Editoriais
Congresso tem de rever construção de
térmicas a gás
O Globo
Usinas termelétricas onde não há gás, não há alto consumo de energia, acionadas mesmo quando não há demanda. Eis mais uma decisão bizarra que desafia a lógica, impingida ao Brasil pelo Congresso Nacional na lei que autorizou a privatização da Eletrobras. Um cálculo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) revelado pelo GLOBO avaliou o peso desse jabuti: R$ 52 bilhões até 2036, ou 56% além dos R$ 93 bilhões que seriam necessários para operar o sistema num cenário com outras opções, como energia eólica ou solar. Esse seria apenas o custo de operação das térmicas, sem incluir os investimentos necessários para construí-las, nem os gasodutos essenciais para transportar o gás.
Esse desatino criado pelo Congresso Nacional não tem relação com a privatização da Eletrobras em si, que deveria prosseguir independentemente dele (ela está empacada no Tribunal de Contas da União, sob risco de não sair neste ano). O jabuti das térmicas beneficia apenas meia dúzia de investidores, encarece a energia para todos os brasileiros e contribui para sujar a matriz energética do país com o uso de um combustível fóssil. Trata-se, nas palavras do engenheiro Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de “um dos maiores absurdos já vistos no setor”.
A determinação de contratar 8 mil megawatts
das novas usinas a gás foi incluída na Medida Provisória convertida na lei da
privatização como uma espécie de pedágio imposto pelos congressistas para
aprová-la. Feita a lambança, o Congresso finge ter agido em nome do interesse
público, quando criou apenas uma distorção de mercado com efeitos nefastos no
futuro.
O governo defende as térmicas a gás dizendo
que são “importantes” por assegurarem a energia nos momentos de seca nos
reservatórios das hidrelétricas. A geração a gás é de fato relevante e, apesar
do impacto ambiental (que precisa ser mitigado), deve ser expandida para
funcionar como garantia. Mas não a qualquer custo. O correto seria esse tipo de
decisão técnica ficar a cargo da Aneel, agência reguladora que tem entre suas
missões zelar pelo mercado competitivo. Do contrário, a distorção que
privilegia o gás em detrimento das demais fontes fica gravada na lei, e o custo
vai para a conta de luz.
O Planalto deveria, por isso, pressionar os
parlamentares para aprovar uma nova lei que corrija o equívoco que penaliza o
consumidor. Desobrigar a Eletrobras de construir as térmicas nessas condições
revelaria maturidade do Parlamento, além de aumentar o valor do negócio.
Infelizmente, a chance de isso acontecer é baixa. O governo federal, empenhado
na venda da estatal, tem apostado na confusão, jogando para o futuro essa conta
bilionária. Em nota, o Ministério de Minas e Energia criticou a metodologia da
EPE, mas estranhamente não apresentou cálculo alternativo.
O mais adequado, obviamente, é seguir com a
venda da estatal quanto antes. O longo histórico de interferências políticas na
Eletrobras é razão mais que suficiente para passá-la ao controle privado. Ao
mesmo tempo, é fundamental que o mercado depois da privatização seja
competitivo e funcione para manter o equilíbrio entre o preço justo ao
consumidor e as necessidades de investimento para o país. A mais pura obviedade
precisa ser dita: o Brasil deve construir usinas onde faz sentido pela lógica
econômica. Onde não faz, não deveria investir um real sequer.
Mundo pagará caro pela insistência chinesa
na estratégia ‘Covid zero’
O Globo
Não apenas os chineses, mas o mundo todo
provavelmente pagará caro pela insistência do Partido Comunista da China em
manter a política de “Covid zero”. Com a variante Ômicron se espalhando,
Xangai, com seus 25 milhões de habitantes, está há quase um mês em lockdown.
Cerca de 20 outras cidades seguiram o mesmo caminho ou adotaram severas
restrições a movimentações de pessoas. Os 3,5 milhões de habitantes da cidade
de Jilin estão em quarentena há mais de 50 dias. Os chineses afetados nas
últimas semanas somam 329 milhões, número próximo à população dos Estados
Unidos.
