O Estado de S. Paulo
Espera-se que não aconteça o que ocorreu
com o caso dos EUA, em que a institucionalização ficou, em boa parte, na
intenção.
As relações Brasil-China ganharam novo
impulso com a realização, em maio passado, da sexta sessão plenária da Comissão
Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). A Cosban,
criada há 18 anos, é copresidida pelo vice-presidente do Brasil e pelo
vice-primeiro-ministro da China, e é o fórum mais importante para discutir, em
alto nível, a orientação estratégica da cooperação bilateral.
No encontro, ficou evidenciada a
diversidade do relacionamento bilateral, que abrange as áreas de comércio,
investimento, finanças, energia e mineração, agropecuária, ciência, tecnologia
e inovação, cooperação espacial, indústria e tecnologia da informação, cultura
e educação. Entre outras medidas aprovadas, podem ser mencionadas a intenção de
ampliar a colaboração na facilitação de comércio, para evitar barreiras
protecionistas, em especial sanitárias e fitossanitárias; diversificação das
exportações brasileiras, inclusive no setor agropecuário, com a inclusão de
produtos industriais de maior valor agregado; e a expansão da cooperação em
inovação e sustentabilidade.
Foi dado destaque à cooperação, de mais de 30 anos, na área espacial, com novos projetos e o início da negociação do Plano Sino-Brasileiro de Cooperação Espacial 2023-2032.
O trabalho conjunto no âmbito das
organizações multilaterais continuará a ser desenvolvido na ONU, na Organização
Mundial do Comércio (OMC), no Brics e no G-20, além do Banco Mundial e do Novo
Banco de Desenvolvimento. O Brasil ressaltou a importância que atribui às
questões da segurança alimentar e da sustentabilidade, da transição energética
e dos desafios para uma economia de baixo carbono e para as perspectivas da
relação bilateral. A China enfatizou a promoção do desenvolvimento econômico
comercial bilateral e o fortalecimento da cooperação na área
econômico-financeira e espacial.
O relacionamento com a China apresenta uma
característica que não se encontra na relação com nenhum outro país. Não me
lembro de outro exemplo em que os governos decidiram, com visão de futuro, avançar
com planos de médio prazo, definidos com objetivos precisos no contexto da
Parceria Estratégica que já existe há dez anos, como aconteceu com o Plano de
Ação Conjunta 2015-2021 e o Plano Decenal de Cooperação 2012-2021. Na reunião
da Cosban, foi concluída a negociação de novos planos decenais para o
relacionamento bilateral: o Plano Estratégico 2022-2031 e o Plano Executivo
2022-2026, expressando as prioridades que Brasil e China pretendem imprimir a
seu relacionamento nos próximos anos.
No Plano Estratégico, os entendimentos
concentraram-se em três eixos: político, econômico (investimento, comércio e
cooperação) e científico (tecnologia e inovação). Podem ser ressaltados, no
campo político, entre outros, o respeito mútuo, à integridade territorial (que
na prática apoia a posição chinesa contra a independência de Taiwan) e
interesses vitais de cada lado; na área diplomática, a convocação do Diálogo
Estratégico, em nível de chanceleres; nos organismos internacionais, o diálogo,
inclusive no aumento da representação de países em desenvolvimento no Conselho
de Segurança da ONU, como defende o Brasil. Na área econômica, houve
concordância quanto à necessidade de diversificação da pauta das respectivas
exportações e de ampliação da cooperação industrial, agrícola e energética, com
apoio à energia renovável. Na área científica, vão ser estabelecidos, de comum
acordo, setores prioritários para cooperação bilateral e um Plano de Cooperação
Espacial 2023-2032.
O Plano Executivo define as áreas
prioritárias para a cooperação bilateral e indica que metas concretas para o
período 2022-2026 poderão ser consolidadas pelas instituições diretamente
interessadas dos dois países, sendo a Cosban o principal órgão decisório. São
criadas subcomissões que encaminharão relatórios semestrais das suas atividades
ao Itamaraty e ao Ministério do Comércio da China. Nesse sentido, ficou
acordado um amplo diálogo político bilateral com áreas definidas e multilateral
nos principais organismos internacionais. Reafirmando a importância dos temas
econômicos e comerciais, ficou estabelecida ampla agenda de contatos nessas
áreas, incluindo investimentos e infraestrutura, cooperação financeira, energia
e mineração, agricultura, aquicultura e pesca, educação, esportes, cultura,
turismo e saúde. Realce especial foi dado à cooperação em ciência, tecnologia e
inovação, além da cooperação espacial.
O Brasil mantém mecanismos de consulta com
muitos outros países, mas os EUA são o único com quem a relação bilateral foi
institucionalizada, aliás, durante o período em que servi como embaixador em
Washington. Embora de maneira menos ambiciosa e sem planos decenais com metas
estabelecidas, ocorrem consultas e diálogos de alto nível e reuniões de grupos
de trabalho conjuntos nas áreas de comércio, ciência e tecnologia, agricultura
e energia, além de um fórum com presidentes de grandes empresas dos dois
países.
Espera-se que no caso da China não aconteça
o que ocorreu com o dos EUA, em que a institucionalização ficou, em boa parte,
na intenção.
*Ex-Embaixador em Washington, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)
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