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Governo Bolsonaro fracassou na reforma
tributária
O Globo
A movimentação no Congresso para tratar de
temas tributários a cinco meses do pleito de outubro é exatamente o que parece:
malabarismo eleitoreiro. A reforma tributária de que o Brasil carece e que
merece é ampla, não um punhado de improvisos. E gambiarra é justamente o que
está sobre a mesa. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quer
apenas ver aprovado na Câmara um novo refinanciamento de dívidas com a Receita
(Refis) de sua própria autoria, já chancelado pelo Senado.
O programa seria, nas palavras de Pacheco,
um respiro para as empresas que passaram por dificuldades durante os períodos
mais duros da pandemia. Em troca, o presidente do Senado tentaria dar andamento
à reforma do Imposto de Renda aprovada na Câmara e travada por senadores.
Aproveitando a oportunidade, o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a
defender uma reforma tributária “enxuta”, com o discurso de que é preciso
reduzir o peso dos impostos sobre as empresas.
É até bem-vinda a intenção de trazer fôlego
ao setor produtivo, mas a verdade é que o governo Bolsonaro e o atual Congresso
fracassaram na missão de tornar o sistema tributário mais racional, justo e
simples. Uma reforma que mereça esse nome demandaria lideranças dispostas a
comprar brigas em nome do que é melhor para o país. Exigiria contrariar
interesses de quem se beneficia do caos atual e investe dinheiro para se fazer
ouvir. Por fim, requereria tempo e apoio político disponíveis no início de um
mandato. Por uma mistura de desconhecimento da importância do tema e
incompetência, Bolsonaro ignorou tudo isso.
Uma negociação para unificar impostos municipais, estaduais e da União já estava avançada no Congresso, mas o governo decidiu priorizar uma estratégia tímida e gradual. Foi um erro. E não foi o único. A proposta apresentada pelo Ministério da Economia criava novas distorções. Para reduzir tributos sobre o lucro, pensou-se em restabelecer a cobrança de impostos sobre dividendos, mas mantendo isenções e privilégios que tornam a tributação brasileira regressiva. Na Câmara, o que começou ruim ficou pior.
Suscetíveis a todo tipo de pressão, os
deputados criaram uma exceção para empresas que declaram pelo regime de lucro
presumido e faturam até R$ 4,8 milhões anuais. Isentaram também empresas que
declaram pelo regime do Simples e distribuem dividendos de até R$ 20 mil
mensais. O pacote de bondade foi vendido como incentivo ao empreendedorismo.
Não é nada disso. Apenas permitiria que altos executivos contratados como PJ ou
advogados e médicos ricos que embolsam dezenas de milhares de reais por mês
pagassem ainda menos imposto. Mais: traria um incentivo adicional para que as
empresas não cresçam por receio de perder o direito às novas benesses.
Caso Pacheco e o presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cheguem a um acordo — isso ainda é incerto em
ano eleitoral—, provavelmente venderão a aprovação como grande avanço. O
governo não perderá um minuto antes de dizer que cumpriu a promessa de reduzir
os impostos para o setor privado. Brasília é conhecida há muito como uma ilha
da fantasia. Mas que ninguém se deixe iludir. Versões distorcidas dos fatos não
ajudarão a resolver os problemas do país. Só adiam o necessário e incontornável
encontro com a realidade.
Adesão de Finlândia e Suécia à Otan
representa derrota para Putin
O Globo
A Rússia sempre quis manter a Organização
do Tratado do Atlântico Norte (Otan) distante de sua vizinhança e via como
ameaça seu avanço para o Leste Europeu depois da queda do Muro de Berlim, em
particular para as ex-repúblicas soviéticas do Báltico. Daí a reação militar
quando a Ucrânia se preparava para entrar na Otan. Os pretextos para a Rússia
invadir o território ucraniano foram os mais estapafúrdios, mas a única razão
compreensível era — e ainda é — geopolítica: evitar a todo custo a presença da
Otan no “quintal” russo.
