sábado, 14 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais /Opiniões

Editoriais

Governo Bolsonaro fracassou na reforma tributária

O Globo

A movimentação no Congresso para tratar de temas tributários a cinco meses do pleito de outubro é exatamente o que parece: malabarismo eleitoreiro. A reforma tributária de que o Brasil carece e que merece é ampla, não um punhado de improvisos. E gambiarra é justamente o que está sobre a mesa. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quer apenas ver aprovado na Câmara um novo refinanciamento de dívidas com a Receita (Refis) de sua própria autoria, já chancelado pelo Senado.

O programa seria, nas palavras de Pacheco, um respiro para as empresas que passaram por dificuldades durante os períodos mais duros da pandemia. Em troca, o presidente do Senado tentaria dar andamento à reforma do Imposto de Renda aprovada na Câmara e travada por senadores. Aproveitando a oportunidade, o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a defender uma reforma tributária “enxuta”, com o discurso de que é preciso reduzir o peso dos impostos sobre as empresas.

É até bem-vinda a intenção de trazer fôlego ao setor produtivo, mas a verdade é que o governo Bolsonaro e o atual Congresso fracassaram na missão de tornar o sistema tributário mais racional, justo e simples. Uma reforma que mereça esse nome demandaria lideranças dispostas a comprar brigas em nome do que é melhor para o país. Exigiria contrariar interesses de quem se beneficia do caos atual e investe dinheiro para se fazer ouvir. Por fim, requereria tempo e apoio político disponíveis no início de um mandato. Por uma mistura de desconhecimento da importância do tema e incompetência, Bolsonaro ignorou tudo isso.

Uma negociação para unificar impostos municipais, estaduais e da União já estava avançada no Congresso, mas o governo decidiu priorizar uma estratégia tímida e gradual. Foi um erro. E não foi o único. A proposta apresentada pelo Ministério da Economia criava novas distorções. Para reduzir tributos sobre o lucro, pensou-se em restabelecer a cobrança de impostos sobre dividendos, mas mantendo isenções e privilégios que tornam a tributação brasileira regressiva. Na Câmara, o que começou ruim ficou pior.

Suscetíveis a todo tipo de pressão, os deputados criaram uma exceção para empresas que declaram pelo regime de lucro presumido e faturam até R$ 4,8 milhões anuais. Isentaram também empresas que declaram pelo regime do Simples e distribuem dividendos de até R$ 20 mil mensais. O pacote de bondade foi vendido como incentivo ao empreendedorismo. Não é nada disso. Apenas permitiria que altos executivos contratados como PJ ou advogados e médicos ricos que embolsam dezenas de milhares de reais por mês pagassem ainda menos imposto. Mais: traria um incentivo adicional para que as empresas não cresçam por receio de perder o direito às novas benesses.

Caso Pacheco e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cheguem a um acordo — isso ainda é incerto em ano eleitoral—, provavelmente venderão a aprovação como grande avanço. O governo não perderá um minuto antes de dizer que cumpriu a promessa de reduzir os impostos para o setor privado. Brasília é conhecida há muito como uma ilha da fantasia. Mas que ninguém se deixe iludir. Versões distorcidas dos fatos não ajudarão a resolver os problemas do país. Só adiam o necessário e incontornável encontro com a realidade.

Adesão de Finlândia e Suécia à Otan representa derrota para Putin

O Globo

A Rússia sempre quis manter a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) distante de sua vizinhança e via como ameaça seu avanço para o Leste Europeu depois da queda do Muro de Berlim, em particular para as ex-repúblicas soviéticas do Báltico. Daí a reação militar quando a Ucrânia se preparava para entrar na Otan. Os pretextos para a Rússia invadir o território ucraniano foram os mais estapafúrdios, mas a única razão compreensível era — e ainda é — geopolítica: evitar a todo custo a presença da Otan no “quintal” russo.

