta a princípio defensável.
É correto promover alguma correção, dada a inflação acumulada. No entanto o melhor seria uma revisão geral das faixas de cobrança e das regras de deduções. Perdeu-se essa oportunidade no ano passado, com uma tentativa fracassada de reformulação do imposto.
Arquitetura da impunidade
O Estado de S. Paulo
Indícios de desvios são abundantes. Se houve crime ou não, cabe à Justiça decidir, mas o fato é que Bolsonaro cultiva condições propícias ao florescimento da corrupção
O presidente Jair Bolsonaro se jacta de não
haver corrupção em seu governo. Mas, se não houve, ainda, condenação na
Justiça, os indícios são abundantes.
Para ficar só no ano de 2021: o então
ministro do Meio Ambiente foi acusado de dificultar a fiscalização ambiental e
patrocinar interesses privados de madeireiros ilegais; o superintendente do
Ministério da Saúde do Rio de Janeiro foi demitido após assinar contratos sem
licitação para reformas dos prédios da pasta; o Ministério da Saúde firmou um
compromisso de compra de vacinas por um preço 1.000% maior do que o anunciado
pelo fabricante e seu ex-diretor de Logística foi acusado de pedir propina para
autorizar a compra de vacinas. Em 2022, o Estadão revelou que dois pastores atuavam em
nome do Ministério da Educação (MEC) para privilegiar municípios na
distribuição de recursos; agora, vêm à tona indícios de compras com sobrepreço
e improbidade na gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
A Justiça decidirá se nesses casos – assim
como em relação aos indícios de peculato (“rachadinha”) de Bolsonaro e seus
filhos no exercício de seus mandatos parlamentares – houve ou não crime. Mas
desde já é demonstrável que há um modus operandi propício ao florescimento da
corrupção.
Como apontou ao Estadão o economista
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, desde 2016 a Lei Anticorrupção e o aumento
do controle sobre as empresas dificultaram os megaescândalos que grassaram na
gestão petista, como o mensalão e o petrolão. Hoje, “o que resta em termos de
negociação para um governo fraco é a corrupção do varejo”.
A cultura do segredo está disseminada. O
gabinete secreto do MEC espelha um outro, revelado na CPI da Pandemia: o do
Ministério da Saúde. Em maio, o Estadão revelou
que Bolsonaro e seus suseranos do Centrão maquinaram um orçamento secreto de
bilhões em emendas parlamentares distribuídos às bases do governo.
Bolsonaro subverteu a lógica elementar da
administração pública: a transparência, que deveria ser a regra, transformou-se
na exceção. O governo tentou ampliar a discricionariedade de servidores para
classificar documentos como sigilosos e instrui seus ministros a negar pedidos
via Lei de Acesso à Informação. Na pandemia, a opacidade foi tanta que a
imprensa criou um consórcio para garantir informações confiáveis.
Há indícios de aparelhamento em todos os
principais órgãos de controle: da Polícia Federal à Agência Brasileira de
Inteligência, Receita, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Jurídica Internacional ou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Mas, além da corrupção em seu sentido
estrito, como tipo penal, o estilo Bolsonaro de governar propicia a corrupção
em seu sentido amplo de corrosão, erosão, desintegração. Para ele, “governar” é
“mandar”, e quando distingue interesses de Estado, de governo e de família, é
só para sobrepor os últimos aos primeiros. É a política do “filé para os
filhos”.
Além da transparência, não há um só dos
demais princípios da administração pública (impessoalidade, eficiência,
moralidade e legalidade) que não tenha sido degradado. O mesmo vale para as
tentativas de corroer os alicerces do Estado democrático, como o processo
eleitoral ou a participação da sociedade civil.
Os indícios de disseminação de notícias
falsas por um “gabinete do ódio” se acumulam e devem aumentar no ano eleitoral.
Só em 2021, o presidente já questionou, sem provas, a integridade do sistema
eleitoral, ameaçou ignorar os resultados das eleições e pediu a cabeça de dois
ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao mesmo tempo, após seu indicado Kassio
Nunes Marques assumir sua vaga na Corte, declarou: “Hoje, eu tenho 10% de mim
no STF”. Depois, disse que as indicações para o STF em 2023 importam mais que
as eleições. O motivo é indisfarçável: blindar amigos e garantir vista grossa à
intimidação de inimigos.