Pois os últimos desdobramentos demonstram
que a “operação especial” de Vladimir Putin não está surtindo o efeito
desejado. Não apenas porque a Ucrânia resiste. Agora, dois países historicamente
neutros — Finlândia e Suécia — se preparam para também formalizar a intenção de
aderir à Otan. Na Finlândia, os defensores da adesão, que oscilavam entre 20% e
25%, passaram a 76% em pesquisa feita após a invasão russa. A entrada na Otan
representa uma transformação estratégica profunda para a região, redesenha o
mapa geopolítico da Europa e impõe a Putin um desafio inesperado. Estará ele
disposto a manter seu ânimo belicoso também diante de Finlândia e Suécia?
A decisão finlandesa, anunciada pelo
presidente Sauli Niinistö e pela primeira-ministra, Sanna Marin, deverá ser
aprovada amanhã pelo Parlamento. Também amanhã, a primeira-ministra sueca,
Magdalena Andersson, deverá receber o apoio de seu partido, o social-democrata,
para alterar a posição partidária histórica em favor da neutralidade. A
proposta de adesão à Otan já foi enviada ontem ao Parlamento, e a Suécia
poderia pleitear acesso já na próxima semana.
Para evitar que Finlândia e Suécia fiquem
vulneráveis durante essas discussões nos respectivos parlamentos, acordos de
garantia de segurança já foram assinados com Alemanha, Estados Unidos e
Grã-Bretanha. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, viajou para
Estocolmo e para Helsinque para formalizar o entendimento.
Os países da Otan na região já fazem 1.233
quilômetros de fronteira com a Rússia. A adesão finlandesa mais que dobrará
essa extensão. A Suécia só não tem fronteira com a Rússia porque a Finlândia
foi criada como Estado-tampão entre os dois países. A rivalidade militar
histórica entre russos e suecos arrefeceu a partir de 1809, quando a Suécia
doou o território finlandês, que dominava desde 1300, à Rússia czarista. A
revolução bolchevique de 1917 concedeu independência à Finlândia, mas isso não
evitou choques desta com a União Soviética, até o tratado de paz de 1948, que
resultou na neutralidade finlandesa, seguindo o exemplo sueco.
A adesão de ambos os países à Otan desequilibra esse arranjo. A Rússia deixou claro que o ingresso deles na Otan levará a Rússia a transferir armas nucleares para Kaliningrado, enclave russo entre Polônia e Lituânia, outros dois integrantes da aliança ocidental. Em vez de manter a Otan afastada de suas fronteiras, Putin acabou por atraí-la, no que se desenha como a maior derrota russa da aventura na Ucrânia.
Jabuti energético
Folha de S. Paulo
Causa estranheza a insistência de
parlamentares em financiar rede de gasodutos
A regulação do setor de energia se tornou
campo fértil para interesses privados com defensores no Congresso. Compreendido
por poucos, o intrincado arcabouço legal da área é alvo habitual de lobbies por
propostas temerárias.
Uma delas se tornou presença frequente nas
comissões e plenários da Câmara e do Senado —o Fundo de Expansão dos Gasodutos
de Transporte e Escoamento da Produção, a ser financiado com recursos do
petróleo do pré-sal.
A destinação de verba chegou a ser aprovada
pelos parlamentares, mas não a criação do fundo, que tem sido inserida em
projetos variados desde 2015.
De início chamado de Dutogas, depois de
Brasduto, o objeto do desejo já entrou em projeto de lei do Senado sobre gestão
da crise energética, no substitutivo da medida provisória 814, de 2017, que
propunha a reestruturação da Eletrobras, na chamada Lei do Gás.
Trata-se, em suma, de empregar um montante
estimado em R$ 100 bilhões em dinheiro público para viabilizar uma rede de
gasodutos pelo país. O Congresso chegou a aprovar um texto nesse sentido, em
2020, que acabou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
Isso não quer dizer que o tema tenha sido
esquecido pelos congressistas, em particular do centrão. Voltou a ser
especulado, por exemplo, com a troca
de comando na pasta de Minas e Energia.