Pois os últimos desdobramentos demonstram que a “operação especial” de Vladimir Putin não está surtindo o efeito desejado. Não apenas porque a Ucrânia resiste. Agora, dois países historicamente neutros — Finlândia e Suécia — se preparam para também formalizar a intenção de aderir à Otan. Na Finlândia, os defensores da adesão, que oscilavam entre 20% e 25%, passaram a 76% em pesquisa feita após a invasão russa. A entrada na Otan representa uma transformação estratégica profunda para a região, redesenha o mapa geopolítico da Europa e impõe a Putin um desafio inesperado. Estará ele disposto a manter seu ânimo belicoso também diante de Finlândia e Suécia?

A decisão finlandesa, anunciada pelo presidente Sauli Niinistö e pela primeira-ministra, Sanna Marin, deverá ser aprovada amanhã pelo Parlamento. Também amanhã, a primeira-ministra sueca, Magdalena Andersson, deverá receber o apoio de seu partido, o social-democrata, para alterar a posição partidária histórica em favor da neutralidade. A proposta de adesão à Otan já foi enviada ontem ao Parlamento, e a Suécia poderia pleitear acesso já na próxima semana.

Para evitar que Finlândia e Suécia fiquem vulneráveis durante essas discussões nos respectivos parlamentos, acordos de garantia de segurança já foram assinados com Alemanha, Estados Unidos e Grã-Bretanha. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, viajou para Estocolmo e para Helsinque para formalizar o entendimento.

Os países da Otan na região já fazem 1.233 quilômetros de fronteira com a Rússia. A adesão finlandesa mais que dobrará essa extensão. A Suécia só não tem fronteira com a Rússia porque a Finlândia foi criada como Estado-tampão entre os dois países. A rivalidade militar histórica entre russos e suecos arrefeceu a partir de 1809, quando a Suécia doou o território finlandês, que dominava desde 1300, à Rússia czarista. A revolução bolchevique de 1917 concedeu independência à Finlândia, mas isso não evitou choques desta com a União Soviética, até o tratado de paz de 1948, que resultou na neutralidade finlandesa, seguindo o exemplo sueco.

A adesão de ambos os países à Otan desequilibra esse arranjo. A Rússia deixou claro que o ingresso deles na Otan levará a Rússia a transferir armas nucleares para Kaliningrado, enclave russo entre Polônia e Lituânia, outros dois integrantes da aliança ocidental. Em vez de manter a Otan afastada de suas fronteiras, Putin acabou por atraí-la, no que se desenha como a maior derrota russa da aventura na Ucrânia.

Jabuti energético

Folha de S. Paulo

Causa estranheza a insistência de parlamentares em financiar rede de gasodutos

A regulação do setor de energia se tornou campo fértil para interesses privados com defensores no Congresso. Compreendido por poucos, o intrincado arcabouço legal da área é alvo habitual de lobbies por propostas temerárias.

Uma delas se tornou presença frequente nas comissões e plenários da Câmara e do Senado —o Fundo de Expansão dos Gasodutos de Transporte e Escoamento da Produção, a ser financiado com recursos do petróleo do pré-sal.

A destinação de verba chegou a ser aprovada pelos parlamentares, mas não a criação do fundo, que tem sido inserida em projetos variados desde 2015.

De início chamado de Dutogas, depois de Brasduto, o objeto do desejo já entrou em projeto de lei do Senado sobre gestão da crise energética, no substitutivo da medida provisória 814, de 2017, que propunha a reestruturação da Eletrobras, na chamada Lei do Gás.

Trata-se, em suma, de empregar um montante estimado em R$ 100 bilhões em dinheiro público para viabilizar uma rede de gasodutos pelo país. O Congresso chegou a aprovar um texto nesse sentido, em 2020, que acabou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Isso não quer dizer que o tema tenha sido esquecido pelos congressistas, em particular do centrão. Voltou a ser especulado, por exemplo, com a troca de comando na pasta de Minas e Energia.

