O Globo
Dois indicadores divulgados esta semana
mostram que ainda não existe trégua no cenário de inflação. E esse é um dos
maiores complicadores da atual conjuntura, porque vai corroer a renda das
famílias e obrigar o Banco Central a elevar ainda mais os juros. O Boletim
Focus voltou a ser divulgado depois de um mês de paralisação, por causa da
greve no Banco Central, e mostrou uma forte piora das expectativas. Ontem, o
IBGE divulgou outro número elevado do IPCA-15 de abril, em 1,73%, o que elevou
a taxa para 12,03% em 12 meses, a taxa mais alta desde novembro de 2003. A alta
do dólar nos últimos dias foi um balde de água fria em quem apostava em uma
ajuda do câmbio para aliviar a alta dos preços.
Para se ter uma ideia da pancada, em cidades como Rio e Curitiba, a inflação, no IPCA-15, acumulada em apenas quatro meses desse ano, janeiro a abril, já supera 5%, o que é o teto da meta para o ano inteiro de 2022. Não é uma inflação causada apenas por crises externas. Há uma parte da alta de preços que é causada pelo governo Bolsonaro, quando não pelo próprio presidente. A má gestão das crises se soma às crises criadas pelo próprio presidente, como esse constante clima de confronto com o STF.
O Copom fará uma nova reunião na próxima
semana, quando elevará a Selic em mais 1 ponto, para 12,75%. Isso ele já
indicou na Ata. A piora dos números no Boletim Focus e a alta recente do dólar
podem obrigar o BC a fazer novas elevações da Selic, que pode atingir ou
superar os 13%. Isso é um choque de juros que derrubará o crescimento no
segundo semestre e no ano que vem.
O economista-chefe do Opportunity Total,
Marcelo Fonseca, explica que a inflação está espalhada por vários setores. O
que antes era algo localizado nos bens industriais, por causa dos problemas de
suprimento nas cadeias globais de produção, agora chegou aos preços das
commodities e ao setor de serviços. Ele estima que o IPCA vai fechar o ano em
7,7% e o aumento da Selic levará o PIB de 2023 para próximo de zero.
—Estamos vendo uma tempestade perfeita na
inflação. No mundo todo, e aqui em particular, houve uma combinação de
estímulos fiscais e monetários, por causa da pandemia, o que aqueceu demais a
demanda, com problemas de oferta. Agora também estamos vendo inflação nos
serviços, com a reabertura, e um choque nas commodities, que também encarece
vários setores da indústria — afirmou Fonseca.
O setor de vestuário, por exemplo, sente os
aumentos nos preços do algodão nos mercados internacionais. As altas do
petróleo e do gás tornam a energia elétrica mais cara, porque esses
combustíveis movem o parque termelétrico. Marcelo explica que a inflação no
mundo está elevada, mas no Brasil houve um componente a mais: a perda de
confiança na política fiscal no governo Bolsonaro.
— No ano passado não houve trégua na
política fiscal e isso contaminou demais o câmbio. Ele não funcionou como um
amortecedor para a alta das commodities, como em outros momentos. Esse foi o
componente adicional da inflação no Brasil, na comparação com o resto do mundo
— afirmou.
As crises institucionais são um fator a
mais de incerteza cambial, na visão do sócio da Tendências Consultoria, Nathan
Blanche. E a comprovação disso, segundo ele, é o real liderando as perdas em
relação a outras moedas desde a última sexta-feira, quando o presidente Jair
Bolsonaro concedeu perdão ao deputado Daniel Silveira. Além do recado mais duro
do Fed, de aumento maior dos juros, esse risco político fez o dólar saltar da
casa de R$ 4,60 para próximo de R$ 5,00.
O cenário internacional está rodeado de
incertezas. A China pode ter uma forte desaceleração do PIB por causa do
aumento de casos de covid e a política de tolerância zero do governo. Por um
lado, isso reduz os preços das matérias-primas, mas pode também afetar o nosso
saldo comercial. Nos Estados Unidos, o risco é de aperto mais forte dos juros,
atraindo capitais que antes estavam vindo para mercados emergentes como o
Brasil. E na Europa a guerra na Ucrânia está longe do fim, com uma escalada no
envio de armas para os ucranianos e a ameaça de uma resposta nuclear pelos
russos.
É nesse contexto que o país se encaminha para a eleição presidencial mais polarizada da história, com um presidente ameaçando dar golpe, a inflação em alta, e a economia sofrendo com um choque de juros pelo Banco Central.
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