Recentemente, um grupo de 23 entidades
ligadas à energia e ao meio ambiente mobilizou-se para impedir a inclusão do
Brasduto em mais um projeto, agora destinado à modernização do setor elétrico.
O relator da proposta, deputado Fernando Coelho (MDB-PE), negou que haja tal
possibilidade.
Os defensores da verba para gasodutos
argumentam agora que a medida é essencial para sustentar a sobrevivência de um
outro jabuti —como se conhecem no jargão parlamentar peças legislativas
incluídas de modo oportunista em projetos de objetivos diferentes.
Trata-se da custosa rede de térmicas a gás
aprovada com o processo de privatização da Eletrobras. Contrariando qualquer
lógica econômica, os parlamentares determinaram que elas serão construídas onde
não há gás ou linha de transmissão.
Fundos setoriais são a todo momento apresentados como soluções miraculosas, mas costumam criar graves distorções na economia e no planejamento público. Empreendimentos perdulários, vantagens privadas e clientelismo político acarretam custos que, cedo ou tarde, serão repassados a consumidores e contribuintes.
Coração da galáxia
Folha de S. Paulo
Buraco negro na Via Láctea revela o poder
da ciência para iluminar o cosmos
A
imagem do objeto Sagitário A* não
é a primeira de um buraco negro, primazia que coube ao corpo celeste M87, 1.500
vezes maior, com anúncio em 2019. Mesmo assim, pela vizinhança e pela
similaridade com o registro anterior, o ciclope no centro da Via Láctea pode
desvelar segredos relevantes.
O anel de cor laranja com a região de
sombra no meio ilustra o que se previa e hoje se sabe sobre a estrutura dos
buracos negros: um disco luminoso a girar vertiginosamente em torno de um corpo
supermaciço. A pantagruélica força gravitacional do objeto suga tudo ao redor,
até a luz, daí o "olho" preto.
A beleza da descoberta vai bem além do
efeito estético que torna apreensível, para a mente leiga, um fenômeno
paradoxal da física. Ela assinala a capacidade da ciência para deduzir e
confirmar, ainda que 107 anos depois, algo tão íntimo na estrutura do cosmos.
A previsão sobre a existência de buracos
negros data de 1915 e partiu do físico alemão Karl Schwarzschild. Tratava-se de
construção puramente matemática, fundada em cálculos a partir da teoria da
relatividade de Albert Einstein.
A confirmação só se tornou possível por
meio do desenvolvimento tecnológico de telescópios e da colaboração científica
internacional. O consórcio EHT reúne oito aparelhos potentes, três deles no
hemisfério Sul (Chile e Antártida), cujos registros foram conjugados para gerar
a imagem do M87 —hoje há 11 dispositivos no grupo).
SgrA* e M87, no entanto, diferem não só
pelas massas (equivalentes, respectivamente, a 4 milhões e 6,5 bilhões de
sóis). O primeiro se encontra relativamente perto em termos astronômicos, 26
mil anos-luz (247 quatrilhões de quilômetros), com o segundo a 53,5 milhões de
anos-luz, 2.000 vezes mais longe.
O gás a circundar SgrA* circula próximo à
velocidade da luz, dando-lhe a volta em poucos minutos antes de cair no abismo
relativístico, contra dias ou semanas no caso do M87. Isso dificultou as
observações desse alvo mais óbvio, no coração de nossa galáxia.
A comparação dos dois registros, com suas
disparidades em tamanho e distância, produziu características parecidas e
coerentes com os modelos teóricos. A proximidade de SgrA*, contudo, deve
favorecer a obtenção de informações úteis para entender a gravidade.
Os pioneiros Einstein (1879-1955) e
Schwarzschild (1873-1916) morreram muito antes de tais imagens virem à luz.
Cabe aos privilegiados de hoje reverenciar sua memória, um monumento ao não
suficientemente apreciado poder da ciência para esclarecer o mundo.