Reza a sabedoria popular que quem não deve
não teme. Então, por que tanto afinco em institucionalizar uma cultura do
segredo e interferir em órgãos de controle?
Mentira não é ‘outra versão’ da história
O Estado de S. Paulo
Há uma tentativa de conferir à mentira um status de legitimidade. Os fatos importam. Desprezá-los é abrir as portas para as várias modalidades de autoritarismo
Em sua apresentação na Brazil Conference, evento
organizado por estudantes brasileiros em Boston (EUA), o ministro Luís Roberto
Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), falou, entre outros temas, dos
desafios da verdade em tempos de desinformação. “Precisamos restabelecer o
poder da verdade possível e plural dentro de uma sociedade aberta. Precisamos
enfrentar esse mundo da desinformação, da mentira deliberada e das teorias
conspiratórias”, disse.
Certamente, esse é um dos desafios mais
instigantes dos dias de hoje. A mentira não apenas ganhou, com as redes
sociais, novos meios de difusão, como vem obtendo, em muitos ambientes e grupos
sociais, uma espécie de carta de validade. Perante a tentativa de relativizar a
mentira, Luís Roberto Barroso citou a frase de Madeleine Albright,
ex-secretária de Estado dos EUA, falecida no mês passado: “A mentira não é uma
outra versão da história. A mentira é só uma mentira”.
O compromisso com a verdade factual tem
implicações em muitos âmbitos da vida social. Na esfera política, ao negar os
fatos, corre-se o risco de tolerar ou mesmo promover retrocessos. O ministro do
STF lembrou alguns fatos da história recente brasileira. “Houve uma ditadura
militar no Brasil. Houve fechamento do Congresso, cassação de mandatos,
aposentadoria compulsória de professores, pessoas foram para o exílio, tortura
e censura”, disse.
Reconhecer a existência desses abusos e
violências é o caminho para impedir o seu retorno. Não é possível romantizar a
ditadura, como querem alguns. Um regime ditatorial é incompatível com o
ambiente de liberdade e de respeito às garantias fundamentais.
Luís Roberto Barroso recordou ainda outro
acontecimento da história recente do País que vem sendo cada vez mais negado,
como se fosse mera perseguição política. “A corrupção esteve presente na vida
pública brasileira de forma contínua, inclusive de maneira graúda, entre 2003 e
2010. Esse é um fato”, disse Barroso. Infelizmente, verifica-se todo um
esforço, verdadeira campanha de desinformação, para negar ou relativizar a
corrupção ocorrida enquanto o PT esteve no governo federal. Segundo o discurso
lulopetista, o petrolão seria o resultado de um conluio do Ministério Público
com o governo americano.
Tal é o descompromisso com os fatos que
Lula já disse, em entrevista a um jornal chinês, a seguinte pérola: “Provamos
que a promotoria (da Lava Jato) estava servindo ao Departamento de Justiça dos
Estados Unidos naquela época, e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos
pretendia minar nossas leis para regulamentar a Petrobras”. Não contente em
inventar uma teoria da conspiração, Lula diz que ela já foi provada.
O abuso da linguagem é uma das formas mais
comuns de mentira, e não está restrito ao campo da esquerda. Por exemplo, nos
últimos anos, Jair Bolsonaro falou várias vezes que tinha “provas” de fraudes
nas urnas eletrônicas e prometeu apresentá-las ao País. Nunca cumpriu sua
promessa. No dia em que faria a tal demonstração, trouxe apenas teorias
antigas, já devidamente refutadas.
A campanha bolsonarista contra a confiança
no sistema de votação eletrônica explicita um dos aspectos da desinformação na
política. O descaso com os fatos não é mera falta de rigor lógico, não é
simples descuido no raciocínio. É deliberada tática de agressão ao regime
democrático.