Recentemente, um grupo de 23 entidades ligadas à energia e ao meio ambiente mobilizou-se para impedir a inclusão do Brasduto em mais um projeto, agora destinado à modernização do setor elétrico. O relator da proposta, deputado Fernando Coelho (MDB-PE), negou que haja tal possibilidade.

Os defensores da verba para gasodutos argumentam agora que a medida é essencial para sustentar a sobrevivência de um outro jabuti —como se conhecem no jargão parlamentar peças legislativas incluídas de modo oportunista em projetos de objetivos diferentes.

Trata-se da custosa rede de térmicas a gás aprovada com o processo de privatização da Eletrobras. Contrariando qualquer lógica econômica, os parlamentares determinaram que elas serão construídas onde não há gás ou linha de transmissão.

Fundos setoriais são a todo momento apresentados como soluções miraculosas, mas costumam criar graves distorções na economia e no planejamento público. Empreendimentos perdulários, vantagens privadas e clientelismo político acarretam custos que, cedo ou tarde, serão repassados a consumidores e contribuintes.

Coração da galáxia

Folha de S. Paulo

Buraco negro na Via Láctea revela o poder da ciência para iluminar o cosmos

A imagem do objeto Sagitário A* não é a primeira de um buraco negro, primazia que coube ao corpo celeste M87, 1.500 vezes maior, com anúncio em 2019. Mesmo assim, pela vizinhança e pela similaridade com o registro anterior, o ciclope no centro da Via Láctea pode desvelar segredos relevantes.

O anel de cor laranja com a região de sombra no meio ilustra o que se previa e hoje se sabe sobre a estrutura dos buracos negros: um disco luminoso a girar vertiginosamente em torno de um corpo supermaciço. A pantagruélica força gravitacional do objeto suga tudo ao redor, até a luz, daí o "olho" preto.

A beleza da descoberta vai bem além do efeito estético que torna apreensível, para a mente leiga, um fenômeno paradoxal da física. Ela assinala a capacidade da ciência para deduzir e confirmar, ainda que 107 anos depois, algo tão íntimo na estrutura do cosmos.

A previsão sobre a existência de buracos negros data de 1915 e partiu do físico alemão Karl Schwarzschild. Tratava-se de construção puramente matemática, fundada em cálculos a partir da teoria da relatividade de Albert Einstein.

A confirmação só se tornou possível por meio do desenvolvimento tecnológico de telescópios e da colaboração científica internacional. O consórcio EHT reúne oito aparelhos potentes, três deles no hemisfério Sul (Chile e Antártida), cujos registros foram conjugados para gerar a imagem do M87 —hoje há 11 dispositivos no grupo).

SgrA* e M87, no entanto, diferem não só pelas massas (equivalentes, respectivamente, a 4 milhões e 6,5 bilhões de sóis). O primeiro se encontra relativamente perto em termos astronômicos, 26 mil anos-luz (247 quatrilhões de quilômetros), com o segundo a 53,5 milhões de anos-luz, 2.000 vezes mais longe.

O gás a circundar SgrA* circula próximo à velocidade da luz, dando-lhe a volta em poucos minutos antes de cair no abismo relativístico, contra dias ou semanas no caso do M87. Isso dificultou as observações desse alvo mais óbvio, no coração de nossa galáxia.

A comparação dos dois registros, com suas disparidades em tamanho e distância, produziu características parecidas e coerentes com os modelos teóricos. A proximidade de SgrA*, contudo, deve favorecer a obtenção de informações úteis para entender a gravidade.

Os pioneiros Einstein (1879-1955) e Schwarzschild (1873-1916) morreram muito antes de tais imagens virem à luz. Cabe aos privilegiados de hoje reverenciar sua memória, um monumento ao não suficientemente apreciado poder da ciência para esclarecer o mundo.