Maior e mais rica cidade do país, Xangai
viu o movimento do porto local cair à metade. Relatos de falta de alimentos e
medicamentos, imediatamente silenciados noutros lugares, vazaram antes de ser
apagados pelo exército de censores digitais. Teme-se que Pequim seja a próxima
cidade onde a reclusão será imposta.
O percentual de vacinados na China mascara
a vulnerabilidade sanitária do país diante da velocidade de alastramento das
novas variantes. Quase 90% da população recebeu duas doses, mas, até o final de
março, 40% daqueles com 80 anos ou mais não tinham recebido nenhuma. Mais de 50
milhões com mais de 60 anos não haviam completado o ciclo de vacinação. O país
que se preservou durante dois anos com uma política rigorosa de combate ao
vírus agora reúne os maiores bolsões de suscetíveis. O impacto econômico da
política de tolerância zero com o contágio já se faz sentir.
Em relatório recente, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) previu que a economia chinesa desacelerará neste ano, com
crescimento de 4,4%, ante 8,1% no ano passado. Entre as incertezas que rondam o
mundo, diz o FMI, uma das maiores é o risco de novos lockdowns na China.
O contágio econômico acontece de diferentes
formas. Como ficou claro no primeiro semestre de 2020 e no final de 2021, o
prazo de entregas de peças e produtos se dilatou em todo o mundo. Com fábricas
fechadas, as cadeias de suprimento emperraram, levando ao desabastecimento e ao
aumento de preços. Caso a situação sanitária piore na China, a pressão
inflacionária voltará a ser sentida.
Apesar dos riscos, é pouco provável que o governo decida abandonar a política “Covid zero”. Os comunistas chineses passaram dois anos exaltando as vantagens da estratégia, segundo eles prova da superioridade do regime. É verdade que a China evitou a tragédia sanitária que vitimou outros países, como Estados Unidos ou Brasil. Mas não conseguiu imunizar os mais vulneráveis e acabou ficando refém da pandemia. Seria necessário reconhecer o erro, cuidar de imunizar a população que falta e rever a política de tolerância zero com o vírus. Será que Xi Jinping fará isso às vésperas de ser confirmado para um terceiro mandato?
Cuba desumana
Folha de S. Paulo
Condenação de manifestantes a penas
absurdas mostra um regime ditatorial acuado
A brutal
reação da ditadura cubana à onda de insatisfação popular que tomou a
ilha em julho do ano passado deveria —embora provavelmente não vá— desfazer
quaisquer ilusões ainda alimentadas pelos simpatizantes do regime.
Manifestantes que, de forma
majoritariamente pacífica, foram às ruas de Havana e outras dezenas cidades
para expressar seu descontentamento com a falta de liberdade e as condições de
vida precárias no país caribenho terminaram sujeitos a penas absurdas que podem
chegar a 30 anos de prisão.
Conforme deu a conhecer recentemente o
Tribunal Supremo de Cuba, 128 participantes dos protestos já foram condenados
sob a acusação de crimes contra a segurança do Estado e colaboração com forças
estrangeiras.
É particularmente chocante o expressivo
contingente de jovens entre os apenados. De acordo com entidades ligadas aos
direitos humanos, mais de 40 menores de idade já foram alvo de condenações, em
muitos casos a períodos superiores a 15 anos de reclusão.
Acrescentam-se a isso denúncias das mais
diversas formas de tortura dentro das penitenciárias, como o uso de choques
elétricos, além de privação de luz e comida. Dos cerca de 1.400 cubanos presos
após a manifestação de 11 de julho, 728 seguem encarcerados.
A severidade descomunal das sentenças dá a
elas um caráter exemplar e constitui um recado claro a todos os moradores da
ilha: quem se envolver com protestos, dissidências ou agitações de qualquer
espécie arrisca-se a ser condenado por sedição e mofar por décadas atrás das
grades.
