O Estado de S. Paulo.
O que perturba é a facilidade com que se
aceita mudar a Constituição para driblar incômodos
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
n.º 1/2022, aprovada pelo Senado Federal na semana passada (e que logo será
aprovada pela Câmara dos Deputados), preocupa não apenas por seu impacto fiscal
e por seu caráter eleitoreiro, mas, sobretudo, por indicar a fragilidade de
nossas instituições.
O objetivo da PEC não é social, como se quer dar a entender, mas claramente eleitoral. Se seu objetivo fosse social, não alocaria recursos em um programa ineficiente, como é o Auxílio Brasil – que transfere o mesmo montante para todas as famílias, independentemente de seu tamanho. Se o objetivo fosse social, os programas previstos na PEC não se encerrariam em 31 de dezembro deste ano, mas teriam um prazo um pouco mais curto ou um pouco mais longo, com uma progressiva redução, para evitar uma mudança traumática logo no início do próximo governo.
A extinção, em 31 de dezembro, dos
programas de transferência de renda previstos na PEC, assim como das
desonerações de tributos federais sobre combustíveis, interessa apenas ao
presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.
Além do ganho eleitoral de curto prazo, deixa-se uma bomba para o próximo governo, que – se não quiser que a renda das famílias pobres caia e o preço dos combustíveis suba em 1.º de janeiro – terá de negociar, ainda em 2022, com um Congresso Nacional que certamente cobrará caro, como vem cobrando do atual governo. O pior é que a aprovação da PEC e das medidas de desoneração de combustíveis contaram com a complacência amedrontada da oposição.
Mas o que mais preocupa na PEC é seu
impacto negativo sobre a institucionalidade do País – fragilizando tanto a
legislação eleitoral quanto as regras fiscais. O objetivo dessas regras é
exatamente restringir o espaço de ação dos governantes, seja para equilibrar a
disputa eleitoral, seja para garantir a solvência fiscal no longo prazo.
Se é possível aprovar uma emenda
constitucional a toque de caixa quando as regras institucionais atrapalham os
interesses eleitorais dos governantes, isso significa que tais regras não valem
nada, e não servem de referência para aqueles que querem investir no Brasil ou
disputar eleições justas.
Não é o status legal que define a força
institucional de uma regra, mas o compromisso com sua manutenção. A Lei de
Responsabilidade Fiscal foi menos modificada em 20 anos que a emenda
constitucional do teto dos gastos em 5. Talvez regras fiscais não devessem
estar na Constituição, mas o que realmente perturba é a facilidade com que se
aceita mudar a Constituição para driblar regras incômodas.
*Diretor do Centro de Cidadania Fiscal
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