Caixas-pretas econômicas

O Estado de S. Paulo

Lula e Bolsonaro se recusam a discutir seus planos de política econômica. O pior não é que não os tenham, mas que sejam os mesmos que provocaram e aprofundaram a crise

Mal saída da UTI, respirando com um balão de oxigênio após a pandemia, a economia global foi atropelada pela guerra de Vladimir Putin. As rupturas nas cadeias de fornecimento recrudesceram a fome no planeta e o puseram na rota da estagflação. Tanto pior para o Brasil, ainda convalescente após a recessão de 2015-16. Desemprego alto, inflação acelerada e baixo crescimento estão contratados no futuro próximo.

Nesta tempestade perfeita, seria de esperar que os dois candidatos com o bloco na rua desde sempre e que lideram as pesquisas estivessem promovendo rodadas de debate acaloradas entre aliados, recrutando tropas de economistas e mobilizando publicistas para explicar seus diagnósticos e advogar seus planos.

Nada disso. Como confessou Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista à Time, “a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições”. Jair Bolsonaro não se exprimiu com tanta candura. Nem precisava. Ele nunca escondeu sua ignorância em economia, e ainda tentou revesti-la com uma pátina de humildade, delegando-a ao seu “Posto Ipiranga”, o “superministro” Paulo Guedes.

Em 2018 havia algo remotamente parecido a um programa econômico bolsonarista. Falava-se em redução da dívida, abertura de mercado, modernização do funcionalismo, redução de impostos, renúncias e alíquotas e privatizações trilionárias.

Dizer que o governo não fez nada disso é uma meia-verdade. Inação era de fato a assinatura da política econômica bolsonarista até a primeira metade do mandato. Depois foi submissão. Agora nas mãos dos próceres do Centrão, ela serve para abastecer os apetites paroquiais de uma seleta clientela parlamentar e as ambições eleitorais de Bolsonaro.

Já Lula tem uma fórmula: “Eu tenho a certeza de que esses problemas (do Brasil) só serão resolvidos quando os pobres estiverem participando da economia, quando os pobres estiverem participando do orçamento, quando os pobres estiverem trabalhando, quando os pobres estiverem comendo”. Seria o equivalente a um médico dizer a seu paciente: “Eu tenho certeza de que você não estará mais doente quando estiver saudável”. A questão, obviamente, é como.

A resposta de Lula é olhar para trás. À Time ele soltou alguns números sobre reservas internacionais, IPOs, dívida internacional, que comprovariam que ele é “o único candidato com quem as pessoas não deveriam ter essa preocupação”. Mas mesmo admitindo-se um bom desempenho no primeiro mandato, 20 anos depois as condições são outras. Os pilares macroeconômicos herdados da era FHC estão despedaçados e não há nada no horizonte similar ao boom das commodities que permitiu a elevação dos gastos públicos e dos créditos que deram à ampliação do consumo a aparência de crescimento.

De resto, quem olha para trás, antes de encontrar as promessas do “social-desenvolvimentismo” petista em 2003, se choca com a catástrofe fabricada por ele em 2015-16. É ela a maior responsável por tirar dos pobres trabalho, comida ou investimentos.

O buraco só não foi mais fundo em razão da reforma da Previdência, aprovada no governo Bolsonaro, e pelas medidas tomadas ou encaminhadas no governo Temer, como a ancoragem fiscal e a reforma trabalhista, as mesmas que Lula promete revogar sem propor nada em troca. “Quem é que disse que o Brasil precisa de reformas?”, disse em outra entrevista.

Quem se esforça por desacreditar a polarização entre os populismos bolsonarista e lulopetista pode se sentir vindicado. De fato, em relação a mecanismos econômicos cruciais, como o teto de gastos ou as agências reguladoras, eles convergem: ambos querem implodi-los.

A degradação que esses populismos causaram no debate público é tamanha que os dois candidatos dispensam até aquela homenagem que o vício presta à virtude, a hipocrisia. Em outros tempos, demagogos como eles conjuravam planos tão grandiloquentes como vagos nas eleições, para depois terceirizar a culpa por seus malogros. Agora, nem isso. Simplesmente pedem cheques em branco em troca de caixas-pretas. Tanto pior quando se sabe que elas são só mais das mesmas caixas de Pandora que precipitaram a economia nacional na desolação em que está.