Essa estratégia do medo pode até surtir
efeito de início —e a oposição, de fato, encontra-se atualmente
fragmentada, como
mostrou reportagem da Folha.
Uma parte dos ativistas aposta na via
institucional, isto é, a tentativa de liberação dos presos políticos por meio
de uma anistia, obtida por caminhos legais. Diversos líderes dos movimentos por
trás dos protestos deixaram o país. Os que defendem soluções menos moderadas se
recolhem, temendo novas ondas de punições.
Entretanto nenhuma medida repressiva tem o
poder de acabar com o mal-estar social que grassa entre os cubanos; nenhuma
sentença judicial pode estrangular o legítimo desejo de uma vida melhor.
Em sua reação desmesurada, a ditadura
comunista mostra que, debaixo da aparente demonstração de força, há na verdade
um regime acuado e em desespero, incapaz de oferecer às demandas de uma
população asfixiada pela ruína econômica outra resposta que não violência e
mais injustiça.
Faroeste sonoro
Folha de S. Paulo
Norma contra caixa de som na praia se
justifica, mas desafio está em executá-la
Para o bem e para o mal, seres humanos se
acostumam com situações que lhes são impostas. Surpresas e outras
externalidades, positivas ou negativas, inicialmente nos afetam física e
psicologicamente, mas, com o tempo, nos habituamos a elas. O barulho constitui
exceção parcial a esse fenômeno.
Estudos mostram que pessoas que precisam
adaptar-se a uma nova fonte de ruídos, como uma obra do lado de casa, embora
possam ter a sensação de acostumar-se, nunca deixam de ser afetadas em medidas
mais objetivas, como capacidade de concentração e nível de estresse. Um dos
conselhos de psicólogos para ampliar o bem-estar é reduzir a poluição sonora.
Nesse contexto, é mais do que oportuna
a decisão
do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), de editar decreto que
determina multa de R$ 500 e a apreensão dos equipamentos de amplificação sonora
para quem os utilizar nas praias e parques municipais.
Se a figura do banhista que abusa do espaço
público é conhecida no litoral brasileiro, alguns de seus piores hábitos, como
o de ouvir música em volumes ensurdecedores, ganharam meteórico impulso com
avanços tecnológicos —notadamente a miniaturização de possantes caixas de som e
o Bluetooth.
O resultado é que algumas praias se tornam,
em especial em finais de semana e feriados, arenas em que diferentes
comunidades de ouvintes se digladiam em torno de seus gêneros musicais
favoritos, para o sofrimento dos que querem apenas relaxar e aproveitar a
natureza. O fenômeno não está circunscrito ao Rio, atingindo diversos
pontos do território nacional.
Mais do que egoísmo, elevar o volume do
equipamento de som denota também uma espécie de imperialismo estético. Os
indivíduos que assim procedem de alguma forma acreditam que têm o direito de
impor seu gosto musical a todos os circunstantes.
A medida de Paes pode parecer dura, mas se
justifica quando se considera que já existem soluções tecnológicas para o
problema. Qualquer um pode ouvir o que quiser em qualquer volume, desde que o
faça por meio dos populares fones de ouvido.
Há, entretanto, um risco no decreto. A habituação é um fenômeno que também diz respeito a normas e à sua aplicação. Como já ensinava o cardeal de Richelieu, "fazer uma lei e não a mandar executar é autorizar a coisa que se quer proibir". Em breve saberemos se a regra carioca será assimilada ou apenas consolidará o faroeste sonoro.
Escalada inflacionária assombra o País
O Estado de S. Paulo
IPCA-15 de abril tem a maior alta para o mês desde 1995 e confirma as projeções cada vez mais pessimistas dos analistas privados, inclusive em relação ao ano que vem
Há mais de dois anos a maioria dos
trabalhadores brasileiros não tem aumentos reais. A inflação tem sido
sistematicamente maior do que a correção salarial. Novas perdas devem ocorrer,
pois o cenário está ficando mais sombrio. Nunca, nos últimos 27 anos, o aumento
médio dos preços tinha sido tão alto no mês de abril como o registrado
agora. A
variação de 1,73% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15)
em abril é também a mais alta para qualquer mês desde fevereiro de 2003. O
acumulado de 12 meses, de 12,03%, é o maior desde novembro de 2003.
