O Globo
Não é normal que presidente da Câmara — ou
do Senado — ofereça jantar em honra a ministros do Supremo. Qualquer que seja o
ministro; qualquer, a razão. Não é normal que político — de alto ou baixo clero
— convide juiz para convescote em casa; qualquer que seja o tempo. A razão para
recusar sem ser deselegante é a prudência que oferece: não existe refeição
grátis em Brasília.
Fulanizemos: o que pretenderá alguém como
Arthur Lira ao promover celebração a ministro do STF, no caso Gilmar Mendes,
senão demonstrar Poder? Seria gesto para comprometer miudamente, não fosse
sobretudo um comprometimento ao exercício impessoal do poder na República. Com
todas as vênias: não pode um juiz aceitar afago daquele cujo foro tem lugar no
tribunal que compõe.
Se os ministros do Supremo erram nos
convites oficiais que fazem, vide a infiltração militar golpista no TSE, quanto
errarão nos informais que aceitam?
Não é normal — não se for a República — que
juiz de tribunal superior transite naturalmente entre políticos. Não é normal
que ministro de Corte constitucional seja articulador-formulador de soluções
para impasses políticos.
Sacrifica-se a percepção de Estado de Direito quando os mais poderosos, inclusive os guardiões da Constituição, concertam-se em confrarias.
É a percepção de ministros da Corte
constitucional como agentes políticos — negociadores junto aos Poderes, ao
mesmo tempo que tomadores de prerrogativas do Parlamento e do Executivo — que
faz ascender figuras como Kassio Nunes Marques e André Mendonça; porque ao
presidente de turno, tanto mais um para quem a República é empecilho, sempre
será tentador ter os seus homens num tribunal onipresente, que se lança a agir
de ofício, a interferir, não raro provocador, em vez de responder a provocações.
Por que não ter o meu ministro, os meus? —
projetará. Quão atraente será possuir — sob a vara de um togado de confiança —
os instrumentos com que se concebeu, em nome da virtude, o inquérito das fake
news, que já censurou uma revista?
A gente sabe como o arreganho começa, e até
avalia que virá para o bem, mas nunca sabe aonde vai. Acabada a Lava-Jato,
resta o lavajatismo como
Zeitgeist.
O Supremo que se admite como engenheiro
constrói arapuca contra si. O tribunal que se põe a andar — mesmo a legislar —
em nome de causas virtuosas é o mesmo cuja atividade expansiva cria as
condições para o contra-ataque reacionário quando mudada sua composição. Aquele
que não se equilibra se oferece aos ventos. Última palavra, o STF deveria zelar
por não abusar desse apanágio, especialmente no momento em que não faltam
candidatos a Poder Moderador.
Lira mesmo, ou não será um dos
patrocinadores da PEC que pretende transformar o Congresso em instância
revisora de decisões do STF? O presidente da Câmara é senhor do Orçamento cuja
gestão secreta e arbitrária — para a qual o Supremo faz vista grossa — consiste
na própria ainda existência competitiva do governo do autocrata Jair Bolsonaro.
Não dá para fazer discurso pela democracia e depois ir beber o vinho na casa do
sócio-investidor do projeto bolsonarista.
Lira, com seus modos autoritários, é fiador
legislativo — associado também nos costumes — de um presidente cujo populismo
se exerce numa geração permanente de conflitos artificiais que erodem a
República. O presidente da Câmara está muito à vontade nisso, conjugando a
aplicação patrimonialista para o que seja harmonia entre Poderes. Estão —
estavam — à vontade os ministros do Supremo?
Fico aqui pensando em como reage o cidadão
brasileiro cada vez que escuta ou lê a pregação sobre balanço republicano e
separação entre Poderes.
Ministros do Supremo — cujas canetas podem
distribuir decisões monocráticas que, afinal, beneficiam um ou outro — precisam
evitar que o tipo de vida social que têm os coloque sob desconfiança; coloque
as decisões que tomam sob suspeita. A descrença é grande e vai
profissionalmente explorada. E não importa que Bolsonaro também estivesse no
jantar. O bolsonarismo explorará a promiscuidade caracterizada na ideia de um
sistema — aquele (de que faz parte) que não o deixaria governar — que se
resolve na mesa, à noite, sem os freios da impessoalidade de uma agenda
pública.
Mas, sim, Bolsonaro estava lá, o herói que
só quer mesmo salvar a própria pele e a dos filhos. Há relatos de que esteve a
portas fechadas com Alexandre de Moraes. Gostaria de entender a validade — em
junho de 2022, depois de tudo quanto já barbarizado — de conversas secretas com
o capitão, senão ofertar as circunstâncias-armadilhas para que ele, sem deixar
de atacar o Supremo, fale em acordos de alcova não cumpridos por ministro da
Corte. Foi o que ocorreu após o 7 de Setembro. E já vem outro aí.
É hora de menos papinho e de mais plenário.
Um comentário:
Hora de ir à luta, não queremos ladroes a governar-nos. Se todo mundo pudesse entender não votava em ladroes e quem não soubesse o mínimo sobre governar.
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