Folha de S. Paulo
Com o preço salgado do bacalhau, famílias
tiveram de se adaptar
Com um índice de inflação tão
galopante que conseguiu surpreender até o presidente do Banco Central, o país
viveu uma espécie de transmutação dos peixes nesta Semana Santa e o bacalhau
virou sardinha na mesa de muito brasileiro.
Com o quilo do pescado mais salgado do que
o habitual, para uma parte da população que desfruta do direito constitucional
à alimentação e têm comida na mesa todo dia o jeito foi adaptar a tradição
cristã herdada dos colonizadores portugueses. Assim, pratos à base de bacalhau,
típicos desta época, foram trocados por receitas com pescados menos nobres e
muito mais baratos.
Nesse páreo, a sardinha deu "de marinada". Velha conhecida e grande aliada de quem está acostumado a apertar o cinto e a fazer ginástica no mercado, o peixe estava entre os mais em conta. Não à toa foi um campeão de vendas nesse feriado.
Como destaquei no artigo "Mercado
mesquinho e miserável", em outubro do ano passado, e o presidente
Bolsonaro corroborou dia
desses, o problema no Brasil não é falta de alimentos. No entanto, uma multidão
de 20 milhões de desvalidos passa fome no país por diversas razões, que podem
ser sintetizadas na extrema desigualdade socioeconômica vigente no país.
Em dezembro, pesquisa do Datafolha
apontou que a quantidade de comida em casa foi insuficiente para
alimentar as famílias de 26% dos brasileiros. O percentual chegou aos 37% entre
os que têm renda mensal de até dois salários mínimos. O levantamento também
mostrou que 15% deixaram de fazer alguma refeição por não terem o que comer em
casa.
A situação é assustadora e só faz piorar
com uma inflação dos itens
da cesta básica acima dos 20%. O índice afeta a todos, claro, mas
quanto menor é a renda, maior
é o impacto —o que torna o empobrecimento do povo óbvio no prato.
De repente senti saudades do Chacrinha, o
Velho Guerreiro que se vestia de palhaço e arremessava peças inteiras de
pescado para o auditório aos gritos de "Vocês querem bacalhau?"
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