Calculado pelo IBGE, o IPCA-15 antecipa a
inflação do mês. O resultado de abril mostra que, do ponto de vista dos preços,
o País parece ter voltado para o início do Plano Real (de julho de 1994),
quando, depois de conviver com a hiperinflação, os agentes econômicos se
adaptavam à nova realidade. Ou, na outra comparação, para o início do primeiro
mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcado por desconfianças que
fizeram a taxa de câmbio e os preços explodirem.
A aceleração inflacionária comprime a renda
real e mesmo trabalhadores formais têm perdas. O
boletim Salariômetro, elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas, por exemplo, mostra que, das negociações coletivas concluídas em
março por empregados e empregadores, 49% não repuseram a inflação. O
reajuste mediano no mês foi igual à inflação. Há 25 meses seguidos a mediana é
menor ou igual à variação do INPC, índice que corrige salários.
O IPCA-15
confirma a notável deterioração das expectativas entre os analistas das
principais instituições financeiras consultadas regularmente pelo Banco Central
(BC) para a elaboração do boletim Focus. Em quatro semanas, a
mediana das projeções para o IPCA em 2022 saltou de 6,86% para 7,65%. A leitura
dos cinco últimos boletins mostra uma contínua alta da mediana do IPCA para
este ano: 6,86%, 6,97%, 7,43%, 7,46% e 7,65%. A piora das projeções do IPCA se
estende para 2023. Em quatro semanas, a estimativa para a inflação no ano que
vem passou de 3,80% para 4,00%.
Fatores que vêm impulsionando a alta do
IPCA nos últimos meses não se alteraram. Com alta de 3,43%, os preços no grupo
de transportes foram os que mais pesaram no IPCA-15 de abril. A gasolina subiu
7,51%. O preço da alimentação subiu 2,25%, em razão do aumento dos itens
consumidos em domicílio. Mas a alta é disseminada, pois praticamente 80% dos
itens que compõem o índice ficaram mais caros em abril.
É possível que alguns componentes que
empurraram os preços para cima percam alguma força nos próximos meses e a
inflação de 2022 até fique abaixo das projeções hoje dominantes. A cotação das
commodities no mercado internacional, cuja alta vem tendo forte influência nos
preços internos, pode se estabilizar. O fato de a taxa de câmbio não ter
explodido por causa da guerra na Ucrânia também favorece os preços internos.
O Focus mostra redução no valor projetado pelos analistas do mercado
para o dólar no fim do ano. Há, porém, um movimento de alta do dólar, cujo
vigor ainda é difícil de avaliar, pois em boa parte decorre do comportamento
cada vez mais preocupante do presidente Jair Bolsonaro, obcecado em ganhar
apoio político ou pelo menos manter o de que dispõe.
A guerra continua impondo dificuldades para
o abastecimento mundial de itens essenciais para a economia, como petróleo e
gás, e para as pessoas, como trigo. Há pressões sobre a atividade econômica e a
inflação em todo o mundo. Medidas mais duras estão em exame ou sendo executadas
por autoridades monetárias em vários países. Em alguns, como os Estados Unidos,
o endurecimento de medidas para conter a inflação pode ter repercussão mundial.
É nesse cenário, marcado por deterioração
de expectativas internas com relação à inflação e pressões externas sobre a economia,
que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC terá de decidir sobre a nova
taxa básica de juros, atualmente em 11,75% ao ano, e se confirma sua
sinalização de que o ciclo de aperto monetário se encerraria em maio.
