sábado, 14 de maio de 2022

Ascânio Seleme: A hora civil

O Globo

Fachin, fisicamente o mais frágil dos ministros do STF, mostrou que fardas, botas, tanques e fuzis não o amedrontam

mensagem do ministro Edson Fachin não podia ser mais clara e direta, “quem trata de eleições no Brasil são as forças desarmadas”. A Justiça Eleitoral não abrirá mão de suas obrigações constitucionais, disse o presidente do TSE. E para isso existe uma única e objetiva razão. Tudo está sob controle: a máquina funciona, o eleitor se expressa, o eleito assume, e a democracia se revigora. O resto é conversa de malucos e golpistas. O discurso de Fachin será balizador das eleições deste ano. E a sua imagem, no momento da fala, com seus cabelos brancos e seu sóbrio terno preto, é a imagem civil. Ele representa as forças civis que vão administrar as eleições e proclamar seus resultados em outubro.

Escrevi aqui na semana passada que o golpe imaginado por Jair Bolsonaro vai ser derrotado pela sociedade civil desarmada que irá às urnas em outubro eleger presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais. Sem armas, apenas com o voto, os brasileiros terão o poder de despachar para a casa, e talvez para a cadeia, os golpistas que se formam em torno do presidente. Barulho e bagunça devem ocorrer de qualquer modo, mas não terão vigor nem apoio suficiente para sublevarem a nação.

A hora é civil, expressou o ministro Fachin, que logo foi secundado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Num pronunciamento na Bahia, Pacheco disse que “é preciso fortalecer as instituições e a democracia de atentados nocivos”. Falava diretamente ao presidente Jair Bolsonaro e aos generais que o cercam e alimentam suas alucinações no Palácio do Planalto. Segundo Gerson Camarotti, comentarista da GloboNews, num jantar na noite de quinta com ministros do Supremo, Pacheco disse que não deixará o STF isolado. O que isso significa? Significa que ele vai se levantar sempre que o tribunal for ameaçado.

Mesmo o liso Arthur Lira deu declarações esta semana defendendo as urnas eletrônicas e o processo eleitoral brasileiro. Sabe que se a onda antiurnas de Bolsonaro prosperasse, ele e sua turma também perderiam.

Além de civil, a hora é de coragem. Cara feia não pode assustar as instituições e os cidadãos livres do país. Edson Fachin, fisicamente o mais frágil dos ministros do STF, mostrou que fardas, botas, tanques e fuzis não o amedrontam. “A Justiça Eleitoral jamais estará aberta a se dobrar a quem quer que seja para tomar as rédeas do processo eleitoral (...) ninguém nem nada interferirá”, disse o ministro, com sua voz calma, quase fina, mas em tom resoluto e determinado.

Embora tenha salientado que não manda recados, obviamente Fachin falou como se estivesse olhando nos olhos de Bolsonaro e da sua entourage militar. E sua oração de grandeza histórica também serviu para colocar um freio na sanha golpista do presidente, pelo menos temporariamente. No mesmo dia, Bolsonaro comentou o pronunciamento do ministro. E, claro, mentiu mais uma vez. Disse que “ninguém quer atacar as urnas eletrônicas e a democracia”. Como se trata de Bolsonaro, este vaivém já nem merece atenção. O fato é que o pândego disse que todos os seus ataques às urnas e ao processo eleitoral nunca aconteceram.

A fala desassombrada e definitiva de Edson Fachin deve servir de exemplo para que outros setores da sociedade civil também se manifestem em favor da democracia. O Brasil pertence a todos os brasileiros e não apenas ao rei e seus amigos destrambelhados. As trincheiras covardes escavadas em muitos balcões de negócios devem ser soterradas para no lugar fincar bandeiras que saúdem a legalidade e o poder civil.

Ninguém confia em ninguém

Há um sentimento que beira o pavor circulando nos corredores e salas do Palácio do Planalto. Trata-se do medo de ser denunciado por qualquer ato, gesto ou encontro que possa parecer traição aos olhos de Jair Bolsonaro. As agendas mais sensíveis, que tenham potencial de parecer “estranhas” ao presidente, são marcadas em horário fora do expediente e em local “neutro”. Segundo servidores que trabalham no palácio, a paranoia é tão grande que mesmo ministros estão de orelha em pé. Ninguém confia em ninguém, nem nas secretárias mais fiéis.

