A escolha de uma determinada política pública
em qualquer sociedade é uma opção política, com reflexos econômicos, sociais e
ambientais.
Como desenvolver estratégias e ações para a
construção de uma política agrícola no Brasil que seja integrada nacionalmente
e descentralizada a nível regional, que tenha a sustentabilidade econômica,
social e ambiental como fundamentos e razão de ser?
O texto a seguir procura analisar a realidade
atual da produção agroecológica no Brasil, aqui considerada como parte
integrante da política agrícola brasileira e os seus desafios políticos, econômicos,
sociais e ambientais.
Os velhos e novos desafios de uma política agrícola sustentável
A hegemonia do capital financeiro em
detrimento da produção e do bem estar social e os seus reflexos no mundo do
trabalho e da cultura, a partir dos anos 70 do século passado, vem atingindo de
maneira drástica a realidade cotidiana de toda a humanidade, de forma
insustentável. Aumenta a fome, a precarização do trabalho, da saúde, da
segurança pública e da mobilidade urbana, impactando o cotidiano e a qualidade
de vida das pessoas, sob os efeitos das mudanças climáticas, em um mundo ainda em
pandemia, desnudando e aprofundando a crise do padrão de produção e consumo dos
alimentos no Brasil e no mundo.
Evidencia-se, portanto, a interdependência entre sustentabilidade e as opções de política econômica e seus reflexos na realidade social e na preservação do meio ambiente em sí e as demandas alimentares – ainda com a fome e a desnutrição assolando a sociedade mundial e brasileira, colocando com a urgência devida, no caso do Brasil, a discussão da atual política agrícola e o papel da agroecologia neste contexto.
Nesta
perspectiva, uma nova política agrícola para o Brasil deve ter como um dos seus
fundamentos uma economia de baixo carbono, que seja social e ambientalmente
sustentável, onde o Estado, dialogando com o Mercado e a Sociedade Civil,
deverá ter um papel econômico e social de destaque na busca de atender as
demandas sociais básicas, secularmente desrespeitadas e ainda não conquistadas
pela maioria da sociedade brasileira.
A Política Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica (Pnapo) foi criada em 2012, com o objetivo de integrar,
articular e adequar as políticas públicas que contribuem e podem contribuir para
a produção sustentável de alimentos saudáveis e livres de contaminantes
químicos, no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental das
áreas rurais, valorizando o conhecimento dos povos e comunidades tradicionais,
com participação do Governo, do Mercado e da Sociedade Civil.
Apesar da legislação federal existente no
Brasil, a agroecologia ainda não existe como parte integrante de uma política
agrícola nacional. Regra geral, funciona de maneira fragmentada, com pouco ou
quase nenhum apoio do poder público, por iniciativa de produtores rurais e suas
famílias, dos movimentos sociais, da comunidade indígena e quilombola que se
unem em cooperativas, buscando atender as demandas por alimentação orgânica dos
municípios onde estão inseridos.
A produção e a comercialização de produtos
agroecológicos no Brasil tem como base a agricultura familiar, as cooperativas
e as feiras agroecológicas, atendendo as populações urbanas e rurais que
procuram através da agroecologia manter hábitos de alimentação saudáveis,
contribuindo para a inclusão social, a preservação da cultura e do meio
ambiente regional.
Nos últimos anos, cada vez mais, a agroecologia
brasileira vem contribuindo na geração de trabalho e renda, fortalecendo a
cultura do cooperativismo, melhorando a renda e a qualidade de vida dos
pequenos produtores rurais e suas famílias, beneficiando as populações rurais e
urbanas próximas às áreas de produção e comercialização de produtos
agroecológicos.