Muito show, pouco agro
O Estado de S. Paulo
O presidente Bolsonaro usa a maior feira de agronegócios do País para fazer campanha eleitoral irregular, mas nada fala sobre as condições de financiamento da safra 2022/2023
Depois de dois longos anos, o arrefecimento
da pandemia de covid-19 tem finalmente permitido a retomada dos tão aguardados
eventos presenciais. Um deles é a Agrishow, principal feira de agronegócio do
País, realizada em Ribeirão Preto (SP). Naturalmente, a presença do presidente
Jair Bolsonaro na cerimônia de abertura gerou expectativas. Sua passagem teve
de tudo – motociata, cavalgada e mais um discurso antidemocrático –, exceto o
essencial: o anúncio das condições do Plano Safra 2022/2023, maior programa de
financiamento do setor.
De certa forma, isso não deveria
surpreender ninguém. Linhas do Plano Safra 2021/2022 com taxas de juro
subsidiadas estão suspensas há semanas porque não há recursos para equalizar os
empréstimos. Praticamente todo o volume de R$ 7,8 bilhões aprovado no Orçamento
pelo Legislativo acabou há quase dois meses, quando o Ministério da Economia
suspendeu a contratação de novas operações pelas instituições financeiras.
Ao menos em tese, o dinheiro deveria durar
até junho, mas a subida da taxa básica de juros, de 2% em março do ano passado
para os atuais 11,75%, contribuiu para consumir os recursos mais rapidamente. A
única linha que ainda estava com crédito liberado, o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf Custeio), foi suspensa pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no último sábado.
Na melhor das hipóteses, o projeto de lei do Congresso Nacional que garante
mais R$ 868,5 milhões para a equalização das taxas será votado nesta semana,
mas os recursos não serão suficientes para todos. Em paralelo, a Organização
das Cooperativas do Brasil (OCB) pediu um aumento de 31% nos recursos do Plano
Safra 2022/2023, para R$ 330 bilhões, ante R$ 251,22 bilhões da safra atual.
Seria o valor necessário para dar conta da demanda do setor e da conjuntura de
disparada da inflação, Selic em alta e avanço dos custos de produção – insumos,
defensivos e fertilizantes, bem como comercialização e investimentos.
Nada disso fez parte do discurso de
Bolsonaro no evento. Em 20 minutos, houve espaço para defender o perdão que
concedeu ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), a autorização para o garimpo em
terras indígenas, a atuação do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, a
ampliação do acesso da população a armas e a retomada dos ataques ao Supremo
Tribunal Federal (STF), além de ventilar as tradicionais teorias da conspiração
que fazem parte do universo bolsonarista. Sobre sua inoportuna visita à Rússia
às vésperas da invasão da Ucrânia, o presidente disse que o encontro com o
presidente russo, Vladimir Putin, garantiu a importação de fertilizantes,
embora não tenha firmado nenhum compromisso formal nesse sentido.
Diante de uma indústria enfraquecida e
serviços cambaleantes, o agronegócio tem sido fundamental para sustentar a
economia. O setor encerrou o ano com participação de 27,4% no PIB, a maior
desde 2004, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea)
da Esalq/USP e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Mesmo
com a seca, o PIB do agronegócio subiu 8,36% em 2021. Porém, há riscos. No mais
recente Relatório Trimestral de
Inflação (RTI), o Banco Central manteve a projeção de crescimento
do PIB em 1% em 2022, mas reduziu a estimativa para o agro de 5% para 2% em
razão da quebra de safras.
Esses números deixam claro que o segmento
precisa ser tratado com prioridade pelo governo, não em razão do eleitorado que
potencialmente representa, mas por causa da sua relevância para a economia. A
Agrishow, no entanto, serviu apenas como palco de um teatro de ambos os lados.
Bolsonaro faz seu show e finge apoiar o setor em busca de votos, e o agro
aceita posar para fotos na expectativa de obter algum retorno. Não impressiona
que Bolsonaro aproveite toda e qualquer situação para fazer campanha: é só o
que ele faz desde 2019. O que chama a atenção é o fato de que lideranças do
agronegócio se deixem utilizar para fins políticos por tão pouco – ou mesmo
nada.