Mais um

Com a demissão do almirante Bento Albuquerque do Ministério de Minas e Energia, completa-se a primeira dúzia de oficiais superiores defenestrados por Bolsonaro do governo. Muitos com alto grau de humilhação, como Rêgo Barros, Santos Cruz, Fernando Azevedo e Lima, Silva e Luna e o próprio Bento. Aliás, como ficam os generais, quase todos de estatistas e nacionalistas, com o novo ministro, o Adolfo Sachsida (uma espécie de Weintraub iletrado), que no seu primeiro discurso anunciou desejo de privatizar a Petrobras?

Notas militares

Pescado nas redes, de Marcia Zoé Ramos: “Bombeiro que dirigia uma BMW atira em atendente de lanchonete; delegada tem R$ 2 milhões apreendidos em casa; militar diz que vai arrebentar aluno de ensino médio por causa de protesto; PMs com 77 quilos de ouro são presos; assédio sexual denunciado em escola da Aeronáutica. Tudo isso é notícia fresquinha. Agora, imaginem se essa turma consegue dar um golpe”.

Mais deputado

A divulgação da lista de parlamentares que distribuíram recursos do orçamento secreto revela que há alguns deputados e senadores mais deputados e senadores que outros. Pelo menos no que diz respeito ao acesso a dinheiro público. Os graúdos nadaram de braçada na piscina de verbas federais. O presidente da Câmara, Arthur Lira, disponibilizou a aliados e parentes R$ 357 milhões. O relator do orçamento, senador Márcio Bittar, repassou R$ 460 milhões, a senadora Eliane Nogueira, mãe e suplente do ministro Ciro Nogueira, distribuiu R$ 399 milhões. Já para a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR) coube R$ 250 mil e aos deputados Marcelo Aro (PP-MG) e Professor Alcides (PP-GO) restaram R$ 300 mil para cada um. Alguma surpresa?

Fé inabalável 1

Uma das explicações da turma do João Doria para seu fraco desempenho nas pesquisas eleitorais é a ausência do debate político nesta fase da pré-campanha. Hoje, segundo assessores do ex-governador, a polêmica sobre o hambúrguer de costela no ambiente digital é três vezes maior do que a sucessão presidencial. Enquanto a eleição mobiliza 4% do conteúdo disponível online, o hambúrguer de costela chegou a movimentar 12%. Isso vai mudar, dizem, quando a campanha começar para valer, lá pelo final de agosto. Os assessores dea Doria apostam que ele vai para o segundo turno no lugar de Bolsonaro. Será? Não sei, mas agora não parece.

Fé inabalável 2

A entourage do Doria tem um bom argumento para sustentar sua fé inabalável numa reviravolta eleitoral. São exemplos históricos: Bolsonaro ganhou a eleição nos últimos 35 dias de campanha; Trump passou Hillary a menos de duas semanas do pleito; o Brexit se viabilizou na véspera do plebiscito; e o próprio Doria só se consolidou em SP na reta final. Esqueceram de dizer que estes não eram lanterninhas dos processos eleitorais de que participaram.

Fim do teto

Lula disse numa reunião com reitores de universidades federais que no seu governo não haverá mais teto de gastos. Por ora é só um sonho do candidato. Se for eleito e quiser cumprir sua promessa, terá de passar uma emenda constitucional para derrubar a regra. Neste caso, precisará do apoio do Centrão, que não é difícil de obter. E então será moleza, porque se tem uma coisa que esta turma gosta é de gastar, gastar sem limite dinheiro público.

A estética da luta

Vale a pena prestigiar “A estética da luta”, documentário produzido pela Approach e dirigido por Guillermo Planel que conta a emocionante história da Organização Não Governamental Rio de Paz. Em 15 anos de atividade, a ONG realizou mais de 50 ações de protesto contra a violência no Rio e em outros estados do país. Todas as atividades são impactantes porque trabalham com símbolos visuais, duros e realistas. A mais conhecida delas é a das cruzes e covas rasas na praia de Copacabana em homenagem aos mortos pela pandemia. As cruzes foram derrubadas por um bolsonarista radical e imediatamente reerguidas pelo pai de um jovem de 25 anos que morreu de Covid. O bem venceu o mal.

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