Alta rotatividade

O Estado de S. Paulo

Depois de trocar duas vezes de presidente da Petrobras, Bolsonaro demite o ministro de Minas e Energia, tudo para encontrar quem obrigue a estatal a dobrar-se a seus desejos

Para quem acompanha o modus operandi de Jair Bolsonaro, a demissão do agora ex-ministro de Minas e Energia almirante Bento Albuquerque não é exatamente uma surpresa. Como se tornou praxe em seu governo, o presidente não demite aliados por escândalos, frases infelizes ou incompetência, mas apenas para dar satisfação à sua base eleitoral. Não foi por acaso que Albuquerque foi dispensado, sem qualquer anúncio público prévio, dois dias após a Petrobras anunciar um novo aumento nos preços do diesel. São atitudes como esta que permitem a Bolsonaro alimentar, entre seus seguidores, a fantasia do “mito” que luta contra o “sistema”.

Há um mês, após criticar o lucro “excessivo” da companhia, Bolsonaro demitiu Joaquim Silva e Luna da presidência da Petrobras. Foi Albuquerque, não Bolsonaro, quem comunicou ao general que ele havia sido dispensado. Na época, o almirante perdeu força ao defender a indicação de Adriano Pires para o comando da companhia e a de Rodolfo Landim para o Conselho de Administração, ambos eivados de conflitos de interesses. Foi no volúvel apoio do Centrão que o almirante apostou para manter os nomes escolhidos. O episódio gerou tamanho desgaste – nunca esquecido por Bolsonaro e atribuído unicamente a Albuquerque – que a solução foi substituir todos, inclusive o ministro. A exemplo de seus antecessores, e como não poderia deixar de ser, o novo presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho, tem mantido a política de preços da companhia. Demitir o executivo um mês depois de sua posse certamente teria um custo muito alto para a Petrobras. Dessa vez, coube a Albuquerque pagar o preço político pela fidelidade canina a Bolsonaro.

Se o almirante já faz parte do passado, ainda não se sabe o que o economista Adolfo Sachsida estará disposto a fazer para se sustentar à frente do Ministério de Minas e Energia (MME). É impossível impedir que os preços de gasolina e diesel subam quando o País é importador líquido de derivados e o câmbio permanece desvalorizado em razão dos recorrentes erros da política econômica. O governo tampouco pode fazer algo para impedir a escalada das cotações do barril de petróleo no exterior em meio a uma guerra entre Rússia e Ucrânia. Da mesma forma, cancelar os reajustes nas contas de luz neste ano, como quer a Câmara dos Deputados, e antecipar receitas que a Eletrobras pagaria ao longo de 25 anos após a privatização, como defende a equipe econômica, lembram o malabarismo da administração da ex-presidente Dilma Rousseff, que quase levou as duas empresas públicas à ruína. O que Bolsonaro quer, no fundo, é adotar uma política populista e intervencionista, exatamente o contrário do que Sachsida, que se diz liberal, costuma defender em entrevistas.

Era de Sachsida, na condição de secretário especial do Ministério da Economia, a tarefa de levar ao mercado projeções otimistas, para dizer o mínimo, sobre os indicadores da economia. É fato que ele é visto como braço direito de Paulo Guedes e já declarou considerá-lo o “melhor ministro da Economia da história do Brasil”. Há quem veja que a sintonia entre os dois pode ajudar a trazer mais realismo às políticas setoriais do governo. Mas também é verdade que Sachsida, ainda como pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se aproximou do então deputado Jair Bolsonaro mais de um ano antes de sua eleição, instruindo o ainda pré-candidato sobre economia em encontros semanais. Foi Sachsida quem previu como “baixíssima” a probabilidade de uma segunda onda de covid-19 no País, e foi com base em sua avaliação que o governo achou por bem não prorrogar o auxílio emergencial para a parcela mais vulnerável da população, deixando famílias desassistidas por meses. Foi o mesmo Sachsida quem perdeu o cargo de assessor especial do Ministério da Educação durante a gestão Michel Temer, horas após a descoberta de que ele apoiava o movimento “Escola sem Partido”. É a Bolsonaro, não a Guedes, que é atribuída a presença de Sachsida na equipe econômica. Qual de suas personas vai comandar o Ministério de Minas e Energia?