Eleições devem ser pacíficas
O Estado de S. Paulo
Não há razões objetivas para a paz de sucessivos ciclos eleitorais ser abalada, a não ser o espírito destrutivo de Bolsonaro
Há mais de 25 anos, os brasileiros votam
por meio das urnas eletrônicas sem sobressaltos, sem o mais tênue indício de
fraude. Em todo esse tempo, jamais os resultados das eleições foram contestados
seriamente – vale dizer, com base em evidências, não em boatos – por quaisquer
das múltiplas forças políticas da sociedade. Graças a esse longo histórico de
segurança e agilidade do modelo brasileiro, referência internacional em
processos eleitorais, a sociedade atravessou em paz sucessivos ciclos
eleitorais, alguns bastante tensionados.
Nada houve de concreto nessas quase três
décadas de voto eletrônico para abalar essa paz. A única novidade, por assim
dizer, foi a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República.
Bolsonaro, já é sabido, está em campanha pela reeleição desde que tomou posse.
A partir do momento em que percebeu que o descalabro de sua gestão pode não
passar despercebido pelos eleitores, passou a agir deliberadamente para
desacreditar o processo eleitoral e, assim, criar o ambiente propício à
contestação do resultado e ao conflito social. Será algo inédito no País, com
consequências imprevisíveis.
Em boa hora, o presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, pediu “paz e respeito” às
escolhas dos eleitores em outubro. Um país que se pretende livre e democrático
não pode querer muito mais do que isso.
O apelo do ministro Fachin foi feito
durante uma reunião de trabalho da Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) do
TSE, colegiado que congrega várias organizações da sociedade civil,
universidades e membros das Forças Armadas para discutir o aprimoramento do
processo eleitoral brasileiro.
A própria existência da CTE é um reflexo da
tradição da Corte Eleitoral em dar ampla transparência ao processo eleitoral no
País. Isso não é de hoje. Ações nesse sentido são fundamentais quando ninguém
menos do que o presidente da República lidera uma sórdida campanha de
desinformação para enganar os brasileiros sobre a higidez do processo
eleitoral, no qual os eleitores sempre confiaram, em maior ou menor grau. Mas é
preciso lembrar que em todos os ciclos eleitorais as portas do TSE são abertas
aos partidos políticos, acadêmicos, técnicos e outros interessados para aferir
a idoneidade das urnas eletrônicas. Jamais houve uma “sala secreta” na qual
“meia dúzia decide uma eleição”, como levianamente apregoa Bolsonaro. O que há,
sim, é uma sala segura onde os votos são totalizados. E isso reflete a
seriedade do trabalho do TSE, não o contrário.
Na última reunião da CTE, o TSE recebeu
mais de 40 sugestões de melhorias no processo eleitoral, que partiram de
membros das Forças Armadas, da Transparência Internacional, de universidades
públicas e privadas, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras
instituições. A esmagadora maioria delas foi acolhida.
Os eleitores podem confiar na segurança da
urna eletrônica. A suspeição lançada por Bolsonaro não passa de esperneio
preventivo de um mau militar, um mau presidente e, o tempo dirá, um mau
perdedor.
Tendência de valorização global do dólar se
fortalece
Valor Econômico
A valorização do dólar é ruim para o BC
brasileiro, em estágio final do ciclo de aperto
Os estragos feitos pela invasão da Ucrânia
pela Rússia elevaram as expectativas de que a alta inflação deverá durar mais
que o anteriormente previsto. A economia global crescerá pouco mais que a
metade do que avançou em 2021 (3,6% e 6,1%). Os desequilíbrios existentes e a
resposta esperada estão favorecendo o dólar, que retomou tendência de alta
contra as principais moedas do mundo e reverteu com força e rapidez a
valorização do real.