Na apresentação, o ministro do STF lembrou
também os efeitos dramáticos da falta de compromisso com a verdade factual na
pandemia. “Houve uma posição negacionista no Brasil em relação à pandemia. Sem
a adoção das medidas científicas recomendadas, morreu mais gente do que
precisava. É um fato”, disse Barroso. A mentira não agride apenas a democracia.
Ela pode matar pessoas. Por exemplo, a desinformação contra as vacinas está
fazendo ressurgir doenças que estavam superadas ou controladas.
Há liberdade de expressão e de opinião. Mas
a ditadura não é caminho de liberdade. Teve muita corrupção nos governos do PT.
A covid não é uma gripezinha. Os fatos importam. Negá-los tem um alto preço.
Inflação, cereja do bolo da pobreza
O Estado de S. Paulo
Alta de preços tem sido maior para os mais pobres e mais concentrada em bens e serviços essenciais à sobrevivência
Ruim para todos, a inflação é especialmente
nociva aos pobres, mais dependentes de cada real para sobreviver e menos
capazes, portanto, de ajustar seus gastos sem grandes sacrifícios. No Brasil,
os números mostram os pobres em dupla desvantagem diante do aumento do custo de
vida. Em primeiro lugar, os preços ao consumidor subiram mais para os menos
abonados nos 12 meses terminados em março, variando entre 12,04% para as
famílias de renda muito baixa e 9,97% para as de renda alta. Em segundo, as
famílias mais necessitadas foram atingidas principalmente pelo encarecimento de
itens essenciais, como alimentos, eletricidade e gás de cozinha.
Entre
os extremos de 12,04% e 9,97%, os aumentos acumulados no período de um ano
foram decrescentes ao longo de uma escala de seis classes de renda, segundo o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A desigualdade econômica,
já muito ampla no Brasil, foi agravada pelos impactos, claramente desiguais, da
variação geral dos preços, como se a pobreza atraísse mais dificuldades.
Além disso, cada faixa social foi afetada
de forma diferente pelo encarecimento de cada grupo de bens e serviços. As
altas de preços de comida e habitação (onde se incluem eletricidade e gás)
compuseram mais de metade da inflação das duas classes de renda mais baixas. A
televisão mostrou em várias ocasiões, nos últimos meses, donas de casa
improvisando, com pedaços de pau ou montes de carvão, meios de cozinhar a
modesta e escassa alimentação de cada dia, numa síntese visual das estatísticas
do Ipea. Na classe mais pobre, alimentos (3,21%) e habitação (4,01%)
produziram, somados, um impacto inflacionário de 7,22% em 12 meses.
O custo dos transportes causou, nesse
período, o maior impacto inflacionário, superior a 4%, para as classes de renda
média, média-alta e alta. Os gastos foram afetados pelos aumentos de preços da
gasolina, do etanol, do diesel e dos serviços por aplicativo. Além das três
classes de rendas mais altas – aquelas com maior poder vocal –, foram afetados
diretamente os caminhoneiros, tratados com especial consideração por Bolsonaro
desde 2018, quando bloquearam estradas e dificultaram, por meio da força, o
transporte de mercadorias. Em atenção a esses aliados, ou supostos aliados, o
presidente da República pressionou e derrubou chefes da Petrobras.
Os mais afetados pela inflação, os
consumidores pobres, têm recebido, por meio de auxílios, algum apoio do
presidente Bolsonaro, empenhado em conquistar votos nos grupos mais pobres. Mas
o presidente da República tem contribuído, ao mesmo tempo, para desarranjar os
preços, promovendo gastos excessivos, dificultando o planejamento dos negócios
e, em muitas ocasiões, provocando instabilidade cambial. Além disso, o
desemprego se mantém muito acima dos níveis observados internacionalmente, a
economia pouco se move e o aumento da pobreza se confirma, no dia a dia, como
um dos efeitos mais notáveis do desgoverno instalado em 2019. A inflação
acelerada é uma perfeita cereja no alto desse bolo.
Reajuste salarial cria risco fiscal sem
agradar categorias
Valor Econômico
Bolsonaro está interessado em qualquer
coisa que possa alimentar seu projeto de poder
De maneira miseravelmente previsível, o
governo Jair Bolsonaro avançou no que era até então apenas um flerte com o
populismo eleitoral e sinalizou, na semana passada, que a partir de julho todo
o funcionalismo público será agraciado com um reajuste salarial de 5%.