Caixas-pretas econômicas
O Estado de S. Paulo
Lula e Bolsonaro se recusam a discutir seus planos de política econômica. O pior não é que não os tenham, mas que sejam os mesmos que provocaram e aprofundaram a crise
Mal saída da UTI, respirando com um balão
de oxigênio após a pandemia, a economia global foi atropelada pela guerra de
Vladimir Putin. As rupturas nas cadeias de fornecimento recrudesceram a fome no
planeta e o puseram na rota da estagflação. Tanto pior para o Brasil, ainda
convalescente após a recessão de 2015-16. Desemprego alto, inflação acelerada e
baixo crescimento estão contratados no futuro próximo.
Nesta tempestade perfeita, seria de esperar
que os dois candidatos com o bloco na rua desde sempre e que lideram as
pesquisas estivessem promovendo rodadas de debate acaloradas entre aliados,
recrutando tropas de economistas e mobilizando publicistas para explicar seus
diagnósticos e advogar seus planos.
Nada disso. Como confessou Luiz Inácio Lula
da Silva em entrevista à Time,
“a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições”. Jair
Bolsonaro não se exprimiu com tanta candura. Nem precisava. Ele nunca escondeu
sua ignorância em economia, e ainda tentou revesti-la com uma pátina de
humildade, delegando-a ao seu “Posto Ipiranga”, o “superministro” Paulo Guedes.
Em 2018 havia algo remotamente parecido a
um programa econômico bolsonarista. Falava-se em redução da dívida, abertura de
mercado, modernização do funcionalismo, redução de impostos, renúncias e
alíquotas e privatizações trilionárias.
Dizer que o governo não fez nada disso é
uma meia-verdade. Inação era de fato a assinatura da política econômica
bolsonarista até a primeira metade do mandato. Depois foi submissão. Agora nas
mãos dos próceres do Centrão, ela serve para abastecer os apetites paroquiais
de uma seleta clientela parlamentar e as ambições eleitorais de Bolsonaro.
Já Lula tem uma fórmula: “Eu tenho a
certeza de que esses problemas (do
Brasil) só serão resolvidos quando os pobres estiverem participando
da economia, quando os pobres estiverem participando do orçamento, quando os
pobres estiverem trabalhando, quando os pobres estiverem comendo”. Seria o
equivalente a um médico dizer a seu paciente: “Eu tenho certeza de que você não
estará mais doente quando estiver saudável”. A questão, obviamente, é como.
A resposta de Lula é olhar para trás.
À Time ele
soltou alguns números sobre reservas internacionais, IPOs, dívida
internacional, que comprovariam que ele é “o único candidato com quem as
pessoas não deveriam ter essa preocupação”. Mas mesmo admitindo-se um bom
desempenho no primeiro mandato, 20 anos depois as condições são outras. Os
pilares macroeconômicos herdados da era FHC estão despedaçados e não há nada no
horizonte similar ao boom das commodities que permitiu a elevação dos gastos
públicos e dos créditos que deram à ampliação do consumo a aparência de
crescimento.
De resto, quem olha para trás, antes de
encontrar as promessas do “social-desenvolvimentismo” petista em 2003, se choca
com a catástrofe fabricada por ele em 2015-16. É ela a maior responsável por
tirar dos pobres trabalho, comida ou investimentos.
O buraco só não foi mais fundo em razão da
reforma da Previdência, aprovada no governo Bolsonaro, e pelas medidas tomadas
ou encaminhadas no governo Temer, como a ancoragem fiscal e a reforma
trabalhista, as mesmas que Lula promete revogar sem propor nada em troca. “Quem
é que disse que o Brasil precisa de reformas?”, disse em outra entrevista.
Quem se esforça por desacreditar a
polarização entre os populismos bolsonarista e lulopetista pode se sentir
vindicado. De fato, em relação a mecanismos econômicos cruciais, como o teto de
gastos ou as agências reguladoras, eles convergem: ambos querem implodi-los.
A degradação que esses populismos causaram
no debate público é tamanha que os dois candidatos dispensam até aquela
homenagem que o vício presta à virtude, a hipocrisia. Em outros tempos,
demagogos como eles conjuravam planos tão grandiloquentes como vagos nas
eleições, para depois terceirizar a culpa por seus malogros. Agora, nem isso.