São vários os fatores que fortalecem a
moeda americana diante das demais. A intensa revisão dos preços dos ativos nos
mercados foi motivada pelas declarações do presidente do Federal Reserve
americano, Jerome Powell, de que aumento maior de juros, de 0,5 ponto, está na
mesa da próxima reunião do banco e pode ser o primeiro de uma série. O alvo
inicial é chegar logo ao juro neutro, de 2,5%, o que os investidores acreditam
que ocorrerá até o fim do ano. Há poucas dúvidas de que, se quiser um pouso
suave, o Fed deverá levar o juro alguns graus acima do neutro.
A mudança na instância da política
monetária causou instabilidade nos mercados, ampliada pela perspectiva de
razoável desaceleração da China. Ambas levam investidores a procurar refúgio no
dólar, como sempre em tempos ruins, o que o valoriza. Há mais, porém. O Fed
será o banco de país desenvolvido que mais rapidamente vai elevar as taxas de
juros, tarefa na qual contará com a diminuição de seu balanço a partir de
junho. O diferencial de juros entre os EUA, zona do euro, Reino Unido e Japão
vai aumentar, o que também reforça o dólar.
O índice da cesta do dólar em relação a
outros moedas fortes está hoje em seu maior nível desde 2017 e, em relação ao
euro, poucas valorizações adicionais da moeda americana tornarão a paridade
entre as duas moedas possível. O Banco Central Europeu está sendo empurrado a
antecipar seu calendário de fim do afrouxamento monetário, embora a presidente
Christine Lagarde ainda defenda manobras graduais. Mas ela admitiu que as doses
mensais de injeção de liquidez poderão se encerrar antes do terceiro trimestre,
o que abriria espaço para a primeira alta de juros, hoje ainda negativos em
-0,5%.
A zona do euro enfrenta condições distintas
dos EUA, com inflação de 7,4%. Segundo Lagarde, metade da inflação da união
monetária se deve à alta da energia, multiplicada pela guerra. Correr com os
juros não elevará em nada a oferta do produto. A pressão inflacionária, de
outro lado, é menos intensa, com o núcleo da inflação em 2,9%. Investidores e
analistas estimam que o juro na zona do euro será positivo até o fim do ano.
O diferencial de crescimento entre as
economias avançadas é outro fator que dá vantagem ao dólar. O PIB americano
deve desacelerar para 3,7% em 2022, um pouco atrás do Canadá (3,9%), mas
significativamente superior ao da Alemanha (2,1%), zona do euro (2,7%) e Japão
(2,4%). A dianteira americana traz consigo problemas agudos, que desafiam o
Fed. A inflação chegou a 8,5% em março, com o núcleo de 6,5%, mostrando
pressões bastante disseminadas.
Há divergência entre economistas sobre a
origem predominante da alta da inflação americana. As restrições à oferta tem
seu peso, e é inútil combatê-la frontalmente com aumento de juros. Mas há
inequívocas e desiguais forças vindas da demanda. Segundo o FMI, o núcleo dos
preços de mercadorias atinge 6%, enquanto o de serviços não chega a 1%. Gastos
com bens duráveis estão 25% acima do nível pré-pandemia, o de bens não
duráveis, 10%, e os do setor de serviços ainda são inferiores (Martin Sandbu,
FT).
O Fed tentará esfriar a economia sem
levá-la à recessão. A valorização do dólar auxilia o BC, ao reduzir as
exportações, que também se desaceleram com o menor crescimento global. É
possível que isso ajude o Fed a suavizar a cadência dos juros.
Se o passado recente serve de guia, nem o
Fed, e muito menos o BCE (que já errou duas vezes) tendem a levar a economia à
recessão. Possivelmente recuarão diante de desaceleração acentuada. O Fed deu
um peso maior ao emprego em seu mix de política monetária e esse é um limitador
importante a uma estratégia contracionista agressiva. Os EUA estão em pleno
emprego (3,6%), havendo espaço para um freio de arrumação. A alta dos salários
está levando ao aumento da taxa de participação da força de trabalho, que mais
à frente moderará os reajustes.
A valorização do dólar é ruim para o BC
brasileiro, em estágio final do ciclo de aperto. Prolongá-lo muito trará poucos
ganhos diante dos males de uma recessão, já antevista.
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