Folha de S. Paulo
Prenúncio de conflito interno violento nos
EUA deveria ressoar entre os brasileiros
Durante quase 30 anos, Barbara Walter, cientista
política da Universidade da Califórnia, estudou guerras civis e insurreições ao redor do mundo.
Com base no muito que aprendeu, acaba de
publicar um livro desconcertante: "How civil wars start and how to stop
them" (como as guerras civis começam e como pará-las), ainda sem tradução
em português. Nele, a professora adverte que os Estados Unidos estão se aproximando
a galope de um ambiente favorável à eclosão de um violento conflito interno.
A probabilidade de ocorrerem conflagrações do gênero aumenta quando o regime em que vive um país —não importa se autocrático ou democrático— entra em crise, privando as suas instituições da capacidade de orientar as condutas sociais, e quando a política se transforma em confronto entre facções que expressam identidades étnicas, raciais ou religiosas.
Os setores mais inclinados a recorrer à
violência, escreve Barbara Walter, são aqueles que se identificam como
"sons of the soil" (filhos da terra), membros de uma comunidade
nacional tradicional, supostamente ameaçada por estranhos, sejam estes sócios
do clube das elites cosmopolitas, imigrantes ou habitantes de outras raças.
Tais ressentimentos são facilmente
manipuláveis por forças políticas que sabem tirar o máximo proveito da
velocidade das redes para propagar a polarização.
A folhas tantas, a professora imagina uma
situação em que os Estados Unidos se veriam mergulhados numa conflagração
difusa, sob a forma de atentados contra pessoas e instalações públicas,
executados por atiradores solitários e integrantes de diferentes grupos da
extrema-direita —uma guerra civil contemporânea, bem diferente daquela
entre o norte e o sul do país entre 1861 e 1865; uma guerra civil imaginada,
mas da qual a invasão do Capitólio por hordas trumpistas, no ano
passado, seria apenas um ensaio em cena aberta.
Talvez haja algo de irreal e exageradamente
pessimista no libelo da autora contra os perigos trazidos por lideranças do
feitio de Trump.
Ainda assim, tem o mérito de chamar a
atenção para um cenário em que a ordem democrática pode ser destruída —quando
se aceita o descrédito da competição pacífica pelo voto e das instituições que a garantem; quando se estimula o
sectarismo político; quando se trata o adversário como inimigo; quando se
naturaliza a violência verbal; ou ainda quando se considera legítima sua versão
armada.
Eis um alerta que deveria ressoar entre os
brasileiros para tudo o que pode acontecer de pior, sob os auspícios do
ex-capitão, neste ano em que se joga a sorte da democracia no país.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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