A decisão, conforme publicou o Valor, foi tomada em reunião
entre os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, e da Economia, Paulo Guedes.
Contou, claro, com o aval do próprio presidente da República - o maior
interessado em gerar qualquer notícia positiva que possa alimentar seu projeto
de poder. Mesmo que esta não agrade completamente o funcionalismo e, ainda
assim, represente um grave risco para as contas públicas.
O aumento de 5% para os funcionários
federais deve custar algo como R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões este ano, informa-se
nos escalões técnicos. E isso é mais do que o valor inicialmente reservado no
Orçamento de 2022 para essa finalidade: R$ 1,7 bilhão. Para o ano que vem essa
fatura é estimada em aproximadamente R$ 14 bilhões.
Novamente o governo Bolsonaro age de forma
atabalhoada. Dias antes do anúncio, num evento em que falava a agentes do
mercado financeiro, Guedes destacou que um aumento para todos poderia destruir
a economia e inclusive ressuscitaria a indesejada lógica da indexação do
período de hiperinflação anterior ao Plano Real.
“Agora, se começar a dar reajuste para todo
mundo, nós estamos empurrando o custo para filhos e netos, além de destruirmos
a nossa economia também. Porque nós vamos voltar a lógica da realimentação
inflacionária, de indexar tudo outra vez”, disse, corretamente. O problema,
porém, é que os argumentos do chefe da equipe econômica foram colocados em
segundo plano.
A notícia de que deve haver um reajuste
linear de 5% foi dada em meio à crescente insatisfação de diversas categorias
com a postura do chefe do Executivo. Num primeiro momento, o presidente havia
prometido reajustar os vencimentos de policiais federais, policiais rodoviários
federais e de funcionários do sistema carcerário. Essa possibilidade gerou uma
revolta generalizada na Esplanada dos Ministérios, autarquias e órgãos federais
país afora, cujos servidores, embora também sofram com a redução do poder de
compra devido à inflação, enfrentaram a crise decorrente da pandemia com a
tranquilidade de quem tem estabilidade no emprego.
Desde então, algumas categorias têm
realizado paralisações que afetam os serviços prestados a cidadãos e empresas.
As mobilizações vêm impactando, por exemplo, atividades do Banco Central (BC),
Tesouro Nacional, Controladoria-Geral da União (CGU), Receita Federal,
Secretaria de Orçamento Federal (SOF), Superintendência de Seguros Privados
(Susep) e análise de comércio exterior do Ministério da Economia.
Em alguns casos, operadores do mercado
financeiro estão sendo obrigados a enfrentar uma espécie de “apagão de dados”.
Um exemplo é a falta que o boletim Focus faz para o cálculo das projeções de
inflação. Outro é o adiamento da divulgação do IBC-Br, o índice de atividade do
Banco Central que serve de referência antes da divulgação oficial do Produto
Interno Bruto (PIB). Isso sem falar nos transtornos causados a quem precisa
realizar negócios com clientes estrangeiros, em um ambiente internacional já
tumultuado pela guerra.
Agora, o governo terá que lidar com outro
desafio: fazer caber essa despesa injustificada dentro do teto de gastos. E,
neste caso, não surpreende também que as áreas escolhidas para pagar a conta
sejam aquelas que já estão sendo tratadas com grande desprezo pelo atual
governo: Saúde e Educação, duas pastas que protagonizaram escândalos nos últimos
meses. O Ministério da Defesa também será chamado a contribuir, com a redução
de seus gastos com custeio. As recentes notícias sobre a compra de remédios e
próteses não essenciais darão menos argumentos àqueles que poderiam tentar
evitar o corte orçamentário.
Não é de hoje que presidentes em busca da reeleição decidem trilhar caminhos mais do que questionáveis para permanecer no Palácio do Planalto. A ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, cunhou a conhecida frase segundo a qual reconhecia a possibilidade de “fazer o diabo quando é hora de eleição”. Bolsonaro mostra que, novamente, não foge à regra.
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