Simplesmente pedem cheques em branco em troca de caixas-pretas. Tanto pior
quando se sabe que elas são só mais das mesmas caixas de Pandora que
precipitaram a economia nacional na desolação em que está.
Alta rotatividade
O Estado de S. Paulo
Depois de trocar duas vezes de presidente da Petrobras, Bolsonaro demite o ministro de Minas e Energia, tudo para encontrar quem obrigue a estatal a dobrar-se a seus desejos
Para quem acompanha o modus operandi de Jair
Bolsonaro, a demissão do agora ex-ministro de Minas e Energia almirante Bento
Albuquerque não é exatamente uma surpresa. Como se tornou praxe em seu governo,
o presidente não demite aliados por escândalos, frases infelizes ou
incompetência, mas apenas para dar satisfação à sua base eleitoral. Não foi por
acaso que Albuquerque foi dispensado, sem qualquer anúncio público prévio, dois
dias após a Petrobras anunciar um novo aumento nos preços do diesel. São
atitudes como esta que permitem a Bolsonaro alimentar, entre seus seguidores, a
fantasia do “mito” que luta contra o “sistema”.
Há um mês, após criticar o lucro
“excessivo” da companhia, Bolsonaro demitiu Joaquim Silva e Luna da presidência
da Petrobras. Foi Albuquerque, não Bolsonaro, quem comunicou ao general que ele
havia sido dispensado. Na época, o almirante perdeu força ao defender a
indicação de Adriano Pires para o comando da companhia e a de Rodolfo Landim
para o Conselho de Administração, ambos eivados de conflitos de interesses. Foi
no volúvel apoio do Centrão que o almirante apostou para manter os nomes
escolhidos. O episódio gerou tamanho desgaste – nunca esquecido por Bolsonaro e
atribuído unicamente a Albuquerque – que a solução foi substituir todos,
inclusive o ministro. A exemplo de seus antecessores, e como não poderia deixar
de ser, o novo presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho, tem mantido
a política de preços da companhia. Demitir o executivo um mês depois de sua
posse certamente teria um custo muito alto para a Petrobras. Dessa vez, coube a
Albuquerque pagar o preço político pela fidelidade canina a Bolsonaro.
Se o almirante já faz parte do passado,
ainda não se sabe o que o economista Adolfo Sachsida estará disposto a fazer
para se sustentar à frente do Ministério de Minas e Energia (MME). É impossível
impedir que os preços de gasolina e diesel subam quando o País é importador
líquido de derivados e o câmbio permanece desvalorizado em razão dos
recorrentes erros da política econômica. O governo tampouco pode fazer algo para
impedir a escalada das cotações do barril de petróleo no exterior em meio a uma
guerra entre Rússia e Ucrânia. Da mesma forma, cancelar os reajustes nas contas
de luz neste ano, como quer a Câmara dos Deputados, e antecipar receitas que a
Eletrobras pagaria ao longo de 25 anos após a privatização, como defende a
equipe econômica, lembram o malabarismo da administração da ex-presidente Dilma
Rousseff, que quase levou as duas empresas públicas à ruína. O que Bolsonaro
quer, no fundo, é adotar uma política populista e intervencionista, exatamente
o contrário do que Sachsida, que se diz liberal, costuma defender em
entrevistas.
Era de Sachsida, na condição de secretário
especial do Ministério da Economia, a tarefa de levar ao mercado projeções
otimistas, para dizer o mínimo, sobre os indicadores da economia. É fato que
ele é visto como braço direito de Paulo Guedes e já declarou considerá-lo o
“melhor ministro da Economia da história do Brasil”. Há quem veja que a
sintonia entre os dois pode ajudar a trazer mais realismo às políticas
setoriais do governo. Mas também é verdade que Sachsida, ainda como pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se aproximou do então
deputado Jair Bolsonaro mais de um ano antes de sua eleição, instruindo o ainda
pré-candidato sobre economia em encontros semanais. Foi Sachsida quem previu
como “baixíssima” a probabilidade de uma segunda onda de covid-19 no País, e
foi com base em sua avaliação que o governo achou por bem não prorrogar o
auxílio emergencial para a parcela mais vulnerável da população, deixando
famílias desassistidas por meses. Foi o mesmo Sachsida quem perdeu o cargo de
assessor especial do Ministério da Educação durante a gestão Michel Temer,
horas após a descoberta de que ele apoiava o movimento “Escola sem Partido”. É
a Bolsonaro, não a Guedes, que é atribuída a presença de Sachsida na equipe
econômica. Qual de suas personas vai comandar o Ministério de Minas e Energia?