A construção de uma Política Agrícola Nacional Sustentável
nos desafia a considerar, entre outras questões: uma maior integração da área
federal com os Estados e Municípios proporcionando um maior apoio aos
produtores rurais e às suas cooperativas, buscando: a melhoria da
qualidade e a escolha das sementes e das mudas a serem utilizadas no plantio; a
qualificação da mão de obra; a ampliação da escala de produção e
comercialização; o controle, a disponibilidade e a utilização de
fontes naturais nos processos de produção, inclusive a água, a energia e a
própria terra; assim como o acesso e melhoria às tecnologias e aos mecanismos
de gestão da produção e comercialização,
financiamentos, infraestrutura e a avaliação das potencialidades do
mercado regional, nacional e internacional, considerando as
distintas realidades dos estados, dos municípios e das regiões onde estão
inseridos.
Assim, a agricultura brasileira deve reestruturar-se buscando a integração
dos seus diversos sistemas agrícolas : o agronegócio voltado para o mercado
externo e nacional; a agricultura familiar; a agroecologia; o turismo; a
produção de energia eólica, solar, de biomassa, entre outras possibilidades
agrícolas; buscando criar novos
mecanismos político-institucionais, construindo novas relações entre o Estado, o
Mercado e a Sociedade que proporcionem uma efetiva publicização e participação
social mais ampla na discussão, formulação e implementação de uma política agrícola
sustentável para o Brasil, que venha a atender as distintas realidades
brasileiras.
Ainda, uma política agrícola sustentável para o Brasil deve reavaliar a atual
estrutura tarifária e de preços dos alimentos básicos consumidos pela maioria
da população, criando um programa alimentar que combata e termine para sempre
com a fome no Brasil.
Portanto, deve haver mais do que nunca uma discussão
ampla, com a participação governamental, do mercado, dos produtores rurais e da
sociedade em geral em relação à incorporação da agroecologia como parte
integrante de uma política agrícola nacional sustentável, vinculada a um
projeto maior de transformação da
sociedade brasileira, com políticas sociais inclusivas nas áreas de educação, saúde,
turismo, cultura, meio ambiente, em sintonia
ao processo de mundialização em
curso, que nos leve à almejada
sustentabilidade brasileira, nos próximos 20-30 anos.
Ainda, uma nova política agrícola para o Brasil deve incentivar uma maior
integração agrícola com a América Latina, construindo parcerias e sistemas de produção
de alimentos integrados, revisitando as práticas ancestrais do Bem Viver,
atendendo às demandas da própria América Latina. Aqui, podem existir iniciativas conjuntas em diálogo com as organizações internacionais
multilaterais, governamentais, comunidade cientifica, organizações empresariais
e ONGs, na busca de políticas agrícolas comprometidas com o combate à fome, a
inclusão social e a preservação do meio ambiente, colocando como necessidade
uma maior e efetiva participação das organizações internacionais, a exemplo da
ONU, Banco Mundial, FMI, OIT e da sociedade civil mundial na discussão dessas políticas
agrícolas sustentáveis.
Em
função da pandemia, das crises política e econômica em andamento envolvendo os
EUA, a União Europeia, a OTAN, a China, a Rússia, entre outros, e as guerras e os
conflitos regionais em curso, inclusive o que envolve a Rússia e a Ucrânia, essas iniciativas
em prol da sustentabilidade mundial, inclusive em relação às mudanças
climáticas e a própria pandemia, continuam sendo adiadas (até quando?), ampliando,
ainda mais, a grave crise social e
ambiental vivida nas últimas décadas pela humanidade.
Urgem mudanças e medidas efetivas nessas organizações
multilaterais mundiais e regionais que nos levem a outras possibilidades econômica,
social e ambiental, cuja centralidade deve ser a cooperação entre os povos e a
construção de uma cultura de Paz, como desafios fundamentais da
sustentabilidade planetária.
Finalmente, sempre é bom lembrar, que a
democratização das relações entre o Estado e a sociedade, com a participação
efetiva da cidadania, são pressupostos básicos deste novo modelo agrícola que
se quer sustentável para o Brasil e toda a humanidade.
Estamos desafiados!
*George Gurgel de Oliveira, Professor, Doutor, pesquisador da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade, da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.
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