Defendendo-se de Putin

O Estado de S. Paulo

Kremlin denunciará o ‘expansionismo’ da Otan com a adesão de Suécia e Finlândia, que só buscam proteção

Na realidade paralela propagandeada por Vladimir Putin, as suas “forças de paz” foram à Ucrânia para libertá-la de um regime “nazista” e afastar a “ameaça existencial” da Otan. Em seus sonhos, a esse ponto a Otan estaria desestabilizada e a Ucrânia teria sido eliminada como país, ou, ao menos, o regime de Kiev estaria decapitado e os territórios do leste, dominados. Nada disso aconteceu. Ao contrário. O mais recente revés é o movimento de Suécia e Finlândia rumo à Otan.

Aqueles que consideram que Kiev foi imprudente e que o expansionismo da Otan é tão responsável pela guerra quanto Putin denunciarão a decisão finlandesa e sueca como mais um passo rumo a uma guerra mundial provocada pelo Ocidente. Na verdade, a esta altura, com a ameaça representada pelo regime delinquente russo, é natural que países próximos da Rússia procurem proteção. Como disse o ex-primeiro-ministro da Suécia Carl Bildt, “não foi tanto a Otan que se empenhou em ir ao Leste, foram diferentes nações que se empenharam em ir ao Ocidente”.

Pode-se questionar se os EUA foram prudentes ao anunciar, em 2008, que países como a Ucrânia ou a Geórgia “se tornarão membros”. Mas não havia consenso na Otan, e Putin tem motivações próprias.

Com ou sem a Otan, uma democracia funcional na Ucrânia é uma ameaça existencial não à Rússia, mas à autocracia de Putin. De resto, países eslavos têm uma história complexa com a Rússia. Quando o império soviético ruiu, tensões relativas à etnia, cidadania e fronteiras, alianças ou regimes constitucionais irromperam.

Não há nada similar em relação aos nórdicos. Seu não alinhamento era resultado da prudência diplomática e poderia se perpetuar se Putin recorresse a ela. Mas sua agressão não provocada mudou a opinião pública. Ficou claro que não são os vizinhos que ameaçam “existencialmente” a Rússia, mas o contrário.

Suécia e Finlândia já são democracias e membros da União Europeia. A decisão de ingressar na Otan é livre e soberana, e faz sentido estratégico para a segurança desses países e os da Otan, em especial os do Báltico. Ambos cooperam há décadas com a Otan e, se integrados, podem emular as estratégias da Noruega de convivência com a Rússia. 

Isso não significa que o Kremlin não alegará uma provocação e não a utilizará como pretexto para suas ofensivas nacionalistas. Também não significa que os ocidentais, sem abrir mão de apoiar a defesa ucraniana, não devam concertar estratégias para desescalar o conflito, moderar sua retórica belicosa e, no momento oportuno, participar de uma negociação de paz, oferecendo garantias aos interesses ucranianos em relação à sua soberania e território e, ao mesmo tempo, uma saída “honrosa” para Putin. Isso envolverá acordos sobre armas convencionais e nucleares entre Otan e Rússia. Mas, agora, a Otan está mais forte, não mais fraca, para defender seus membros.

Suécia e Finlândia são só mais duas nações democráticas e soberanas que estão se unindo a outras na Otan, uma aliança de defesa, não um império como o que Putin tenta exumar. Como resumiu o presidente finlandês em mensagem a Moscou: “Você causou isso. Olhe-se no espelho”.

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