Defendendo-se de Putin
O Estado de S. Paulo
Kremlin denunciará o ‘expansionismo’ da Otan com a adesão de Suécia e Finlândia, que só buscam proteção
Na realidade paralela propagandeada por
Vladimir Putin, as suas “forças de paz” foram à Ucrânia para libertá-la de um
regime “nazista” e afastar a “ameaça existencial” da Otan. Em seus sonhos, a
esse ponto a Otan estaria desestabilizada e a Ucrânia teria sido eliminada como
país, ou, ao menos, o regime de Kiev estaria decapitado e os territórios do
leste, dominados. Nada disso aconteceu. Ao contrário. O mais recente revés é o
movimento de Suécia e Finlândia rumo à Otan.
Aqueles que consideram que Kiev foi imprudente
e que o expansionismo da Otan é tão responsável pela guerra quanto Putin
denunciarão a decisão finlandesa e sueca como mais um passo rumo a uma guerra
mundial provocada pelo Ocidente. Na verdade, a esta altura, com a ameaça
representada pelo regime delinquente russo, é natural que países próximos da
Rússia procurem proteção. Como disse o ex-primeiro-ministro da Suécia Carl
Bildt, “não foi tanto a Otan que se empenhou em ir ao Leste, foram diferentes
nações que se empenharam em ir ao Ocidente”.
Pode-se questionar se os EUA foram
prudentes ao anunciar, em 2008, que países como a Ucrânia ou a Geórgia “se
tornarão membros”. Mas não havia consenso na Otan, e Putin tem motivações
próprias.
Com ou sem a Otan, uma democracia funcional
na Ucrânia é uma ameaça existencial não à Rússia, mas à autocracia de Putin. De
resto, países eslavos têm uma história complexa com a Rússia. Quando o império
soviético ruiu, tensões relativas à etnia, cidadania e fronteiras, alianças ou
regimes constitucionais irromperam.
Não há nada similar em relação aos
nórdicos. Seu não alinhamento era resultado da prudência diplomática e poderia
se perpetuar se Putin recorresse a ela. Mas sua agressão não provocada mudou a
opinião pública. Ficou claro que não são os vizinhos que ameaçam “existencialmente”
a Rússia, mas o contrário.
Suécia e Finlândia já são democracias e
membros da União Europeia. A decisão de ingressar na Otan é livre e soberana, e
faz sentido estratégico para a segurança desses países e os da Otan, em
especial os do Báltico. Ambos cooperam há décadas com a Otan e, se integrados,
podem emular as estratégias da Noruega de convivência com a Rússia.
Isso não significa que o Kremlin não
alegará uma provocação e não a utilizará como pretexto para suas ofensivas
nacionalistas. Também não significa que os ocidentais, sem abrir mão de apoiar
a defesa ucraniana, não devam concertar estratégias para desescalar o conflito,
moderar sua retórica belicosa e, no momento oportuno, participar de uma
negociação de paz, oferecendo garantias aos interesses ucranianos em relação à
sua soberania e território e, ao mesmo tempo, uma saída “honrosa” para Putin.
Isso envolverá acordos sobre armas convencionais e nucleares entre Otan e
Rússia. Mas, agora, a Otan está mais forte, não mais fraca, para defender seus
membros.
Suécia e Finlândia são só mais duas nações
democráticas e soberanas que estão se unindo a outras na Otan, uma aliança de
defesa, não um império como o que Putin tenta exumar. Como resumiu o presidente
finlandês em mensagem a Moscou: “Você causou isso. Olhe-se no espelho”.
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