Revista Veja
No afã de se reeleger, Bolsonaro tenta
comprar votos com dinheiro
Quase um terço do eleitorado não quer
nem Lula nem Bolsonaro. A terceira via deveria
estar decolando, mas parece cada vez mais ancorada no solo. Os responsáveis são
a maioria dos pré-candidatos, que via a terceira via como “todos-por-mim”, e
seus partidos, que ou querem Bolsonaro por causa dos bilhões do orçamento secreto;
ou Lula, que consideram mais confiável; ou preferem usar os bilhões do fundo
eleitoral para eleger deputados a arriscar dinheiro em uma terceira via
incerta.
Se tivessem mais amor à pátria,
pré-candidatos e partidos estariam menos preocupados com seus interesses
individuais e mais com o risco que uma escolha entre Lula e Bolsonaro traz para
o país. Teriam viabilizado uma aliança viável há tempos. Mas amor à pátria é um
produto em falta no mercado.
Se Bolsonaro tivesse amor à pátria, não estaria desmontando a República. Lula faria parte da aliança democrática contra Bolsonaro, em vez de se colocar como figura hegemônica que espera adesão incondicional. Augusto Aras já teria denunciado Bolsonaro, em vez de fazer cara de paisagem a cada nova barbaridade que o presidente comete. Arthur Lira defenderia a República, em vez de engavetar os pedidos de impeachment. Rodrigo Pacheco defenderia a República, em vez de passar pano para Bolsonaro, como quando declarou constitucional o escandalosamente inconstitucional decreto de indulto a Daniel Silveira. Se os militares tivessem amor à pátria, se limitariam a suas atribuições constitucionais, em vez de se imiscuírem na política e ajudarem o chefe a tumultuar o processo eleitoral.
“Há uma crise encomendada para 2024. Nós já
vimos esse filme acontecer no país, e ele acaba mal”
A pátria, que já não conta com o amor de
ninguém, caminha aos trambolhões. O crescimento econômico em 2021 mal
recuperou as perdas de 2020, e as projeções para 2022 e 2023 são pífias. O
desemprego caiu um pouco, mas continua nas alturas, e os novos empregos são
mais precários do que os de antes. Os juros estão na Lua e devem continuar
subindo, mas a inflação não cai: este mês, subiu de novo, e o patamar dos
últimos doze meses, de 12,13%, é o mais elevado desde 2003. Para piorar, as
maiores altas vêm dos alimentos e dos transportes, afetando principalmente os
mais os pobres: a desigualdade está aumentando.
No afã de se reeleger, Bolsonaro tenta comprar
votos com dinheiro. Triplicou o custo do Bolsa Família, reduziu o IPI, liberou
o saque do FGTS, prometeu aumento de salário a servidores, permitiu a
acumulação de salário acima do teto constitucional (deu aos ministros militares
um extra de mais de 300 000 reais por ano).
Afora a bomba fiscal que arma para o ano que vem, sabota o trabalho do Banco
Central, que tenta, em vão, conter a inflação.
O próximo presidente receberá um país
polarizado, com muito ódio e em graves dificuldades econômicas. Uma herança de
fato maldita. O presidente, se confirmado o favoritismo de Lula ou de
Bolsonaro, terá contra si o ódio de metade da população e a indiferença ou má
vontade de 20% ou 30%. Terá uma base parlamentar pequena e será obrigado a se
entender com o Centrão — que tem muita fome e nenhum amor, nem pela pátria nem
por ninguém.
Há uma crise encomendada para 2024. Nós já
vimos esse filme, e ele acaba mal (e olha que em 2016 não havia tanto ódio).
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789
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